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Mayumi Sato

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

'Nem hipersexual nem assexuada': contos eróticos sob olhar da mulher negra

Monique dos Anjos escreve contos eróticos protagonizados por mulheres negras - Divulgação
Monique dos Anjos escreve contos eróticos protagonizados por mulheres negras Imagem: Divulgação

Colunista de Universa

20/07/2021 04h00

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Fato: fomos "educadas" pela pornografia mainstream, construída por homens, na maioria brancos, e com um repertório escasso em torno do que é prazeroso. Há uma falta de um erotismo construído a partir da vivência de pessoas negras, indígenas e asiáticas, por exemplo, é ainda maior. Por isso, me empolgo quando descubro novas pessoas - sobretudo mulheres - se dedicando aos contos eróticos. Uma delas, é a Monique dos Anjos.

Monique é jornalista, trabalhou muitos anos em revistas direcionadas ao universo feminino e participou do período, anos atrás, em que discussões sobre feminismo e o papel da mulher na sociedade começaram a se tornar pauta nesses veículos. Monique é uma mulher negra que decidiu trazer a discussão da raça, feminismo e sexualidade para o universo dos contos eróticos. "Você está preparada para ler contos eróticos escritos e protagonizados por uma mulher negra?" provoca ela.

Sou entusiasta dos contos eróticos e os considero uma das formas mais acessíveis de se consumir e comunicar novas formas de prazer. Não é todo mundo que se interessa por pornografia explícita, pura e simples. Além disso, poder ler em silêncio algo que por dentro te faz explodir de prazer, torna a experiência mais segura, sensorial e estimula a nossa criatividade.

Monique percebeu que precisaria se aprofundar nas reflexões sobre ser uma mulher negra no Brasil quando engravidou de sua primeira filha (hoje, ela é mãe de três). "Ao engravidar do meu marido, um homem branco, percebi senti que era preciso me aprofundar em questões étnico-raciais e de ancestralidade. Como uma mulher negra retinta, não precisei me perceber negra ou esperar que a sociedade me mostrasse. Mas assim que saí do núcleo familiar, tudo ficou muito claro a partir da forma como as outras pessoas me tratavam em detrimento a outras crianças brancas. Eu morava numa rua com uma única família negra e na minha escola apenas 5 crianças eram negras também. Agora mãe, eu precisaria saber como preparar meus filhos para esse ambiente, para esse mundo todo."

Foi ao se aprofundar no tema que Monique começou a ligar novos pontos: a rejeição que sofria, a solidão que sentia e o fato de ser uma mulher negra.

"Antes, era como se essas peças não fossem parte de uma mesma imagem. Eu culpava a minha capacidade intelectual, a minha aparência. Só fui descobrir que era uma questão racial há poucos anos, já casada e com filhos. E foi um alívio perceber que não era culpa minha. A minha solidão partia do pressuposto de que naqueles ambientes pelos quais eu passei, a minha cor já era errada. Não havia espaço para mim.

Nesse processo, ao estudar e pesquisar profundamente o tema, passou a prestar consultoria de comunicação de diversidade, analisando peças publicitárias para orientar empresas sobre pontos sensíveis, que podem ser melhor trabalhados, como se dirigir ou retratar uma pessoa negra em uma campanha. E foi em uma de suas palestras que ouviu um comentário que mexeu, novamente, com questões muito profundas:

"Fiz uma palestra sobre diversidade em uma universidade e, em determinado momento, ouvi o comentário: 'minha namorada não tem ciúme de você, porque você é negra'. Aquilo levantou muitas questões pra mim, porque de uma maneira geral a mulher negra é vista em dois extremos: o da hipersexualização ou destituída do seu gênero, um ser assexuado que não representa perigo. E, quando escutei "outras mulheres não temem você, por ser negra", pensei que seria preciso falar melhor sobre isso, os desejos da mulher negra."

Como Monique já vinha escrevendo muito, produzindo longos textos e com vontade de se aventurar pelos contos, acabou iniciando uma pesquisa sobre o universo erótico. Não foi surpresa quando percebeu como era difícil se identificar com as mulheres ali retratadas. Foi aí que começou a escrever os próprios contos, pontuados por um pouco da sua própria história:

"Quando comecei a ler o que havia disponível na internet, percebi que não conseguia reconhecer a escrita de uma mulher naqueles contos, eles não eram envolventes, interessantes, geralmente era tudo mandatório. E aí me senti ainda mais motivada para começar. No primeiro texto coloco algumas características nessa mulher, como o cabelo com tranças, mas não falo propriamente da cor dela, da etnia. No segundo trago um pouco mais de informações e, no terceiro, é onde de fato ela se apresenta com uma mulher negra."

O beijo dos grandes lábios

Porém, se eu precisasse apostar em uma teoria para tanto sex appeal, diria que não é a minha cor. Mesmo que eu ame parecer uma pantera com pelo molhado, sempre macio e com o brilho de uma noite livre de nuvens no céu, poucos homens estão prontos para assumir uma mulher retinta. Acredito que seja algo mais subliminar. Tem a ver com o cheiro animalesco que sinto exalar das minhas partes mais profundas desde aquela experiência sexual a três. A verdade é que algo mudou em mim depois que fui para cama com dois homens. É um segredo que carrego com discrição, mas que meu corpo parece desejar colocar para fora. Estou liberando hormônios sexuais que só os mais pervertidos dos amantes podem farejar.

Sugiro acompanhar tudo o que a Monique tem produzido em suas redes sociais pessoais e, também, em sua conta dedicada aos contos eróticos. São histórias densas, interessantes, sensuais. Atraentes por si só. Mas conectá-las à autora, torna essa viagem ainda mais profunda e especial. Uma boa leitura e muito prazer!

Mayumi Sato