Topo

"Me chamavam de botijão, eu tacava pedra. Hoje sei que problema é o outro"

Cacau Protásio fala sobre "Sai de Baixo", falta de ativismo e representatividade  - Marcus Leoni/Folhapress/Arte UOL
Cacau Protásio fala sobre "Sai de Baixo", falta de ativismo e representatividade Imagem: Marcus Leoni/Folhapress/Arte UOL

Talyta Vespa

Da Universa

27/02/2019 04h00

A atriz Cacau Protásio acaba de estrear o filme "Sai de Baixo". Nele, mais uma vez, faz o papel de uma mulher engraçada e pobre. Nesta entrevista, Cacau reflete sobre os personagens que lhe são oferecidos e também sobre suas escolhas. Mas, à Universa, ela conta mais.

Por exemplo, sobre a relação amorosa e galhofeira que tem com o marido -- "casar com 40 anos foi a melhor coisa que eu fiz" --, que abriu uma loja de roupas para gordos "porque só achava roupa para mim na ala masculina" e que pá: comprou uma sapatilha de ponta e estuda balé. "Tô podendo, tô tchutchuquinha". 

Tá mesmo. 

Sua personagem queridinha é a Zezé, de "Avenida Brasil", uma empregada doméstica superdivertida. Agora, você vai interpretar a Cibalena, uma manicure, na comédia "Sai de Baixo" (o filme) e faz um seriado de humor, na TV, em que é a viúva de um traficante e ex-favelada. Você se incomoda com a associação entre a cor da sua pele e os papéis que lhe são oferecidos? 
Não me incomodo. Esse é o meu trabalho. Agora, um diretor tem que ter colhão para colocar a negra em um personagem de rica. Não basta só acreditar, tem que bancar. Muitos não têm coragem, acham que vão perder público ou que a reação pode ser preconceituosa. Eu fui protagonista com mais três mulheres gordas no filme "GLS", que foi para o cinema, mas muito pouco divulgado. Eu diria até que rolou um boicote. Acho que a gente está, a passos lentos, saindo desse lugar. 

"Sai de Baixo" é um clássico da comédia na TV. E os seus papéis mais marcantes são os engraçados. Esta também é uma escolha sua, certo? 
Fazer esse filme me deu um frio na barriga, me deu tudo na barriga, porque, afinal, estão lá Miguel Falabella, Tom Cavalcanti e Marisa Orth, mas a comédia é minha zona de conforto. Então, estou à espera de um grande personagem de drama. Pode colocar aí: o sonho da Cacau é fazer um drama tenso. 

Você se sente na obrigação de, como atriz, representar os negros?
Muito. Eu passei a infância inteira sem me sentir representada pela mídia. Não me via nas roupas, nos brinquedos, em nada. Sinto que isso tem mudado, comecei a ver bonecas negras no mercado há pouco tempo. Na minha época, não tinha princesa negra, nem bailarina negra. Quando desfilei de Branca de Neve, no desfile da União da Ilha, em 2015, vi crianças chorando na avenida, mães com lágrimas nos olhos. Eu sou isso: uma mulher negra e gorda que é, também, uma princesa. 

Você abriu uma loja de roupas plus size. O que a sua loja tem de diferente do que costuma te incomodar nas lojas "normais" para mulheres? 
Eu comprava roupas na área masculina das lojas porque só lá tinha roupa para gordo. Quando comprava camisas sociais, chegava em casa e trocava os botões por outros mais delicadinhos, colocava uma rendinha na barra, amo costurar. Mas era um trampo. Decidi abrir a loja há seis meses. Tomo todos os cuidados: se o fornecedor diz que a modelagem da roupa é pequena, eu não compro. Não faz sentido roupa 48 vestir um 44. 

No ano passado, você deixou de fazer a peça "Deu a Louca na Branca" porque 'não aguentava o pique' e disse que precisava emagrecer. Hoje, muitas atrizes e modelos gordas são super ativistas e dizem que não querem emagrecer porque aceitam seus corpos. Você não se interessa por esse ativismo?
Não é questão de me interessar, é que eu preciso cuidar da minha saúde. Eu tenho um problema respiratório grave e outro no joelho - ambos intensificados pelo sobrepeso -- e, na época da peça, fazia o espetáculo de 1h20 sozinha. Eu não aguentava. Não posso ser ativista de uma causa que faz mal à minha saúde. E a gordura faz. Eu acho muito importante, mas, no meu caso, não faz sentido. As pessoas precisam ser felizes e eu não estou feliz doente. 

Seu sonho de infância, como o de muitas meninas, era ser bailarina. Não rolou. Mas ouvi dizer que hoje, você foi à desforra; é verdade?
Sim. Eu não via bailarina negra, nem gorda. Além disso, minha mãe não tinha dinheiro para pagar escola de balé. Desisti e decidi que queria ser bombeira, mas, de novo, não via bombeiras mulheres. Comecei a fazer faculdade de pedagogia, mas sempre que assistia à televisão, sentia que eu deveria estar ali. Um dia, me inscrevi em um curso de teatro à noite. Era caro, então trabalhava o dia inteiro, primeiro em banco, depois como vendedora e, aos fins de semana, decorava festas infantis. E, sobre o balé, não desisti: comprei sapatilhas de ponta e hoje, aos 43 anos, me matriculei num curso.

O que poderia contar para uma criança gorda sobre a sua própria infância?
Quando eu era pequena, era reativa. Se me chamavam de botijão, eu metia a mão na cara, tacava pedra na pessoa. À medida que fui crescendo, comecei a entender que o preconceito é do outro, que o problema é o outro, e não eu. E descobrir isso foi libertador. Hoje, ignoro totalmente os haters ou mando inbox pedindo que procurem o próprio caminho. 

Você teve uma infância pobre e hoje ganha bem. Acha que administra bem seu o dinheiro? 
Eu sou bem sensata. Quando comecei a ganhar dinheiro, só comprei merda: caderno bonitinho, copinho com canudo, pantufa. Era um monte de bobeira. Aí pensei: tá errado, preciso me controlar. Eu amo bolsa, é meu ponto fraco, mas não consigo comprar uma bolsa de R$ 1500 reais. Tinha dia que eu não tinha dinheiro para comprar passagem de ônibus, como vou gastar tudo isso em uma bolsa? 

Nas fotos e nos vídeos, você e seu marido parecem bem apaixonados. É uma sensação boa fazer o marido rir da e com a gente, né? 
É. Mas quando ele deixa a toalha molhada em cima da cama ou quando estou na TPM, fico irritada e chata; mas nada que um pote de Nutella ou um brigadeiro enorme não resolvam. Eu brinco que sou ciumenta, faço vídeos tirando sarro da cara dele quando estamos na academia, mas sei que ele não vai olhar para o lado com um mulherão desses, né? Somos muito amigos. Quando era nova, dizia que se fizesse 20 anos e não me casasse, me mataria. Não casei nem me matei. Fui me casar com 40 já e foi a melhor coisa que fiz. 

Uma jornalista te confundiu com a Jojô Todyinho em um bloco de Carnaval e você se mostrou bem incomodada. Por quê?
As pessoas acham que preto é tudo igual, e isso me incomoda. Se eu estivesse no mesmo ambiente que a Jojô e algum fã nos confundisse, não teria problema. Mas era uma jornalista pedindo entrevista. Achei muito desrespeitoso. Eu disse: "Não vou te dar entrevista porque você não se deu ao trabalho de pesquisar quem eu sou". Eu amo a Jojô e me sinto honrada em ser parecida com ela, pô, ela tem 21 anos, tem aquele bundão maravilhoso. Tô podendo, tô tchutchuquinha.