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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

BBB: diferença de tratamento entre casais gay e hétero é aula de homofobia

Carla Diaz e Arthur trocam beijos no BBB 21 (Reprodução Globoplay) - Reprodução / Internet
Carla Diaz e Arthur trocam beijos no BBB 21 (Reprodução Globoplay) Imagem: Reprodução / Internet

Colunista de Universa

12/02/2021 04h00

NA festa de quarta-feira, mais um casal se beijou pela primeira vez no Big Brother Brasil. Esse é um fato corriqueiro, já que "formar casais" é algo normal dentro do reality. O novo casal é formado por Arthur e Carla Dias. Os dois são jovens, brancos e bonitos. A reação dos colegas de confinamento após eles se beijaram foi de festa: aplausos, gritos e dancinhas em torno dos dois.

Domingo passado, aconteceu algo parecido. Dois participantes se beijaram em uma festa. Só que eram dois homens, Lucas e Gilberto. A reação dos participantes do programa foi bem diferente. Gilberto é gay assumido. Lucas, negro e bissexual. Resultado: logo depois do beijo, os participantes inventaram uma teoria louca de que o beijo teria sido dado por interesse. Sim, Lucas teria se exposto em rede nacional em um dos países mais homofóbicos e racistas do mundo para "se dar bem". Não faz sentido. Mas quase todos os participantes da casa caíram na teoria. Lucas foi tão esculachado por causa do beijo que esse foi o estopim para que ele saísse da casa.

Por mais que seja triste que o primeiro beijo entre dois homens em um reality show do Brasil tenha sido recebido desse jeito, a diferença de "aceitação" entre os casais héteros do programa e os dois homens é uma aula prática de como a homofobia funciona. Homofóbico não é só quem xinga alguém de "viado". Somos homofóbicos quando não olhamos para manifestações de afeto ou entre duas pessoas do mesmo sexo como coisas naturais, quando ao ver um casal que foge dos padrões pensamos "aí tem", exatamente como os participantes do reality fizeram.

Em geral, quem forma casal em um reality show se fortalece, já que a audiência gosta de ver um romance. A direção do programa sabe disso, por isso deita e rola e transforma os dois em protagonistas de uma novelinha romântica na hora da edição.

Teria acontecido o mesmo se o casal formado por Gilberto e Lucas não tivesse sido separado pela homofobia logo após a primeira ficada?

Difícil. Nas redes sociais, telespectadores lamentam que a reação ao beijo entre os dois homens tenha sido tão ruim que tenha feito um deles sair da casa. "Esse era o casal que eu queria ver", dizem muitos. Eu também queria.

Mas se nem os participantes do programa, muitos progressistas e LGBTs (quem inventou a história foi Lumena, que tem uma namorada fora da casa) conseguiram lidar com o casal formado pelos dois, o que dirá dos telespectadores brasileiros?

A Globo mostraria cenas dos dois com músicas românticas? Isso seria exibido em horário nobre para a família brasileira? Difícil.

Em 2019, o livro de histórias em quadrinho da Marvel "Vingadores: a cruzada das crianças" foi tirado de circulação por trazer na casa dois personagens se beijando. Se até beijo de bonecos causa um escândalo desses, o que aconteceria com dois homens de carne e osso, negros?

Não sabemos, mas algo me diz que a TV Globo deve ter ficado aliviada com a saída de Lucas, já que seria muito difícil lidar com esse escândalo. Didático.

Errata: este conteúdo foi atualizado
A HQ "Vingadores: A Cruzada das Crianças" foi retirada de circulação na Bienal de 2019 e não na de 2020

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL