Empresa cria jogo eletrônico para ajudar no tratamento de crianças com TDAH
Comande um personagem que surfa por um rio congelante ao virar o tablet de um lado para o outro. Toque na tela para agarrar os pássaros azuis --mas não encoste nos vermelhos--, sempre que eles aparecerem. Aproxime-se dos pontos de recarga de energia, mas tome cuidado para não tocar nas margens do rio.
Esses são os desafios do Project: EVO, um programa de computador criado para melhorar a atenção e reduzir os impulsos de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, o TDAH. Seus criadores planejam realizar um ensaio clínico de grandes proporções no início do ano que vem para testar o produto. Depois disso, tentarão conseguir a aprovação do FDA (órgão do governo dos Estados Unidos que tem como função controlar alimentos e medicamentos) para que os médicos prescrevam o jogo para o tratamento do TDAH como se fosse um remédio.
“Queremos que essa seja uma opção comum e à disposição de qualquer paciente que procure um médico, assim como a Ritalina (medicamento comum no tratamento do problema)”, afirmou Eddie Martucci, executivo-chefe e um dos fundadores da Akili Interactive Labs, que produziu o Project: EVO.
Muitos pais temem que os jogos acelerados na verdade sirvam para agravar o TDAH das crianças e algumas pesquisas de fato sugerem que os problemas de atenção podem aumentar com o número de horas gastas em frente às telas do computador e da TV. Todavia, os defensores dos programas de treinamento cerebral que afirmam combater o TDAH, incluindo a Cogmed, a Activate e diversas outras empresas do setor, argumentam que as pesquisas científicas demonstram cada vez mais que com os tipos certos de exercícios e recompensas, os jogos podem ajudar.
Um estudo inicial envolvendo o Project: EVO, cujos resultados foram publicados no final de outubro na 62ª Conferência Anual da Academia Americana de Psiquiatria para Crianças e Adolescentes, revelou que as crianças com TDAH que brincaram com o jogo por cerca de meia hora ao dia, cinco dias por semana, durante quatro semanas, apresentaram resultados significativamente melhores em uma série de testes de atenção. O estudo envolveu 80 crianças, das quais metade havia sido diagnosticada com TDAH. Os pesquisadores não encontraram melhora significativa nos resultados das crianças sem o transtorno.
O jogo recebeu o nome de Project: EVO porque seu objetivo é ajudar os usuários a “evoluírem” o cérebro, chegando a um nível mais alto. Ele foi criado por uma equipe que inclui Adam Gazzaley, neurocientista da Universidade da Califórnia, em São Francisco, e foi baseado no NeuroRacer, um jogo que ele e os colegas haviam criado anteriormente para ajudar a melhorar as habilidades cognitivas de pessoas idosas. Um estudo publicado na revista "Nature" demonstrou que o jogo ajudava os idosos a melhorarem o foco e a capacidade de fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo.
Apesar do otimismo dos fabricantes do jogo, os especialistas pedem cautela. “Em vista do que sabemos até o momento, é bom ter um pouco de ceticismo”, afirmou Russell Barkley, professor de psiquiatria clínica na Universidade Médica da Carolina do Sul e autor de diversos livros sobre o TDAH.
Barkley contou que as pesquisas indicam que embora os jogos possam ajudar as crianças a melhorarem o desempenho dentro do ambiente virtual, é menos provável que esses benefícios sejam transferidos para a realização de trabalhos escolares ou para o comportamento dentro de casa.
Uma análise feita em 2013, a respeito de 25 estudos envolvendo programas de treinamento cerebral para o combate do TDAH, revelou que os eles não apresentavam efeito significativos” sobre o desempenho acadêmico.
Mais recentemente, a Comissão Federal de Comércio tem analisado com rigor as promessas feitas pela indústria do treinamento cerebral, que fatura cerca de 1,3 bilhão de dólares ao ano. “As empresas precisam comprovar as promessas que fazem com estudos científicos confiáveis”, afirmou Jessica Rich, diretora do Escritório de Defesa do Consumidor no início deste ano.
Os fundadores da Akili e da C8 Sciences, que produz o Activate, afirmam que estão fazendo exatamente isso, com uma nova geração de produtos mais sofisticados e eficazes.
“Treinamos uma série de funções simultaneamente, incluindo a inibição reativa, flexibilidade cognitiva e resistência a distrações, e o nosso segredo é a forma como o programa se adapta a cada criança, tornando-se mais desafiador à medida que ela progride”, afirmou Bruce E. Wexler, professor emérito de psiquiatria na Faculdade de Medicina de Yale e cofundador da C8 Sciences.
Assim como a Akili, a C8 Sciences deseja que seu produto seja aprovado pelo FDA. A empresa já vende a assinatura do produto para os pais interessados. O pacote trimestral custa 195 dólares e promete “melhorias na capacidade de a criança de se concentrar, concluir tarefas e seguir instruções”.
Além disso, cerca de 200 escolas dos Estados Unidos compraram o programa Activate, que inclui uma série de exercícios desafiadores do ponto de vista cognitivo, incluindo tai chi e dança. As instituições estão usando o programa para educar crianças com ou sem TDAH, de acordo com Wexler. Ele afirma que a empreitada é “um programa de merenda escolar para o cérebro”.
Em uma série de pesquisas financiadas pelo Instituto Nacional de Saúde, que ainda não foram publicadas, Wexler afirmou que observou 66 crianças com TDAH ou com alto risco de desenvolver o transtorno durante a participação de sessões de 30 minutos de exercícios virtuais no Activate e mais 40 minutos de exercícios físicos três ou quatro vezes por semana durante 16 semanas. Segundo o pesquisador, os pais das crianças participantes relataram uma redução de ao menos 30% nos sintomas apresentados pelos filhos, se comparados aos pais de crianças que não usaram os jogos. Esse resultado seria similar ao registrado com o uso de medicamentos para o combate do TDAH, de acordo com Wexler.
A teoria por trás da indústria do treinamento cerebral é a de que as pessoas podem melhorar suas capacidades cognitivas por meio de exercícios repetitivos e com dificuldade progressiva, em um processo similar à melhora do tônus muscular na academia de ginástica. Essa promessa é especialmente atraente para muitos pais que se preocupam com os possíveis efeitos colaterais de medicamentos estimulantes como anfetaminas e metilfenidatos, as substâncias mais comuns usadas para combater o TDAH.
A indústria farmacêutica está prestando atenção. A Shire, fabricante do Adderall, foi uma das investidoras iniciais da Akili e ajudou a criar o estudo piloto recente.
*Katherine Ellison é coautora do livro "ADHD: What Everyone Needs to Know” ("TDAH: O que Todo Mundo Precisa Saber"), lançado pela Oxford University Press, em novembro de 2015.
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