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Complicações após cesárea fizeram jovem perder o útero aos 19 anos

Ana Carolina Macchione, aos 19 anos, grávida de seu segundo filho - Arquivo Pessoal
Ana Carolina Macchione, aos 19 anos, grávida de seu segundo filho Imagem: Arquivo Pessoal

Jacqueline Elise

Da Universa

16/12/2018 04h00

Ana Carolina Macchione, de 24 anos, é mãe de duas crianças: uma menina e um menino. Ela viu sua vida mudar quando o caçula nasceu, em 2014. O parto, cesárea, foi feito sem acompanhamento do obstetra e teve problemas na suturação. Os sinais de infecção hospitalar surgiram horas depois, mas o corpo médico justificou que era normal. Uma semana depois, Ana Carolina foi internada novamente e descobriu que precisava retirar o apêndice e o útero, que já estava em necrose, aos 19 anos. Ela processou o hospital, mas perdeu a ação. Até hoje, porém, enfrenta as sequelas da falta de atenção ao seu caso. À Universa, ela contou sua história:

"Eu engravidei do meu segundo filho com 18 anos. Quando eu estava com 39 semanas [nove meses de gestação], em maio de 2014, minha pressão estava muito alta e eu fui ao hospital público da minha região; moro em Campo Grande (MS). O obstetra decidiu realizar um parto cesárea, mas ele não participou porque estava acompanhando outro nascimento. Minha cunhada assistiu a tudo, eu também estava acordada e garantimos que ele não estava lá. Quem fez o parto foram três médicos residentes do hospital. 

O processo demorou, e minha cunhada viu que, depois que meu filho nasceu, os médicos fecharam e abriram a sutura da cesariana três vezes, porque não conseguiam fazer direito. Fui para o pós-operatório e achei que estava tudo bem, mas aí veio a dor no pé da barriga. Pensei que era normal. Mais ou menos três horas depois da cirurgia, começou a sair muito sangue pela vagina, ele vinha em blocos. 

Eu não podia levantar ainda e estava usando fralda. Então, chamei uma enfermeira para ver o que estava acontecendo. Ela olhou e disse 'está saindo muito sangue, se o médico vir isso ele não te dará alta', desse jeitinho mesmo. Ela resolveu me limpar, trocar a fralda e não contar ao médico o que houve ao invés de investigar o que estava acontecendo. 

Depois, a dor piorou e o sangramento, também. Os médicos não falavam nada, diziam que era normal. Meu bebê teve alta e eu continuava com aquela dor insuportável. Quando me levantei da cama para ir embora, desmaiei. Chamaram os médicos, disseram que eu estava fraca por conta da perda de sangue, me deixaram mais um dia no hospital. Nisso, veio a dor nas costas e dor para respirar. Minha temperatura começou a aumentar, mas insistiam em dizer que era por causa do parto e me deram alta. 

Em casa, passei uma semana mal, com febre e chegou em um ponto no qual eu não conseguia mais andar. Fui à minha ginecologista do SUS, de cadeira de rodas, para tirar os pontos, sete dias após o parto, e ela disse que eu precisava ser internada imediatamente. 

'Perdi o apêndice e o útero; processei o hospital'

Descobriram que meu útero estava necrosando e que, por conta da hemorragia interna, eu já estava com derrame pleural [acúmulo de líquido nos pulmões], por isso não conseguia respirar e tinha muitas dores nas costas também. As enfermeiras diziam que eu iria morrer, que era uma infecção hospitalar. Mas ouvi a médica orientando: 'Coloca no relatório que foi apendicite'. 

Perdi o apêndice, mas ninguém me contou antes que eu perderia meu útero também. Só quando acabou a cirurgia que eles me falaram 'olha, seu caso se complicou e tivemos que tirar seu útero, a senhora não poderá mais ter filhos'. Os ovários e o colo do útero ficaram.

Até hoje, Ana Carolina precisa andar de cadeira de rodas pois não aguenta passar muito tempo em pé - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Ana Carolina e sua filha mais velha: até hoje usa cadeira de rodas pois não aguenta passar muito tempo em pé
Imagem: Arquivo Pessoal

Três dias após a cirurgia, os remédios não estavam funcionando. Descobri que eles tinham me dado um polivitamínico ao invés de antibiótico, pois os nomes dos remédios eram muito parecidos. Meus pontos começaram a sangrar. Fui ao centro cirúrgico de novo, abriram meus pontos, sem anestesia, e começaram a drenar tudo. Fiquei internada um mês e meio até ter alta.

Depois disso tudo, entrei com um advogado para abrir um processo contra o Estado. Eu tinha todas as provas, a perícia que eu tinha realizado estava do meu lado e provava meu ponto. Mas foi pedida uma perícia do Estado, e todo o laudo deles foi contrário ao meu: afirmaram que o obstetra tinha acompanhado meu parto, o que não aconteceu; disseram que 'minha família leu errado' o nome do remédio que eles trocaram na primeira cirurgia. 

Nova cirurgia e resultado do processo

Ainda em 2014, tive que voltar ao hospital, pois estava com infecção nos rins. Tratei, saí de lá. Em 2017, voltei porque, como não menstruo mais, meus ovários desenvolveram cistos. Fiz outra cirurgia e tirei o ovário esquerdo. Três meses atrás, retirei o direito. Terei que tomar hormônio por 30 anos.

No processo, perdi a causa e minha advogada não quis mais recorrer porque provavelmente o juíz ainda daria ganho de causa ao hospital. Já consultei outros advogados e tem jeitos de recorrer e ganhar, mas já gastei muito neste processo e eu estou desempregada agora. 

Ana Carolina ainda faz compressa com gelo sempre que há inchaço - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Ana Carolina ainda faz compressa fria sempre que há inchaço
Imagem: Arquivo Pessoal

É nítido que foi erro médico. Mesmo se eu estivesse com apendicite, como é que me deixaram sair do hospital morrendo de dor depois de parir? Foi negligência. Todos os outros médicos para quem contei meu caso e mostrei os papéis dizem que foi consequência de uma bactéria que peguei no hospital.

Hoje, ainda morro de dor, tomo remédio direto, faço reposição hormonal e já engordei 40 kg. Acabou com a minha vida completamente. E o pior de perder o útero é que agora eu não tenho mais vida. Vou ao hospital direto, vou tomar remédio para sempre e entrei na menopausa com 19 anos".

O outro lado

Procurado pela Universa, o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul afirmou, via assessoria de imprensa, que "o fato se deu em uma gestão administrativa anterior, impossibilitando, assim, que esta gestão responda".

A reportagem também procurou a Secretaria de Saúde do Estado de Mato Grosso do Sul, que enviou uma nota também via assessoria: "A ação da referida paciente já está transitado em julgado pela justiça de Mato Grosso do Sul desde setembro de 2018. A Justiça de Mato Grosso do Sul determinou que não houve erro médico. No processo, a justiça determinou a realização de pericia médica e o laudo descartou relação entre a cesariana e a perda do útero do paciente e do seu quadro infecioso. O laudo médico judicial constatou que a paciente não foi vítima de infecção hospitalar".