Casal tem filho saudável a partir de fertilização com embriões anormais
O casal queria um filho, mas os embriões masculinos que haviam escolhido –os únicos disponíveis depois de um processo caro de fertilização in vitro– receberam um resultado preocupante após um teste.
Algumas células dos embriões com cinco dias de idade pareciam anormais, sem a presença do cromossomo 21, uma ausência que pode levar a problemas de desenvolvimento.
Muitos casais que estivessem realizando uma fertilização in vitro teriam repensado suas escolhas iniciais. Mas o casal de mulheres, uma de 48 e outra de 45 anos, preferiu arriscar com os embriões mesmo assim. E apesar dos testes iniciais, um bebê saudável nasceu em 2014.
“A gravidez toda foi uma montanha-russa emocional”, afirmou uma das mães. Elas preferiram manter o anonimato porque ninguém sabe que o menino não tem parentesco biológico com nenhuma das mães e elas preferem explicar isso para ele no futuro.
“Mesmo após o nascimento, precisei de uns dez minutos para tomar coragem e ver o rostinho dele. Mas acabei dando uma olhada, e ele parecia normal”, contou.
O teste utilizado nos embriões é conhecido como exame genético pré-implantação, ou PGS na sigla em inglês, uma biópsia realizada por meio da remoção de algumas células do embrião em desenvolvimento. Até poucos anos atrás, o PGS só era capaz de identificar se o embrião era normal ou anormal.
Agora, o sequenciamento genético de alta resolução de última geração permitiu uma visão mais clara do DNA, e os pesquisadores estão descobrindo algo surpreendente: cerca de 20% dos embriões contam com células normais e anormais e o percentual aumenta com a idade da mãe.
Há muito tempo se sabe da existência dos embriões-mosaico, mas foi apenas no ano passado que eles passaram a ser detectáveis durante um ciclo ativo de inseminação artificial.
Ao menos alguns desses embriões parecem se transformar em crianças saudáveis. O filho do casal de mulheres é um dos dez bebês saudáveis nascidos recentemente a partir de embriões-mosaico, conforme relatado por grupos de pesquisa em Nova York e na Itália, com um índice de sucesso de cerca de 40%.
Os nascimentos causaram controvérsia entre os especialistas em fertilidade sobre o que fazer caso os embriões-mosaico sejam os únicos viáveis depois de uma inseminação artificial. Os pais deveriam descartá-los em decorrência da presença de anormalidades? Ou implantá-los com a esperança de uma gestação normal?
“Todos os programas de pesquisa temem jogar fora um embrião saudável, mas, por outro lado, o mosaico de células normais e anormais nem sempre representa algo positivo. Agora estamos prestando atenção a esses mosaicos, mas não sabemos exatamente o que fazer com eles”, afirmou Richard Scott, fundador e diretor de laboratório da Reproductive Medicine Associates, em Nova Jersey.
À medida que um embrião se divide rapidamente após a fertilização, erros durante a divisão celular produzem linhagens anormais entre as células. Se essas células morrerem e o embrião for capaz de se corrigir, ou caso as células anormais acabem segregadas na placenta, o embrião pode se transformar em um bebê normal.
Mas caso as células anormais se proliferem no embrião, ele provavelmente não conseguirá se desenvolver no útero, causando um aborto espontâneo ou, mais raramente, o nascimento de uma criança com problemas graves.
Norbert Gleicher, diretor do Centro de Reprodução Humana de Nova York, decidiu implantar embriões aparentemente anormais em um experimento depois de ficar cada vez mais desconfiado. Ele questionou se uma biópsia que examina de cinco a dez células aleatórias da camada exterior de um embrião de 200 células representaria de forma confiável a realidade celular no interior do embrião, onde o feto realmente se desenvolve.
“Não acredito na hipótese biológica de que com uma única biópsia seria possível determinar se o embrião é normal ou anormal no que tange a seus cromossomos”, afirmou.
Durante o encontro anual da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva no ano passado, Gleicher falou sobre o nascimento de três bebês saudáveis a partir de embriões compostos por células normais e anormais. Desde então, registrou outro nascimento normal e está acompanhando outra gravidez normal.
Contudo, muitos médicos especializados em inseminações artificiais estão relutantes e confiam na precisão do PGS. Um estudo realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York, que ainda não foi publicado, revelou que a margem de erro na detecção de embriões normais é de apenas 1%.
E ao menos três estudos controlados e randomizados concluíram que o PGS é uma forma eficaz de melhorar os índices de gestações bem-sucedidas, reduzindo a frequência de abortos espontâneos.
“Posso dizer com segurança que nunca vi um exame médico com um impacto maior nos resultados clínicos na medicina reprodutiva”, afirmou Mark Hughes, cientista clínico e um dos pioneiros na pesquisa do desenvolvimento genético embrionário.
O que os especialistas ainda não sabem é em que lugar as células anormais dos embriões podem acabar parando; é impossível acompanhá-las à medida que elas se multiplicam. Até que mais dados surjam, muitos médicos continuam se negando a implantar embriões-mosaico.
“Não estamos certos de que esse conjunto limitado de bebês normais –que não são ainda crianças nem adultos– seja suficiente para permitir uma mudança nas políticas e padrões de prática clínica”, afirmou Mark Sauer, chefe de endocrinologia reprodutiva e infertilidade no Centro Médico da Universidade de Columbia.
Outros, como James Grifo, diretor do Centro de Fertilidade Langone, da Universidade de Nova York e autor de um dos novos estudos sobre a precisão do PGS, estão dispostos a transferir embriões-mosaico caso a paciente não conte com embriões normais e seja submetida a um aconselhamento genético.
“Os embriões-mosaico têm potencial reprodutivo, mas podem gerar tanto bebês saudáveis, quanto bebês com problemas de saúde e é impossível prever a gravidade desses problemas.”
Santiago Munné, diretor da Reprogenetics, um laboratório de PGS, elogiou a tecnologia avançada por ser capaz de identificar o mosaicismo apesar dos diferentes pontos de vista clínicos a respeito.
“Acho importante que identifiquemos uma terceira categoria, para não descartarmos nenhum embrião que tenha chance de se desenvolver”, afirmou.
Para o casal que resolve arriscar, aquele menino saudável é um lembrete –ainda que preocupante– das complexidades dos primeiros momentos do desenvolvimento embrionário humano.
Agora, com quase um ano e meio de vida, ele é “feliz, saudável, curioso e ri o tempo todo. Se não tivéssemos usado o embrião, ele teria sido descartado ou doado para a ciência. Nosso menino não existiria”, afirmou uma das mães.
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