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"Medida protetiva aos 17 anos me salvou de um ex-namorado agressor"

A estudante S. C. conseguiu uma medida para protegê-la após o fim de um namoro - Arquivo pessoal
A estudante S. C. conseguiu uma medida para protegê-la após o fim de um namoro Imagem: Arquivo pessoal

Camila Brandalise

Da Universa

07/02/2019 04h00

Perseguida e ameaçada pelo ex-namorado depois de colocar um fim na relação, a estudante S. C., de 18 anos, soube por uma amiga policial que poderia pedir, na delegacia, que ele fosse obrigado a manter distância física dela.

Trata-se da chamada medida protetiva, que faz parte da Lei Maria da Penha e atende vítimas de violência doméstica. O termo "doméstica" não significa que os envolvidos precisem viver na mesma casa: vale também para namorados, como no caso de S., que morem separados.

E ela ainda tinha outro receio: "Ouvia dos amigos que denunciar não ia dar em nada porque eu não tinha hematomas", diz. Estimulada pela amiga, registrou a denúncia, alegando que o ex-namorado, após o término, a trancou em um quarto, tentou sufocá-la e ameaçou "apagar" a jovem caso ela gritasse pedindo socorro. 

O ex-namorado ainda tentou pedir que a Justiça retirasse a decisão. Uma das alegações é de que a jovem inventava histórias, como a de ter sido vítima de dois pedófilos na infância -- parte da vida que ela também conta no depoimento que dá à Universa

Leia o relato completo:

"Fui embora da cidade em que morava, no interior de Minas Gerais, aos 13 anos, depois de contar para os meus pais que era vítima de pedofilia desde os oito. Um homem, casado e muito próximo da minha família, passava a mão no meu corpo. Não gosto de dar detalhes, mas posso dizer que a única coisa que ele não fez comigo foi ter relação sexual. E ele não foi o único. O motorista da van que levava a mim e mais duas colegas para a escola, quando tínhamos nove anos, fazia o mesmo. 

Meus pais foram falar com ele, mas ele negou, me chamou de louca e a mulher dele também. Dizia que eu queria destruir a família deles. Para me proteger, meus pais me mandaram para a casa da minha avó, em outra cidade. Morei com ela até os 16, e aí voltei para fazer faculdade.

Tive depressão aos 12 anos e comecei a fazer terapia. Piorei muito quando voltei para a minha cidade. Não queria sair de casar e comecei a ter crises de pânico. Procurei um psiquiatra e passei a tomar remédios. Nessa época, conheci o cara que hoje é meu ex-namorado. 

Ele parecia bom e eu achava que ele estava me tirando do fundo do poço. Mas começou a falar coisas que me colocavam para baixo. Chegou a dizer que quem me conhecia de verdade não gostava de mim. Que eu era um problema na vida dele. Um dia discutimos e ele segurou forte no meu pescoço, como se fosse me enforcar. Eu me enganava, achava que era um momento de raiva porque ele estava com problemas na família.

Percebia que aquilo estava me fazendo mal, mas falava para mim mesma que ele ia mudar, que ia melhorar. Como eu estava deprimida, achava que era sortuda e agradecia pela companhia dele. Uma antiga namorada sua chegou a me procurar no Facebook para contar que tinha sido agredida por ele. Não acreditei porque ele falou que ela o perseguia. E ficamos juntos por quase um ano. 

Ameaças depois do término

Não sei dizer qual foi a gota d´água para o término. Eu contava para as minhas amigas o que acontecia, elas odiavam ele e me diziam para acabar o namoro. Três dias depois de eu terminar, ele me ligou dizendo que tinha sido expulso de casa e que precisava conversar. Estava morando em um quarto de uma pensão e fui encontrá-lo.

Conversamos por alguns minutos e até então estava tudo bem, dei alguns conselhos. Quando levantei para ir embora ele trancou a porta e me deixou lá por duas horas e meia. Tentei gritar para pedir ajuda mas ele me sufocou. Disse que se eu não ficasse quieta iria me apagar.

Jogou minhas coisas no chão, puxou meu cabelo. Quis ficar com meu celular como garantia de que eu voltaria. Pensei que o único jeito de sair dali seria fingindo que aceitava ficar com ele, e foi o que fiz. Falei que o perdoava, que ficaríamos juntos. E então ele abriu a porta.

Na hora eu saí correndo, morrendo de medo. Ele foi atrás de mim na rua, de bicicleta, segurou no meu braço e disse para eu ficar quieta porque ele estava fazendo o favor de me acompanhar até em casa.

Eu pretendia denunciá-lo no outro dia, mas a única delegacia da cidade estava fechada. Moro em um lugar muito pequeno, e todos os policiais estavam envolvidos em um caso de feminicídio. Só consegui fazer a denúncia seis dias depois. Fiz um boletim de ocorrência e consegui uma medida protetiva para não deixar que ele se aproximasse de mim.

"Com medida protetiva, ele nunca mais me procurou"

Eu não sabia da possibilidade de conseguir uma medida protetiva até passar por essa situação. E aí, quando contei para algumas pessoas que ia denunciá-lo, ouvi que não ia dar em nada porque não tinha hematomas no corpo para provar que ele havia me agredido. Mas uma policial conhecida disse que eu deveria denunciar como violência doméstica, mesmo que a gente não fosse casado nem morasse juntos. E foi o que eu fiz. O juiz determinou que, por seis meses, ele não poderia se aproximar de mim.

Depois disso, ele entrou com um pedido para que a medida fosse retirada. Dizia que a cidade era muito pequena e que por isso não tinha como ficar longe de mim. A mãe dele procurou meus pais e disse que se eu não retirasse a queixa ela ia usar a história da pedofilia contra mim, como se eu fosse louca, tivesse inventado. Fui firme e não retirei. Ele nunca mais me procurou.

Fui atrás daquela ex-namorada dele, a da mensagem. Criamos um grupo no WhatsApp com outras duas outras meninas que também tinham se relacionado com ele; só uma delas não tinha sido agredida. Adicionamos também a mãe dele, para que soubesse o que o filho fazia. A gente combinou de fazer uma denúncia coletiva, mas a mãe dele disse que, se as outras meninas não falassem nada, ele nunca mais procuraria nenhuma delas. E aí, desistimos.

Hoje, com 18 anos, faço parte de um grupo de mulheres na faculdade e nos nossos encontros falamos sobre assédio e violência contra a mulher. Me assustei no começo quando soube que várias amigas foram vítimas de pedofilia como eu ou que já apanharam de namorado. A gente acha que é um caso isolado, o agressor fala que provocamos e a gente acredita, fica com vergonha de contar e nem imagina que tantas meninas passam pelo mesmo."

Se você estiver passando por uma situação de violência doméstica ou conhece alguém que vive isso, ligue para o Disque 180 -- canal de denúncia do governo federal para ajudar e orientar mulheres.