Topo

Andrea Dip

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que o feminismo precisa se juntar à luta por justiça climática

Txai Suruí, ativista brasileira que discursou na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em 2021 - Divulgação
Txai Suruí, ativista brasileira que discursou na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em 2021 Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

11/02/2022 04h00

A emergência climática tem afetado desproporcionalmente mulheres e corpos feminilizados, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas). São elas (somos nós) as mais afetadas pelas mudanças climáticas, e a desigualdade socioeconômica intensifica as consequências do aquecimento global sobre alimentação, casa e meios de vida — sobretudo para as mulheres negras, indígenas e campesinas.

Por causa disso, tem se fortalecido cada vez mais a ideia de que o feminismo, com suas pautas históricas e tão urgentes na defesa dos direitos reprodutivos, na equidade de gênero com relação às condições de trabalho e salário, à maternidade, ao controle dos nossos corpos, precisa ser interseccional à luta antirracista, anticapitalista, indígena e, mais do que nunca, se somar à luta por justiça climática.

Esse tem sido um tema recorrente nos eventos mundiais, como a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021, em que mulheres e meninas jovens como Greta Thunberg, da Suécia, Vanessa Nakate, da Uganda, Dominika Lasota, da Polônia, Mitzi Jonelle Tan, das Filipinas e Txai Suruí, do Brasil, tomaram a frente das discussões.

Quando entrevistei a filósofa e escritora Silvia Federici — que ficou conhecida no Brasil especialmente por causa do livro "Calibã e a Bruxa" (ed. Elefante) — em 2021, ela disse algo que não esqueci mais, justamente sobre a esperança em um novo feminismo "dissidente, alternativo, popular, como o que existe na América Latina" que, segundo ela, se encontra com esses outros movimentos sociais como o antirracista, anticapitalista, indígena, campesino.

É "a luta sobre o controle dos nossos corpos e a defesa da natureza, a luta contra a contaminação das águas pelo agro", "um feminismo mais amplo, enfocado em combater a supremacia masculina, a dominação das mulheres pelos homens e aberto a outras atividades e lutas que são fundamentais para uma transformação real da sociedade".

Em um ano eleitoral tão importante para decidir nosso futuro — sobretudo após esses quatro anos de governo que têm sido denunciados por povos indígenas, pesquisadores e especialistas ambientais como um dos mais destrutivos da história recente do país — é necessário que o feminismo abrace a luta por justiça climática e vice-versa.

"Feminismo e justiça climática estão intrinsecamente relacionados. Quando a gente passa a entender que pessoas estão sofrendo e vão sofrer cada vez mais com a falta da água, com o aumento das ondas de calor, não vão conseguir plantar, quando a gente entende que o que está em risco são direitos básicos e que é impossível falar sobre isso sem falar sobre gênero, raça, sobre vulnerabilidades, porque são mulheres e mulheres negras que mais estão sofrendo as consequências da crise climática e que essas pautas são transversais, a gente entende o quanto um movimento pode fortalecer o outro" explicou Flávia Bellaguarda, especialista em justiça climática, em conversa com a coluna.


"Existe uma pesquisa que mostra que a gente tem hoje, no país, em torno de 40 dias de calor no ano. E com o aquecimento global, em dez anos, a gente vai passar a ter 130 dias de picos de calor. Serão cada vez mais frequentes em um intervalo cada vez menor. Isso influencia inclusive quando a gente caminha até o ponto de ônibus, espera o transporte público e chega pingando no trabalho, absolutamente exaurida. As mudanças climáticas impactam nossa vida e, por isso, também as políticas públicas que pensam nisso são fundamentais. Se o movimento feminista traz esse tema, a gente fortalece também as cobranças de melhor qualidade de vida para as mulheres. A gente foi ensinado a ver tudo em caixinha, e a pauta da mudança climática também é vista em uma, mas na verdade é transversal a todo nosso desenvolvimento enquanto humanidade", acrescentou.

Sobre as eleições, Bellaguarda acredita que a Amazônia estará nas discussões políticas, mas que ainda não existe o debate profundo que a urgência climática pede. "Não existe uma discussão profunda sobre adaptação, mitigação, resiliência, soluções baseadas na natureza. Quando a gente traz esses pilares, estamos falando em desenvolvimento econômico, infraestrutura, saneamento, educação. Na verdade, a gente precisa colocar esse óculos com uma lente climática em tudo o que for olhado nos programas de governo."

Apesar de muitas lideranças ativistas importantes serem mulheres, ainda falta representação feminina em cargos de liderança política, tomadoras de decisões, "com a caneta na mão", diz a especialista. "A maioria das pessoas discutindo pautas climáticas é mulher. Nunca entrei em uma sala que só tivesse homens falando sobre isso. Já é uma pauta majoritariamente feminina. Mas a gente precisa de lideranças femininas com a caneta na mão, tomadoras de decisões, porque essas ainda são majoritariamente masculinas. E por isso também é tão importante unir a pauta ao movimento feminista".