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Tatiana Vasconcellos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Apagar mulheres que revolucionaram a história do Brasil também é violência

Maria Quitéria foi a primeira mulher a fazer parte do Exército - Domenico Failutti/Museu Paulista
Maria Quitéria foi a primeira mulher a fazer parte do Exército Imagem: Domenico Failutti/Museu Paulista

Tatiana Vasconcellos

Colunista do UOL

09/09/2022 04h00

Bolsonaro nunca se preocupou em esconder sua misoginia, o ódio contra as mulheres. Desde a fraquejada que, disse, a filha mulher representa até o festival de machistadas proferidas no ato de campanha em que transformou uma data cívica, 7 de setembro, descumprindo a lei eleitoral. Comparar mulheres é um clássico machista. "Mulher pra casar" x "mulher pra trepar" virou "bolsonaristas princesas" x "feministas feias" na campanha do presidente da república.

Nada mais antiquado, ultrapassado e sexista. Para além disso, atacar, diminuir e classificar mulheres, "dividir para conquistar", parece uma estratégia bem pouco inteligente para quem é rejeitado por 54% do eleitorado de que depende para ganhar uma eleição. Para além do comportamento sempre inadequado para um chefe de Estado, reafirmar constantemente a masculinidade, fragilíssima, é um comportamento típico do misógino inseguro.

Não obstante os avanços em direção à igualdade e gênero ao longo do tempo, o machismo está impregnado na nossa trajetória histórica, sempre contada e protagonizada por homens, sobre feitos heroicos masculinos. Onde estão as mulheres na nossa história? Desde a chegada dos portugueses até hoje em dia, mulheres são alijadas e invisibilizadas no fazer político, na esfera pública.

No livro "Independência do Brasil - As Mulheres que Estavam Lá" (ed. Bazar do Tempo), organizado pela historiadora Heloisa Starling e pela escritora Antonia Pellegrino, pesquisadoras revelam a participação de mulheres no processo de emancipação do país, há 200 anos. Bati na porta da Antonia para saber quem são Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, Bárbara de Alencar, Urânia Vanério, Maria Felipa de Oliveira, Ana Lins, Maria Quitéria e Maria Leopoldina da Áustria, por que sabemos tão pouco sobre elas e qual a relação entre esse apagamento e a violência política de gênero.

"Esse apagamento acontece quando não se narra o feito das mulheres, não se guarda registros para o futuro ou mesmo no enquadramento que se dá a determinadas performances femininas. Mas, ao mesmo tempo, a gente tem por exemplo a história de Maria Filipa de Oliveira, uma mulher negra que foi uma liderança nos movimentos de revolta na Bahia e que foi preservada pela história oral. Os documentos históricos não a preservaram, mas a memória do povo baiano sim, através da história oral", diz a escritora.

As organizadoras partiram desse recorte de gênero para investigar a participação de mulheres no processo de Independência do Brasil. "Algumas eram mais conhecidas, como Maria Leopoldina. Das outras a gente foi atrás, como é o caso da Urânia Vanério. Sabia-se que existia um panfleto escrito por uma menina, mas a busca por ela foi feita pela historiadora Patrícia Valim."

Milhares de homens e mulheres livres, escravizados, pardos e pobres brigavam por cidadania e direitos, numa época em que educação formal era privilégio reservado a poucos. Panfletos, manifestos e periódicos eram uma forma mais barata de comunicação, de mais fácil circulação e com grande potencial de mobilização popular. A autoria deles era quase sempre masculina. Mas ao menos quatro mulheres foram identificadas como autoras: uma portuguesa e três brasileiras (uma gaúcha, uma fluminense e uma baiana).

"Lamentos de Uma Baiana", de Urânia Vanério - Reprodução - Reprodução
"Lamentos de Uma Baiana", de Urânia Valério
Imagem: Reprodução

Urânia Vanério tinha 10 anos quando escreveu, entre 19 e 21 de fevereiro de 1822, o panfleto "Lamentos de uma Baiana".

Histórias como a de Urânia não são ensinadas nas escolas. A narrativa dominante do projeto proposto por d.Pedro, Maria Leopoldina e José Bonifácio, a história contada pelos vencedores, se sobrepôs a todas as outras lutas, revoltas e tentativas de emancipação. É assim que se invisibiliza figuras de importância histórica.

O apagamento de mulheres pode ser entendido como uma forma de violência?

"Até hoje a política é um espaço hostil para a mulher. Então, quando a gente olha pra história das nossas heroínas, das mulheres que estavam lá na nossa independência, a gente vê a violência, mas também vê a força dessas mulheres que romperam com as regras do seu tempo e colocaram suas vozes na cena pública para disputar um projeto político."

De tentativas de calar discursos a assédio sexual em plenário, passando por ameaças de morte e pela execução de parlamentares, em tempos atuais esse silenciamento se dá de maneira bem mais direta, despudorada, violenta e até mortal, como noticio com bem mais frequência do que gostaria.

Por isso a campanha de Universa contra a violência política de gênero é tão importante. Também por isso é urgente eleger mulheres comprometidas com a ampliação de direitos e com políticas públicas que garantam autonomia, liberdade e segurança para todas as mulheres. Isso passa essencialmente por enfrentar preconceitos de gênero, raça, orientação sexual, econômicos e políticos, o que nem toda mulher que assume um cargo no sistema político está disposta a fazer (a colunista Andrea Dip escreveu brilhantemente sobre o assunto aqui).

Já sabe em que mulheres vai votar para os legislativos?

Para ler:
"Independência do Brasil - As mulheres que estavam lá", org. Heloisa Starling e Antonia Pelegrino, editora Bazar do Temp
o.