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MDMA: os principais riscos da droga do Carnaval para as mulheres

O público feminino é o mais propenso a procurar por tratamento de emergência após o consumo do MDMA  -
O público feminino é o mais propenso a procurar por tratamento de emergência após o consumo do MDMA

Manuela Rached Pereira

Colaboração para a Universa

02/03/2019 04h00

Euforia, felicidade, coragem e maior desejo sexual. São essas algumas das sensações mais relatadas por usuárias do MDMA, princípio ativo do ecstasy, também conhecido como a "pílula do amor". O que ainda pouco se conhece, no entanto, são os riscos e efeitos colaterais causados pelo uso da substância, principalmente entre as mulheres e em eventos festivos como o carnaval. 

Segundo o mais recente relatório da pesquisa Global Drug Survey, divulgado no ano passado e do qual participaram cerca de 130 mil pessoas de 40 países, o público feminino é o mais propenso a procurar por tratamento de emergência após o consumo do MDMA.

Enquanto no mundo a busca por ajuda médica entre as mulheres é quase duas vezes maior que entre os homens (1,2% e 0,8%, respectivamente), no Brasil essa diferença é ainda mais alarmante: depois do uso da substância, a procura chega a ser cinco vezes mais alta entre as brasileiras (2,5%), na comparação com os usuários do sexo masculino (0,5%). 

"Se ainda existem poucos estudos que analisam os efeitos específicos de drogas mais comuns, como o álcool, em mulheres, quando se trata de substâncias ilícitas, a produção de trabalhos do tipo é ainda menor. Mesmo assim, evidências apontam que o perigo do uso do ecstasy é maior para a mulher e por várias razões"

O apontamento é de Patrícia Hochgraf, psiquiatra e coordenadora médica do Programa da Mulher Dependente Química do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Questão moral atrapalha

Para a especialista, se já existe um preconceito muito grande no meio médico contra os usuários de drogas em geral, no caso das mulheres o estigma é ainda maior. "Por isso, elas procuram menos ajuda e são menos estudadas. Além disso, a gente sabe que existe uma questão moral por trás, como se a mulher que faz o uso de drogas fosse mais amoral do que homem usuário."

De acordo a psiquiatra, o estrógeno, hormônio responsável pelo controle da ovulação e desenvolvimento de características femininas, seria um de fator de risco para as mulheres, prejudicando a capacidade das células de liberar água e podendo agravar os efeitos colaterais do MDMA, especialmente em ocasiões festivas como o carnaval, que costumam envolver muita gente, altas temperaturas e um maior acesso a outras drogas.

"Nos blocos de rua, por exemplo, com certeza os riscos são maiores para elas, que fazem o uso da droga para se divertir e se soltar mais, o que geralmente é acompanhado pela elevação da temperatura do corpo e, consequentemente, do consumo excessivo de líquidos e outras drogas, como o próprio álcool", analisa. 

Quanto mais jovem, pior

Sobre o perfil das consumidoras que podem ter mais problemas com o uso da substância, a especialista afirma que entre as mais jovens os perigos são maiores, pois em sua "idade fértil" a mulher libera mais estrógeno. "Quando o corpo delas retém muito líquido, além do risco de um edema cerebral, também há uma diminuição de sódio no sangue, chamada de hiponatremia, que é um quadro muito grave e pode gerar uma série de sintomas como náuseas, vômito, dores de cabeça, irritabilidade, espasmos musculares, fraqueza, e até mesmo levar ao coma."

Altos e baixos

Ainda segundo a psiquiatra, com o uso da droga, as mulheres tendem a ter um 'pico' de estímulos maior do que os homens, causado por uma alta liberação de serotonina, um neurotransmissor que atua no cérebro regulando o humor, sono, apetite, ritmo cardíaco, temperatura corporal, sensibilidade e funções intelectuais. "E quando a subida é maior, a queda é proporcionalmente grande", conclui.

Para Gabriele*, auxiliar de escrevente que fez uso da substância uma única vez no dia em que completou 22 anos, a experiência virou trauma. "Me fizeram uma festa surpresa e, para comemorar, ganhei de um amigo um saquinho com os cristais. Na mesma noite, dissolvi tudo num copo d'água e tomei de uma vez. Depois de um tempo, além de suar muito, lembro de não conseguir coordenar meus movimentos muito bem, tinha muita palpitação no peito e não conseguia dormir", relata.

A então aniversariante descreve também que as sensações negativas se agravaram com o tempo. "Parecia ansiedade só que pior, por muitas horas senti calor e falta de ar. Quando finalmente consegui dormir, fiquei inconsciente e com a pulsação fraca por mais de 10 horas. Foi quando meus amigos me encaminharam ao hospital, onde me reanimaram e eu fiquei dois dias em observação".

Ela é puro ecstasy?

Conhecido pelos usuários como "bala" e por especialistas como "droga de desenho", o MDMA seria o equivalente ao ecstasy, mas os perigos do consumo desse último tendem a ser maiores.  

"Hoje em dia, MDMA continua sendo ecstasy, mas ecstasy não costuma ser só MDMA. São lançados todos os dias dez novos tipos de comprimidos vendidos como ecstasy, que em geral são a mistura de um potente estimulante do sistema nervoso central com um alucinógeno. Mas a gente nunca sabe o que de fato tem nessas drogas porque são feitas em laboratórios clandestinos e lançadas no mercado em toneladas. Eles mudam a substância pra que não sejam detectadas e apreendidas", explica Patrícia.

Para a psicóloga e especialista na questão das drogas da ONG É De Lei, Maria Angélica Comis, o princípio ativo do ecstasy deveria ser o MDMA, "mas o que agora chamam de MD é apenas a forma em cristal da substância." Segundo ela, o ecstasy está presente nos contextos de festas no Brasil desde a década de 90 e, tendo em vista a popularização da droga no país, ela se disseminou em várias esferas da sociedade, mas só pessoas com poder aquisitivo maior conseguem comprar as de maior qualidade. 

"A gente sabe que hoje em dia é possível você encontrar em qualquer lugar que vende drogas essas substância consideradas de festas, como o MDMA, mas não temos como mensurar sua qualidade. Então, popularizou-se o uso e mesmo que ela tenha uma baixa percepção de risco entre as pessoas, sabemos que o perigo está justamente nos possíveis adulterantes da substância, que costumam vir misturado ao ecstasy e causam efeitos fisiológicos muito mais intensos do que só a molécula de MDMA em si", avalia a psicóloga.

Segundo Maria Angélica, os riscos causados pela mistura de outros estimulantes na droga ainda é um tema muito polêmico e pouco discutido nos campos de análises científicas. "O proibicionismo, ou seja, o fato dessas drogas serem proibidas, favorecem as vendas de substâncias adulteradas porque a cada momento alteram-se moléculas para tentar evitar que elas sejam identificadas e apreendidas. Então, as dificuldades em lidar com os riscos associados a substâncias como o MDMA têm muito a ver com o fato de elas serem proibidas e, consequentemente, de não existirem políticas públicas que analisem essas substâncias para a população.    

Redução de danos 

Uma campanha de conscientização criada pela organização É de Lei em parceria com o Projeto Respire, para promover a redução de danos entre aqueles que, apesar dos alertas mais rígidos sobre os malefícios da prática, pensam em usar drogas durante o carnaval, aponta que os principais riscos e efeitos do MDMA são a elevação da temperatura corporal, a inibição do apetite, a retenção de líquido e a dilatação das pupilas, que podem ser lesionadas por exposição à luz e aos raios solares. 

Entre as mulheres, de acordo com Maria Angélica, é importante que se evite consumir a substância durante o período menstrual e que sempre se hidratem continuamente, porém em poucas quantidades. A recomendação, valida também aos homens, é que a cada uma hora se tome 300 ml de água.

"Além disso, para reduzir danos é preciso tentar saber a procedência da substância, se alimentar antes e depois do uso e não tomar doses inteiras da droga, seja ela em comprimido ou cristais soltos. Outro ponto importante é que, ao fazer uso do MDMA, a pessoa não esteja sozinha nem num ambiente estranho, pois se ela sentir mal ou ter uma crise de ansiedade, por exemplo, é importante que ela esteja acompanhada de alguém de confiança que possa amenizar esses efeitos negativos", sugere a especialista. 

*Os nomes foram trocados a pedido das entrevistadas.