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Carioca chega da Itália e vê descaso em aeroporto: "Nem verificaram febre"

A jornalista Priscila Keller com a avó, Ivonne Scanff, na França: clima de despedida - Arquivo pessoal
A jornalista Priscila Keller com a avó, Ivonne Scanff, na França: clima de despedida Imagem: Arquivo pessoal

Luiza Souto

De Universa

21/03/2020 14h12

A jornalista Priscila Keller, de 36 anos, planejou por meses sua viagem à Europa para visitar a avó, de 80 anos, na França, e depois estudar na Itália, até agosto deste ano, enquanto tentaria sua segunda cidadania no país. Com a pandemia de coronavírus, viu-se presa em uma casa alugada e comendo uma vez por dia para economizar.

Sem concretizar o plano de estudar, Priscila conseguiu uma passagem para o Rio de Janeiro para a última sexta (20). Ao chegar no aeroporto Internacional Tom Jobim na manhã do sábado (21), ficou espantada com o despreparo dos funcionários no local. "Nenhum controle. Nenhuma orientação sobre quarentena", diz ela.

Priscila conta que ela mesma teve que orientar um funcionário do free shop a não encostar nela, que pode estar infectada, mesmo que assintomática. Até o momento, a Itália é o país que registra o maior número de mortes por causa do novo coronavírus, número já passam de 5,5 mil. "Nem verificaram nossa febre, algo que não custa dinheiro, basta um termômetro. Muito desesperador e triste."

A jornalista contou a Universa como foi sobreviver nesses dias de coronavírus por lá — e como foi chegar ao Brasil e ter essa experiência ruim no aeroporto.

"Voltei no sábado (21) da Itália num voo de repatriados. Não havia nenhum controle. Nenhuma orientação. Nem aferir febre, que não custa dinheiro. Basta um termômetro. Coisa que a Itália já fazia antes do surto. Por que somos assim? Sem ordem, sem disciplina e sem se importar com o próximo?

No free shop, os vendedores chegaram perto da gente sem respeitar o limite de 1 metro. Zero orientação de quarentena. A caixa estava sem luva. Eu aconselhei a não tocar na minha mão para pegar o chocolate que comprei. Pessoas conversando lado a lado a um palmo do rosto de outras... O que será de nós?

Tudo muito desesperador e triste. Sair de um local de onde vim, com total consciência social do cidadão, e vir pra cá sem nenhuma consciência — ou talvez estejam mal instruídos.

Curso em Roma e visita à avó na França

Sou descendente de italianos e decidi ir para a Itália aprender mais a língua e fazer o pedido de dupla cidadania. Mas os cursos fecharam e o consulado também.

Antes de chegar, passei em Rouen, na França, onde minha avó, que tem 80 anos, mora. Tinham acabado de anunciar a primeira morte na Europa por coronavírus. Mas a gente não achava que a situação se agravaria. Tanto que deixei malas e remédios lá, com a ideia de voltar.

Mas, ao partir rumo à Itália, minha avó se despediu de mim como se fosse nosso último encontro. 'Se algo acontecer comigo, quero que você saiba que eu te amo muito', ela disse.

Quando cheguei na Itália, ainda não se acreditava que o vírus chegaria como aconteceu. As pessoas debochavam, achavam que era sensacionalismo da imprensa. Lembrei muito do Brasil até.

Pessoas com medo de se tocar

Mas aí começaram a fechar tudo. Os turistas que ficariam na mesma casa que eu, que aluguei por aplicativo, cancelaram a reserva. Fiquei sozinha lá, com dois gatos.

A orientação era só sair na rua para ir ao mercado e farmácia. Quando dava para encontrar alguma aberta, havia filas com senha e era preciso ficar afastado um do outro.

jornalista conta como sobreviveu ao coronavírus na Itália - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Na Itália, moradores mantém a distância em filas de mercado e farmácia
Imagem: Arquivo pessoal

As pessoas tinham medo de se tocar. Numa ida à farmácia, ao puxar a senha para entrar, sem querer peguei duas, mas a pessoa atrás de mim não queria encostar no papel que eu peguei a mais. Virou uma neura, mas é a recomendação mesmo da Organização Mundial da Saúde, a de manter distância.

No mercado, quase esbarrei numa senhora, e ela fez um escândalo. As pessoas não sobiam no mesmo elevador e usavam luvas cirúrgicas para encostar em maçanetas ou pegar em dinheiro. Eu não consegui comprar luva. Nem máscara ou álcool.

Antecipação do voo de volta

jornalista relata como sobrevive ao coronavírus na Itália - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Estabelecimentos na Europa controlam entrada de pessoas com senha
Imagem: Arquivo pessoal

Eu voltaria para a França na sexta dia 20, para pegar as malas e os remédios e rever minha avó. Mas as fronteiras estão fechadas. E não sei como, mas consegui antecipar o voo que eu pegaria somente em agosto, de volta para o Brasil, para essa mesma sexta.

Não estudei, ou fiz qualquer outra coisa, mas sigo com vontade de morar na Itália, caso consiga a minha cidadania. Ainda mais após viver as mazelas com o povo da Itália, conhecer a sua disciplina.

Vi uma certa semelhança com o Brasil no início, com as pessoas rindo da pandemia, achando tudo exagerado, como o presidente Bolsonaro. Mas logo que viram a seriedade, mantiveram a disciplina, passaram a obedecer ao governo e às leis. Totalmente diferente do Brasil.

Me preocupo com a negligência do Brasil, mas, agora, a Itália está pior, com o euro muito alto e muitos casos. No meu país, pelo menos tenho meus amigos e família. Não ficarei numa solitária."