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Tatiana Vasconcellos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Vera Magalhães: 'É muito burro me manter como alvo permanente'

A jornalista Vera Magalhães é alvo constante de ataques de bolsonaristas - Reprodução/ instagram @veramagalhaesjornalista
A jornalista Vera Magalhães é alvo constante de ataques de bolsonaristas Imagem: Reprodução/ instagram @veramagalhaesjornalista

Tatiana Vasconcellos

Colunista do UOL

16/09/2022 04h00

Na semana passada, falávamos aqui sobre o apagamento da atuação feminina na história do Brasil, desde a chegada dos portugueses até hoje em dia. Não achei que os fatos me obrigassem a voltar ao assunto tão cedo. Essa semana tivemos de noticiar mais um ataque cometido por um político a uma jornalista. O deputado estadual por SP Douglas Garcia (Republicanos) acossou a jornalista Vera Magalhães durante um debate entre candidatos ao governo do Estado, em que ela estava trabalhando. O parlamentar, eleito em 2018 com pouco mais de 74 mil votos, seguiu o script do presidente Jair Bolsonaro (PL), que recentemente fez a mesma ofensa à jornalista, também durante um debate, depois de uma pergunta feita por ela.

Procurei Vera para ouvi-la sobre os ataques que vem recebendo de políticos bolsonaristas. Ela contou que, segundo o último relatório sobre violência contra jornalistas da ONG Repórteres sem Fronteira, é a jornalista mais atacada do Brasil. "Disparado", diz.

"Isso é surreal, é violento, revoltante e, além de tudo, é muito burro", afirma Vera.

"Ao me manter como alvo permanente de ataques e mentiras, autorizados pelo presidente e desferidos por vários líderes bolsonaristas, como Damares Alves, Carla Zambeli e Douglas Garcia, eles mantêm em evidência a misoginia e o machismo históricos de Bolsonaro, razões importantes da enorme rejeição ao presidente no eleitorado feminino."

A jornalista Patrícia Campos Mello, autora do livro "A Máquina do Ódio" (ed. Companhia das Letras), também é vítima de agressões e ameaças sistemáticas oriundas quase sempre da família do presidente da República e de seus apoiadores (contra quem ela já ganhou ações na Justiça). Para ela, o alvo preferencial são as mulheres para "manter mais mobilizada a base mais radicalizada, sexista, que apoia e acha bacana esse tipo de ataque misógino".

"Mas o principal é deslegitimar a voz das mulheres no debate público. Quando a jornalista é sexualizada, quando falam da aparência dela, da família dela, se trata de uma tentativa de inviabilizar e deslegitimar mulheres que têm opinião, que investigam, que fazem perguntas", diz Patrícia.

Esse roteiro é tão recorrente que a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) passou a contabilizar e analisá-lo. Até o dia 9 de setembro, houve 66 ataques a mulheres jornalistas em 2022. Em 63,6%, foram reproduzidos discursos que estigmatizam a mulher, criticando sua aparência, objetificando e sexualizando a pessoa.

"Quando um jornalista homem é alvo de discurso estigmatizante, com frequência são ataques ligados ao fazer jornalístico e/ou ao campo político. Ele é chamado de parcial, de militante, de incapaz, relacionado a um partido ou a um lado espectro político. Já as mulheres, além da carga política, também tem a de gênero", diz Rafaela Sinderki, responsável pelos monitoramentos da Abraji.


Dos ataques ligados a gênero, em 53,4% dos casos a/o jornalista cobria ou comentava política. Nesses casos, a misoginia é ferramenta de ações antidemocráticas, uma vez que o exercício do livre jornalismo é um dos pilares fundamentais que sustentam uma nação democrática. Já são 172 casos de ataques contra jornalistas esse ano, 69 deles vitimaram mulheres (40% do total). Mulheres são as vítimas de todos os casos registrados como violência sexual em 2022 (foram 5 envolvendo ameaças de estupro, importunação sexual e/ou assédio sexual).

O desenho não é bonito. E se comparar o Brasil com outros países da América Latina, fica pior. Segundo relatório produzido pela rede Voces del Sur e lançado em 6 de setembro, o país é campeão de agressões com viés de gênero na região, com 50 ataques ao longo de 2021. Na sequência, vêm Equador (42), México (40), Uruguai (8), Colômbia (7), Venezuela (7), Guatemala (4), Nicarágua (3), Argentina (2), El Salvador (1) e Peru (1).


Enquanto mulher jornalista, estou cansada --ainda que, felizmente, não seja alvo desse horror orquestrado. Cansada do ódio e de ter de reafirmar e repetir as mesmas coisas, cansada dos totalitários que insistem em cupinizar a democracia, sem a qual não podemos viver nem trabalhar em paz. Mas desistir não é uma opção. Miriam Leitão, Vera Magalhães, Amanda Klein, Patrícia Campos Mello, Daniela Lima, Juliana dal Piva e todas as bravas mulheres jornalistas agredidas covardemente enquanto exercem seu ofício com a excelência de sempre: aproveito o Dia da Democracia, 15 de setembro, para oferecer a vocês minha solidariedade e minha força.