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Tatiana Vasconcellos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Se todo mundo produz conteúdo, quem tem tempo para consumir tudo?

A produção de conteúdo na internet é em alta velocidade e marcada pela efemeridade das publicações  - Getty Images/iStockphoto
A produção de conteúdo na internet é em alta velocidade e marcada pela efemeridade das publicações Imagem: Getty Images/iStockphoto

Tatiana Vasconcellos

Colunista do UOL

12/08/2022 04h00

O jovem não sabe nem que Caetano Veloso e Maria Bethânia são irmãos, e eu aqui querendo escrever sobre autoconhecimento. "Quem lê tanta notícia?". O jovem é que não. Está ocupado, produzindo conteúdos como esse: a exposição de sua ignorância acerca da história da música brasileira. Se todo mundo está produzindo conteúdo, quem tem tempo para consumir tudo o que é produzido? Caetano e Bethânia podiam pensar um conteúdo para as redes, uma dancinha ou uma dublagem, para informar o jovem que eles são irmãos. Grandes questões da humanidade no século 21.

Não dou conta da velocidade e, sobretudo, da fugacidade das coisas. Gosto de me demorar, meus processos são mais para lentos. A alta velocidade e a efemeridade me soam superficiais, sou mais pra interessada. As perguntas nos levam a cada lugar...

Parênteses nostálgico: minha mãe contava que esta pequena Tatianinha subia no portão da casa da avó e entrevistava desconhecidos passantes na rua: "Oi. Como é seu nome? Quantos anos você tem?" Fecha parênteses nostálgicos.

Perguntas nos impulsionam para mudança, para transformação. Tenho pensado num conceito que chamei de "dar F5 em si". De tempos em tempos precisamos nos fazer algumas perguntas para checar se ainda somos as mesmas. Na infância e na adolescência vamos formando ideia de quem somos, aprendemos a definir e a vocalizar a nossa personalidade e saímos para o mundo reafirmando conceitos e teorias ao nosso próprio respeito como se fôssemos imutáveis.

Sem reparar se essas definições continuam correspondendo ao que a gente sente e pensa ao longo da vida. Sem notar se a gente continua cabendo nas roupas que fizemos pra nós. Com o mundo girando literalmente cada vez mais rápido, a gente precisa parar, reparar e se fazer perguntas. Ainda gosto disso? O que eu penso sobre algo é o mesmo que antes? Como me sinto em relação a determinadas pessoas ou situações ou acontecimentos? Viver vai nos transformando sem que a gente necessariamente se dê conta disso. Dar F5 em si é tentar entender quem a gente é hoje, com tudo o que nos constitui e nos trouxe até aqui.

O processo é solitário. Exige coragem e tolerância para lidar com o que vem. E o que vem pode ser desconfortável. Perceber que aquela roupa com que nos acostumamos não nos serve mais pode ser profundamente angustiante. Se desapegar de quem a gente era pode ser dolorido, sobretudo se a gente gostava de quem era.

Mas afinal se não sou mais aquela, quem eu sou?

Talvez aprender a lidar com o incômodo do não-saber seja parte do que significa amadurecer. Aprender a seguir dançando, ainda que numa pista escorregadia de angústia, até encontrar uma nova brusinha que nos vista melhor naquele momento. Aprender que a gente não é estática, é um monte de momentos sucessivos e para cada momento haverá uma roupa diferente. Ou um biquíni. Ou nenhuma roupa. Aprender a se despedir com amorosidade de quem a gente foi e não é mais. Por enquanto. "Você é seu próprio lar". Cada f5 é uma possibilidade de inaugurar novas maneiras de se relacionar com as pessoas e com o mundo. Que riqueza é poder se experimentar em vários palcos, de diversos jeitos, enxergar novos caminhos. Viva!

Dia dos Pais

Não queria terminar esse texto sem uma referência ao Dia dos Pais no próximo domingo com o seguinte dado: 320 mil crianças foram registradas sem o nome do pai nos 2 últimos anos, o que representa um aumento de 30% em relação a 2019. Os números são da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais. Essas crianças se somam a pelo menos outras 5,5 milhões que não têm o nome do pai no documento, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, baseados no Censo Escolar 2011.

Pais, cuidem dos seus filhos como uma mãe (procurem saber o que isso significa). E contem logo para eles que Caetano e Bethânia são irmãos e parte fundamental da história da música brasileira. Viva, Dona Canô!

Para ouvir:
"Maria Bethania", Caetano Veloso.
"Reconvexo", Maria Bethânia.
"Triste, Louca ou Má", Francisco El Hombre.

Para ler:
"Verdade Tropical", Caetano Veloso, Ed. Cia das Letras.
"O Mundo que Habita em Nós", Liliane Prata, Ed. Instante.

Para ver:
"Narciso em Férias", de Renato Terra e Ricardo Calil, Globoplay.