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Fabi Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mulher nenhuma precisa acordar bonita -olheira, bafo e frizz todo mundo tem

Getty Images
Imagem: Getty Images

Colunista de Universa

06/09/2022 04h00

Você acorda bonita? E as outras pessoas que você já viu acordar, acordam bonitas?

Ah, vá! Não rola por aí aquele momento "acordando mocinha na novela"? Sem pistas de inchaço, bochechas naturalmente coradas, lábios aveludados e já levemente ruborizados, cílios arrebitados e tingidos (well, é verdade que as vezes até cílios postiços botam pras bonitas acordarem lindas). A pele já amanhece trabalhada em equilíbrio perfeito de brilho, cor e textura. Nada de manchas desagradáveis, olheiras ou imperfeições.

E el pelo? Nossa! Aí é lacre puro. Cabelos sedosos, penteados e organizados. Se existe frizz no mundo, aquele cabelo nunca viu.

O hálito da princesa também já vem mentolado ao primeiro raiar do dia. E o Shrek ao lado, como acorda? Impregnado em peidos, bafo e toda sorte de humanidade? Cabelo amassado, cara inchada and, muitas vezes, humor crocante? Hmm?

O ano é 2022, as pessoas voltaram às ruas, a saga dos dates foi reativada. É surpreendente como, até hoje, a gente escuta as minas contando sobre como, repetidamente, acordam pra se princesar antes que ogro desperte.

Note, não vou ser hipócrita e dizer que já não recorri a esse ritual.

Lembro de já ter acordado pra fazer xixi pela manhã e aproveitar e pra já escovar os dentes, dar uma refrescada na situação bucal e uma conferida na situação total antes de retornar ao leito.

Esse ritual todo pode ser excessivo. Sem contar que é uma delícia dar aquela enroladinha matinal na cama e, se pá, evoluir. Falando mais detidamente dos odores noturnos, aqueles que se acumulam e envolvem os humanos quando a gente tá em repouso e de boca fechada. Às vezes, podem ser altamente corta clima (tem razão, nem sempre, de vez em quando a animalice que acompanha esse quadro pode ser excitante).

Sei lá. Me perdi. Tenho sentimentos controversos quanto ao tema. Como diz uma amiga, "penso, logo mudo de opinião..." Falando das bocas, me assusta e incomoda um tanto quando vem batizada de pastilhas matadoras (tem umas tan fuertes, que dão tontura) ou enxaguantes bucais assassinos. Acho um exagero. Passou fio dental, raspou língua e escovou. Tá limpo. Tá ótimo.

Quer arrasar ainda mais? Se joga num gargarejo com algo suave pra limpar a garganta. Isso praquela higiene matinal esperta, já pra essa gentil toalete do despertar e volver à cama, o ritual simplificado mais que entrega.

Pois é, tô aqui falando dos outros e lembrei que tinha uma época que eu fazia todo esse rolê bucal evoluído e, depois, tomava um iogurte. Achava que o processo todo deixava a língua muito áspera... e o iogurte devolvia a maciez. Técnica, no entanto, aplicada à boca limpa. Melhor não espalhar isso, acho muito íntimo e ligeiramente neurótico.

Alguns anos atrás, entrevistei uma pessoa e perguntei qual era seu ícone de beleza. Ele, muito animado, me disse que era sua avó, pois a mesma despertava todos os dias algumas horas antes do avô, apenas para ficar linda pra ele. Pra se preparar. Ele achava aquilo uma linda declaração de amor. Me lembro de ter ficado meio chocada. Ingênua, ingênua sempre.

Ao mesmo tempo, sou essa que já tomou iogurte depois da escovação. Épocas diferentes, possivelmente diferentes motivações. Acho que o grande lance é não perder de vista o que tá fazendo, porque tá fazendo e, mais, por quem tá fazendo?

A gente não precisa acordar princesa. Nem precisamos permanecer deitadas ao lado de gente ogra (que, aliás, existe em todas as configurações de relação, não apenas na heteronormatividade). A menos que a gente queira e tenha alguma ideia das reais motivações para tanto.

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