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O irmão delas é agressor: "Ele bateu na nossa mãe com minha filha no colo"

Mulheres contam como é conviver com um parente acusado de agressão - Getty Images/iStockphoto
Mulheres contam como é conviver com um parente acusado de agressão Imagem: Getty Images/iStockphoto

Luiza Souto

De Universa

18/10/2019 04h00

Camila*, 22, é agredida pelo irmão desde a infância e revela um medo: ser sua primeira vítima fatal. Jhenifer, 19, teve boa convivência com o irmão, mas ele matou a companheira e está preso aguardando julgamento. Apesar do histórico de violência em comum, as duas não deixam de estar ao lado de quem cresceu com elas na mesma casa.

Com medo do que pode acontecer com os irmãos, e com elas mesmas, as duas contam a Universa como é lidar com um agressor de mulheres bem próximo.

"Matou a companheira porque estava bêbado"

Jhenifer Maiara, 19, tem um irmão mais velho, de 33, por parte de pai. O garoto fora abandonado pela mãe dele assim que nasceu. Quando o pai dos dois morreu, o irmão foi viver com os avós paternos, mas todos moravam perto, em Cascavel (PR), e puderam crescer juntos.

Na adolescência, ele apresentava sinais de rebeldia: se dirigia aos idosos com xingamentos e consumia drogas. "Mas meu irmão nunca deixou de querer o bem nem agradecer a minha avó pelo que ela fez", diz Jhenifer. Ela conta que ofereceu tratamentos contra o vício para o irmão, com a ajuda da família, mas não teve sucesso.

Há três anos, os tios e os avós resolveram expulsar o rapaz da casa em que cresceu, e ele foi morar nas ruas. Jhenifer só teve notícias do irmão recentemente: ele foi preso, acusado de matar a companheira.

"Ele a pegou no colo de outro cara e os dois tiveram uma discussão feia. Meu irmão matou a companheira com vários golpes de faca. Estavam bêbados. Nem sei bem por quanto tempo ficará preso, e me informaram que deve responder por feminicídio."

Sei que ele tem que pagar, mas é meu irmão e o amo muito, independentemente de qualquer coisa. Cresci ao lado dele e não vou deixar de dar apoio. Se a pessoa estiver disposta, ela pode mudar. E devemos ajudar

A última edição do Atlas da Violência aponta que, em 2017, mais de 221 mil mulheres no Brasil buscaram delegacias para registrar episódios de violência doméstica. Ainda segundo o documento, cerca de 13 mulheres foram assassinadas diariamente no Brasil somente em 2017. Naquele ano, foram 4.936 vítimas, o maior registrado desde 2007.

Os pesquisadores do Atlas atentam, neste levantamento, sobre a falta de registros de homicídios de mulheres com o agravante de feminicídio, uma vez que a Lei do Feminicídio é de 2015 e ainda está entrando no dia a dia das autoridades.

"Amo como irmão, mas amo mais minha segurança"

A dona de casa Camila*, 22, já registrou cinco boletins de ocorrência contra o irmão: um por agressão e quatro por ameaça. Ela, que vive em Belo Horizonte, diz que apanhava "desde sempre", mas as denúncias na polícia começaram mesmo em dezembro de 2018. No fim do ano passado, Camila descobriu que o irmão, de 24 anos, tinha uma doença sexualmente transmissível enquanto namorava uma amiga sua. Ela diz que primeiro tentou convencê-lo a contar a verdade para a companheira. Sem sucesso, revelou o segredo do irmão à amiga. O resultado foi um ataque de fúria do homem.

"Acordei com ele já em cima de mim, me agredindo. Depois, me tirou da cama e bateu minha cabeça no chão, me deu vários chutes e falou que ia acabar com a minha vida. Meu marido me socorreu", conta Camila, que prefere não se identificar. A filha dela, de 7 anos, não estava em casa. Os irmãos moram num mesmo prédio, com quatro andares separando as portas.

O agressor é irmão adotivo de Camila, e ela lembra as atitudes agressivas dele, sempre mirando pessoas do sexo feminino, desde muito novo. Ele, segundo a dona de casa, perseguia as mulheres com quem se relacionava e também agredia a própria mãe.

"Por um tempo, eu achava até que merecia apanhar. Acabei acostumando. Depois, via meu irmão perseguindo mulheres e até a nossa mãe. Ela deu de tudo para ele e também foi agredida, com a minha filha no colo. Então, resolveu se mudar para outra cidade e fugir dele. Ninguém denunciou as agressões porque meu irmão foi adotado. A mãe biológica abandonou, e todos tinham pena. Nossa mãe sente culpa por ele ser assim", diz.

Camila vem tentando com a polícia uma medida protetiva para que o irmão não se aproxime dela. No depoimento, feito no 4º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e ao qual Universa teve acesso, ele admite a agressão, mas afirma que, desde então, se afastou da irmã, negando ter feito outras ameaças. Desempregada, ela fala que não tem como sair do imóvel neste momento.

Já chamei a polícia várias vezes por causa dele e ouvi de agentes que briga de família se resolve em casa. É difícil tudo isso porque amo meu irmão, mas amo mais ainda a minha segurança, mesmo sabendo que a família toda pode ficar contra mim. Dói por ele ser meu irmão e porque meus pais sofrem. Tenho medo de ser a primeira vítima fatal dele.

Lei Maria da Penha também serve para parente

A Lei Maria da Penha, que prevê a punição de atos de violência doméstica contra a mulher, também pode ser aplicada em casos de violência familiar, quando a ação é baseada no gênero e causa morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. A juíza Maria Domitila Manssur, da 16ª Vara Criminal e do SANCTVS (Setor de Atendimento de Crimes contra Infante, Idoso, Pessoa com Deficiência e Vítima de Tráfico Interno de Pessoas), conta, inclusive, serem frequentes os pedidos de medida protetiva contra padrasto, tio, cunhado, irmão.

Esses pedidos chegam à Justiça via polícia, Ministério Público, advogados e Defensoria Pública. A mulher que se sentir ameaçada deve procurar um desses caminhos, diz Maria Domitila. Alguns estados adotam também aplicativos de denúncia para vítimas de violência, como o SOS Mulher, em São Paulo. Por meio do app, a mulher pode acionar a polícia caso esteja em uma situação de risco. O agressor que descumprir a medida protetiva pode pegar de três meses a dois anos de prisão.

"O mais importante é que a mulher não recue e denuncie", orienta a juíza.

De acordo com o Relógio da Violência, do Instituto Maria da Penha, a cada 2 segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal no Brasil. E a cada 6,3 segundos, uma mulher é vítima ameaça de violência.

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Imagem: Arte UOL