Como Elsa, personagem de "Frozen", ajudou menina com albinismo
A personagem Elsa, do desenho animado "Frozen", é reconhecida em todo o mundo, mas para uma família ela é mais do que apenas um personagem da Disney. A jornalista e folclorista canadense Emily Urquhart conta como a rainha de Arendelle se tornou um exemplo positivo para sua filha, que tem albinismo:
"É o primeiro dia de escola da minha filha e eu deixo Sadie na fila com seus colegas do jardim de infância. Apesar das muitas camadas de roupa que ela está usando por causa do frio, mechas de cabelos brancos aparecem embaixo de sua touca e em seu pescoço, perto do cachecol. O menininho atrás dela na fila se aproxima para ver melhor e berra: 'Ei, seu cabelo é igual ao da Elsa!'.
Para os não iniciados, Elsa é a popular protagonista do hit de animação 'Frozen'. Como princesa, ela consegue fazer castelos de gelo com os dedos e, quando seus poderes saem de controle, ela se isola para proteger sua corte. Para minha filha, a comparação é positiva.
A cultura das princesas me deixa receosa por seus valores misóginos antiquados, mas eu acho "ok" a Elsa, que apareceu pela primeira vez em 2013, quando Sadie tinha três anos. Não por ela ser uma personagem principal mulher forte sem uma narrativa guiada por um príncipe, mas por ela ter cabelos brancos como os da minha filha.
A diferença é que Elsa tem cabelo branco como manifestação de seus poderes e Sadie tem albinismo --o que significa que ela tem pouco ou nenhum pigmento em seu cabelo, pele e olhos e usa óculos para corrigir o que é possível de sua visão baixa.
O menininho que reparou no cabelo da minha filha foi só mais um. Isso começou no sala de parto, quando metade do hospital veio ver 'o bebê de cabelo branco' --só o zelador sugeriu que ela poderia ter um problema genético.
Em média, ouvimos cinco comentários por dia, de 'uau, o cabelo dela é superbranco' a 'você pintou o cabelo dela?', passando por 'você é sueca?'.
Agora eu estou tão acostumada a ouvir comentários que mal os registro, mas na época, como uma nova mãe, eles reforçavam minhas preocupações com o futuro dela.
Alguns anos depois, desconhecidos começaram a relacionar Sadie a Elsa e foi como se essa personagem onipresente da Disney, de alguma forma, tivesse 'normalizado' as diferenças da minha filha.
Por enquanto, minha filha é uma fã de Frozen, então isso funciona e dá às pessoas algo positivo para comentar, embora eu me preocupe com o momento em que Elsa for descartada por outros novos personagens.
Tradicionalmente, porém, Hollywood não foi tão gentil. Personagens que parecem com pessoas albinas geralmente são 'vilões' --uma espécie de pessoa má estranha e assustadora. Filmes como 'Matrix Reloaded', com Keanu Reeves, e séries de TV como 'Doctor Who' usaram clichês como esses de 'albinos maus'.
O que é albinismo
Conjunto de condições geneticamente herdadas que resultam em falta de pigmento na pele, cabelo e olhos.
Pode resultar em pele muito branca, que queima fácil exposta ao sol, cabelo praticamente branco, miopia grave e sensibilidade à luz
Fonte: Albinism Fellowship
Sadie nasceu quando eu estava fazendo doutorado em folclore na Memorial University, em Newfoundland, e acabei focando minha tese para pesquisar em albinismo e outros casos de diferença humana no folclore.
Descobri que entre os indígenas kunas, no Panamá, as pessoas albinas eram reverenciadas, que tinham a tarefa de defender a lua de um dragão faminto e dando a eles o apelido poético de 'criança da lua', mas outros relatos, entretanto, sugeriam que, longe de reverenciados, eles eram condenados ao ostracismo e não podiam se casar com outras pessoas.
Durante os anos de 1950, na Inglaterra, um artigo no 'British Medical Journal' espalhou o boato de que Noé, da Bíblia, teria sido o primeiro caso registrado de albinismo.
Uma versão do nascimento de Noé foi descoberto em pergaminhos em uma caverna a leste de Jerusalém e levou o oftalmologista inglês Arnold Sorsby a traçar paralelos entre Noé e um bebê com albinismo.
O documento descrevia a criança como tendo a carne branca como neve, cabelo tão branco quanto lã e olhos que iluminavam o cômodo. O artigo de Sorsby foi feito como piada, mas seu impacto foi duradouro. O grupo americano de albinismo que eu faço parte se chama 'National Organization of Albinism and Hypopigmentation' (organização nacional de albinismo e hipopigmanetação, em tradução livre do inglês), conhecido pela sigla NOAH, Noé em inglês.
Na América do Norte há lendas contemporâneas sobre colônias de pessoas com albinismo que vivem às margens da sociedade. Eram exageros ou simplesmente falsos, embora em um caso eu tenha conseguido ligar a origem de uma lenda à história dos Pittsleys, uma família de Massachusetts com uma alta taxa de albinismo que viveu na virada do século passado.
Reportagens de jornais daquela época sugerem que eles faziam parte de um clã de 200 pessoas e viviam nas 'partes solitárias da floresta ou no fim da cidade'.
Hoje, cem anos mais tarde, os moradores se referem ao local onde os Pittsleys viviam como 'Vilarejo dos Olhos Rosados'. Imagino que seja uma referência ao boato de que pessoas com albinismo têm olhos vermelhos, o que não é exatamente verdade. A maioria tem olhos azuis claros, castanhos ou violetas, mas, certamente, com o flash da câmera, eles podem parecem vermelhos.
Esses mitos podem ser cruéis psicologicamente, mas há crenças que afetam albinos na Tanzânia e no norte do Leste da África de forma mais concreta. Em algumas áreas, partes do corpo deles são usadas por curandeiros em poções que trariam boa sorte na saúde, amor e negócios.
O ajudante do curandeiro persegue os mais vulneráveis --normalmente mulheres e crianças-- como parte de uma prática baseada em crenças culturais locais de que pessoas com albinismo não são humanas.
As poções criadas são caríssimas e só estão disponíveis para membros ricos e poderosos da sociedade, como empresários e políticos, o que torna a vida dos albinos particularmente difícil durante as eleições.
Eu viajei para a Tanzânia para aprender mais sobre esses crimes hediondos. A pesquisa partiu meu coração, mas as pessoas que eu conheci eram sobreviventes, não vítimas. Eram ativistas, jornalistas e atletas e todos estavam enfrentando essa prática e trabalhando incansavelmente pela mudança.
Mas você pode se perguntar por que uma mãe procuraria esse tipo de história. Sou uma folclorista e estudo as histórias que as pessoas contam para explicar seus mundos. Histórias centradas em diferenças humanas tendem a nascer do medo e dissecar essas histórias ajuda a retirar seu poder.
A princípio, as histórias mais benignas me confortaram. Mas Peter Ash, fundador e diretor do grupo canadense-tanzaniano Under the Sun, que tem albinismo, me explicou isso dessa forma:
'A mesma cultura que pode me elevar a Deus pode me transformar num demônio'.
A crença de que pessoas com albinismo são mágicas, tanto de forma positiva quanto negativa, sugere que eles são diferentes do resto da população.
Posso garantir que eles não são diferentes. Minha filha é uma menina de cinco anos --prefere rosa, não come couve de bruxelas e sabe o que fazer quando acha que o irmãozinho bebê dela está ganhando muita atenção.
Ela sabe que tem albinismo e sabe como se virar quando não consegue ver um livro de ilustrações ou o quadro negro da escola. Ela não sabe das crenças culturais que cercam sua condição genética. Mas quando ela se deparar com essas histórias eu estarei preparada para dissipá-las e explicá-las.
Por ora, porém, vamos ficar com 'Frozen'."
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