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"Não é um conto de fadas": mães que deram à luz nos EUA relatam perrengues

Mariana, mãe brasileira que teve filha nos EUA - Arquivo Pessoal
Mariana, mãe brasileira que teve filha nos EUA Imagem: Arquivo Pessoal

Carolina Camargo

Colaboração para Universa

30/01/2020 04h00

Dar à luz em um país desenvolvido para proporcionar ao bebê cidadania estrangeira — e todas as oportunidades que o passaporte internacional carrega consigo — é um dos principais motivos que levam mães brasileiras a escolher os Estados Unidos como destino para seus partos.

Ter seu filho em Miami foi a opção inclusive de celebridades como Karina Bacchi, Claudia Leitte e, mais recentemente, Thammy Miranda. O movimento tem um nome, "birth tourism", ou turismo de nascimento ou maternidade.

Na última sexta, no entanto, a decisão do presidente Donald Trump de estabelecer novas regras para a solicitação de visto na tentativa de conter o "birth tourism" voltou a trazer o assunto à tona. Segundo a constituição norte-americana, crianças nascidas em solo norte-americano têm direito a cidadania, mesmo que seus pais não sejam cidadãos americanos e não importando seu status imigratório. A partir de agora, porém, o visto poderá ser negado caso o funcionário consular suspeite da intenção da mulher grávida.

E nem sempre a experiência de ter filhos em hospitais nos Estados Unidos é exatamente esse sonho que os depoimentos mais famosos fazem crer. Universa entrou em contato com três mulheres que, entre outras coisas, apontam o excesso de romantização e diferenças culturais como problemáticas e que passaram por alguns perrengues (veja a história delas abaixo).

Segundo o Itamaraty, em 2017 foram feitos 10.933 registros de nascimento de crianças brasileiras nos Estados Unidos. Em 2018, 9.440 e em 2019, 8.603. Miami, Nova York e Boston são as regiões com o maior número de documentos solicitados — é o registro que confere nacionalidade brasileira à criança e é usado como base para o pedido de passaporte.

O Ministério das Relações Exteriores faz a ressalva de que é provável que muitas crianças brasileiras nascidas nos Estados Unidos não tenham tido seu nascimento registrado em repartição consular, não constando, portanto, nos números oficiais. Quanto à opção de brasileiros de ter filhos nos Estados Unidos, o Itamaraty declarou via e-mail que "o governo brasileiro não interfere em decisões de caráter privado de famílias brasileiras e em sua liberdade de ir e vir".

Procurada por Universa, a assessoria de imprensa da Embaixada dos Estados Unidos em Brasília limitou-se a esclarecer que "o Departamento de Estado dos Estados Unidos está comprometido em facilitar as viagens legítimas de acordo com a lei de imigração dos EUA. Qualquer pessoa pode solicitar um visto americano e a situação individual de cada solicitante é considerada durante o processo de solicitação. Todos os solicitantes de visto devem demonstrar ao funcionário consular que pretendem usar o visto de visitante para fins permitidos pela lei de imigração dos EUA".

Conheça abaixo a história das mulheres para quem o parto nos Estados Unidos não cumpriu as expectativas:

"Achava que o tratamento seria 5 estrelas"

Dulcilene e sua filha Sofia - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Dulcilene e a pequena Sofia
Imagem: Arquivo Pessoal

"Moro em Nova York há 12 anos. Em 2017, engravidei e pensava que seria tudo maravilhoso. Como estava sem seguro, que andava cada vez mais caro, procurei uma clínica que atende pessoas de baixa renda. Quando se está grávida, não precisa pagar.

Eles têm médicos de todas as especialidades e convênio com um hospital super-recomendado. Uma médica me acompanhou nos 9 meses, mas, quando eu precisava fazer exames mais elaborados, me mandavam para o hospital. Na última consulta, essa médica disse que agendaria meu parto e que eu não precisaria me preocupar com nada. Com 40 semanas de gestação, descobri que o parto não estava marcado e que o hospital não sabia de nada. Foi meu primeiro baque.

Em 30 de dezembro, tinha um ultrassom agendado para 9h. Nele, fui informada que a bebê estava em sofrimento porque meu líquido amniótico estava baixo. A bolsa havia estourado e eu não tinha percebido. Fui direto para um quarto. Às 13h, com muita dor, não tinha dilatação. Fui medicada, mas não funcionou. Colocaram um balão na minha vagina para forçar a dilatação, mas só chegou a 3 cm. As horas foram passando e, toda vez que os batimentos cardíacos da minha filha caíam demais, a única coisa que a equipe fazia era me mudar de posição, mesmo me vendo chorando e pedindo ajuda.

Sem dilatação suficiente, a médica, extremamente grosseira, me pedia para fazer força para a bebê sair. Como a criança iria sair se eu não tinha dilatação? Meu marido e uma amiga estavam comigo no quarto. Num momento em que os batimentos da minha filha e os meus baixaram demais, minha amiga, que tem quatro filhos, começou a questionar por que eles me faziam sofrer e pediu uma atitude. Continuaram só me mudando de posição.

Depois das 23h e por estar fazendo esforço havia tantas horas, comecei a passar muito mal. Vomitava, apagava e, ao acordar, as enfermeiras me pediam para continuar fazendo força, empurravam minha barriga. Mesmo com anestesia, sentia muita dor. Lembro de pedir para a médica para que ela fizesse uma cesárea porque já não aguentava mais e resposta foi: 'Se eu levar você para cirurgia agora, todo meu trabalho vai para o espaço. Faça mais força!'. Ela falava como se a culpa fosse minha e como se eu não estivesse me esforçando o suficiente.

Até as 5h da manhã, fiquei em um ciclo de fazer força, vomitar e apagar. Foi quando, segundo minha amiga, eu apaguei por mais de 20 minutos. Só então me levaram para a sala de cirurgia. Quando recobrei a consciência, vi aquelas luzes brancas e cheguei a achar que tinha morrido. Apaguei novamente. Tiveram que me cortar e tirar minha filha com fórceps. Isso foi às 7h23. Ela nasceu sem respirar e foi direto para a UTI neonatal. Foram mais de 18 horas fazendo força. O médico que fez o parto disse para minha amiga que era um verdadeiro milagre eu e minha filha estarmos vivas.

Minha filha ficou seis dias internada e meses sendo acompanhada. Em uma situação como essa, o que você quer é ser bem cuidada. Principalmente porque você está em um país considerado de primeiro mundo. Jamais esperava. Nem nos meus piores sonhos.

Tenho certeza que não me levaram para a cirurgia por causa do seguro da clínica, que era barato. Cansei de pedir o relatório do meu parto e o hospital nunca me deu. Eles têm muito medo que você processe, mas eu disse que não faria isso. Para mim, o que importa é que a minha filha está viva e tem saúde."

Dulcilene Lopes Assunção dos Santos, 34 anos, empreendedora, mãe da Sofia

"Só quando caí no choro perceberam que podia haver algo errado"

Mariana e Hanna - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Mariana e Hanna: dores absurdas negligenciadas
Imagem: Arquivo Pessoal

"Quando engravidei, já tinha mais de 35 anos e morava nos Estados Unidos, em Troy, mais ao norte do estado de Nova York, fazia alguns meses. Tive a placenta baixa toda a gestação e, por isso, mesmo querendo parto normal até o último momento, não sabia se seria possível.

Os médicos nos Estados Unidos não são como no Brasil. A relação com o paciente é distante. Mesmo nas consultas, você fala mais com os enfermeiros. O médico só vem para tirar alguma dúvida e é muito breve.

Por causa da minha idade, tive de fazer exames extras. Um deles apontou que minha filha poderia nascer com alguma síndrome. Fiquei preocupada. Chegaram a me sugerir um exame mais invasivo para ter certeza, com risco de aborto, mas decidi não fazer. O acompanhamento pré-natal é feito com obstetra, mas só depois descobri que ele faz seu parto apenas se estiver de plantão. Como escolhi um hospital que faz partos humanizados, é normal uma "midwife" conduzir o procedimento — é como se fosse uma parteira no Brasil. O obstetra só aparece caso aconteça algum problema.

Em 24 de dezembro, véspera de Natal, minha filha quis nascer. Logo que cheguei no hospital, me examinaram e disseram que o parto seria rápido. Para relaxar, me ofereceram aquele gás do riso, estratégia que estavam testando na época em vez de dar anestesia nas grávidas.

Teoricamente a enfermeira deveria supervisionar o uso, mas não tiveram esse cuidado comigo. Acalmei, mas, ao mesmo tempo, minhas contrações diminuíram muito e a dilatação parou por completo. As enfermeiras não eram proativas, não me passavam segurança. Falo bem inglês, mas é difícil entender termos técnicos. Passei o dia no hospital, mas à noite quiseram me dar alta. Não quis sair, achei arriscado. Me sentia mais segura de estar em um local com assistência.

No entanto, logo cedo, forçaram minha saída e me deram alta porque precisavam liberar o quarto, alegando que eu não estava dilatando mais. Em nenhum momento o obstetra de plantão veio me examinar. Pois bem: foi só chegar em casa que, de repente, minhas contrações começaram para valer e a minha bolsa estourou. Tive tanta dor que não conseguia me mover.

As contrações ficaram cada vez mais fortes. Era inverno, tinha muita neve na rua e fazia frio demais. Meu marido teve de chamar uma ambulância para me pegar. Parecia cena de filme. Voltei para o hospital gritando de dor e pedindo por anestesia, mas me disseram que já era tarde demais.

A dor era tamanha que minhas pernas ficavam esticando involuntariamente. As enfermeiras tinham que segurar forte para poder mantê-las dobradas para o parto. A midwife que me atendeu não tinha muito tato. Em nenhum momento ela teve a sensibilidade de me perguntar como eu estava, de me acalmar. Achei o tratamento bem frio. Mas minha bebê nasceu bem.

Quando pensei que tudo tinha acabado bem, começou o transtorno. Tentava mexer minhas pernas e sentia uma dor insuportável. Se eu dobrava meio milímetro as pernas ou fazia qualquer movimento da cintura para baixo, vinha uma dor descomunal.

As enfermeiras ficavam insistindo para eu andar, para ir ao banheiro, diziam que eu não podia ficar deitada, mas minha dor era real. Elas achavam que eu estava exagerando. À noite, desabei, chorei bastante e disse que estava sentindo muita dor e não aguentava mais. Só então elas cogitaram que poderia ter algo errado comigo e decidiram fazer um exame.

Pelo raio-x, fui diagnosticada com disfunção da sínfise púbica. Só então passei a receber um cuidado diferente. Durante a gravidez, produzimos um hormônio que relaxa os ossos na região pubiana e deixa os músculos pélvicos mais flexíveis para ajudar no parto. Só que meu corpo liberou muito desse hormônio de uma só vez. Além de causar uma inflamação, isso fez com que o osso pélvico abrisse bem mais que o normal e não voltasse a seu lugar original.

Ninguém soube explicar por que eu tive isso. O médico disse que foi má sorte. A recuperação foi bem demorada. Passados três meses, eu ainda estava usando andador para me locomover e tinha os movimentos bem limitados."

Mariana Dutra, 36 anos, arquiteta, mãe da Hannah

"Foi um choque cultural muito grande"

"Com 33 anos, já morei em cinco países diferentes. Conheci meu marido, que é brasileiro também, no Caribe. Quando ele soube que estávamos grávidos, logo fez uma proposta para termos nosso filho nos Estados Unidos. Sou doula, queria ter meu filho em casa e resisti, mas acabei aceitando à aventura de ter um bebê em outro país. Os contextos são diferentes, mas acho que o aspecto em comum para a maioria das famílias é dar a cidadania norte-americana para a criança.

Fomos em palestras de médicos que ofereciam esse serviço e fiz muitas perguntas. Acabamos contratando um programa que leva brasileiras para ter filhos na Flórida. O valor dos pacotes varia conforme o tipo de parto que você quer ter, se é normal ou cesárea, e o hospital escolhido. Preferi o local mais simples e mais barato, mas que contava com uma UTI neonatal. Queria parto normal. Nunca tinha passado pela minha cabeça algo diferente. Outras 15 famílias também estavam viajando e formamos um grupo muito legal para troca de informações.

Embarquei para os Estados Unidos com 33 semanas — o limite é 34. Entrei em trabalho de parto com 39 semanas e três dias. Já estava com seis dedos de dilatação. A equipe tinha quatro médicos, sendo que dois estavam de plantão. Mandei mensagem para os obstetras, mas um fazia a cesariana de uma brasileira do grupo e o outro estava de plantão em um hospital diferente.

Mandaram um outro médico me atender. Começou meu sentimento de insegurança. Pedi muito ao médico com quem eu tinha feito o final do pré-natal para que ele viesse me acompanhar. Insisti tanto que ele apareceu. Fiquei superfeliz ao vê-lo, mas tive que ouvir que ele 'não estava lá para agradar, mas para tirar o bebê da barriga'. Me senti vulnerável.

Mesmo pedindo para que não estourasse a minha bolsa, ele pegou uma agulha, parecida com as de tricô, e estourou. Fiquei em estado letárgico. Foi horrível. Meu nível de energia despencou. Quando eu já estava com 9 cm de dilatação, ficaram insistindo para eu tomar anestesia, embora eu não quisesse. Mas foi bom porque relaxei e acabei dormindo por alguns minutos.

Quando acordei, coloquei as mãos entre as minhas pernas e passei a mão no cabelo do meu filho. Só que a partir daí eu já não sentia mais nada e parei de dilatar. Pedia para deixarem me movimentar, andar pelo quarto, verticalizar, agachar, mas o máximo que consegui foi que levantassem um pouco a cama. Tentaram usar um vácuo-extrator, mas não deu certo. Nessa hora, já era um outro obstetra que estava de plantão e ele me disse que ia fazer uma cesariana, que não ia mais esperar.

Já na sala de cirurgia, implorei que me ajudasse a fazer a força correta, mas ele só me deixou tentar fazer força mais três vezes. Só que meu filho já estava no canal de parto. Tiveram de empurrar ele de volta para dentro da minha barriga e só então fazer a cesárea.

Meu filho nasceu bem. Tirou nota 9 no primeiro exame. Segui para a sala de recuperação e dormi. Só ao acordar soube que o bebê estava na UTI. Alegaram que ele estava com uma insuficiência respiratória em decorrência de uma possível infecção por terem manipulado ele dentro do meu ventre. Fizeram exames e o resultado indicou aumento de células brancas, mas nunca houve de fato uma confirmação.

Ninguém sabia me dizer o que realmente estava acontecendo. Só depois de ameaçar fazer um escândalo é que consegui entrar na UTI. Tive alta por telefone. O médico sequer examinou meu corte. Sair do hospital sem meu filho nos braços foi o dia mais triste da minha vida. Ele ficou 10 dias internado.

Além de todo o desgaste emocional para a mãe, você tem de se preocupar com os custos. No grupo de mães que eu estava ninguém tinha seguro saúde. As contas vieram altíssimas. Tirando a parte do parto, que custou cerca de US$ 13 mil, recebemos a conta da UTI: US$ 60 mil. Depois de muito negociar o valor, veio o segundo baque. Mais US$ 30 mil só da equipe médica, que ainda estamos negociando. Isso sem listar os gastos com passagens, moradia, alimentação, transporte, consultas, vacinas etc.

Minha experiência foi muito particular. A maioria das mães diz que foi maravilhoso, até porque tem a ver com a bagagem de expectativas de cada um. Mas senti que as condutas não são humanizadas. O choque cultural é grande. As pessoas não são receptivas, calorosas nem sensíveis como os brasileiros. Não é um conto de fadas como a gente vê divulgado."

VM, 33 anos, doula, mãe de um menino