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Andrea Dip

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro parou de trabalhar, ministra da Mulher, não: pior para o Brasil

Ministra Cristiane Britto em evento da ONU em Genebra: comitiva brasileira é a favor de revogação de direitos já conquistados - Divulgação/ONU
Ministra Cristiane Britto em evento da ONU em Genebra: comitiva brasileira é a favor de revogação de direitos já conquistados Imagem: Divulgação/ONU

Colunista de Universa

18/11/2022 04h00

Em seu perfil no Instagram, a ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos e senadora eleita Damares Alves comemorou, na quarta-feira (16), a rejeição a "cerca de 20 das 322 recomendações" feitas pela ONU sobre políticas de direitos humanos para países de todo o mundo, no chamado Ciclo de Revisão Periódica Universal do órgão. "Pelo menos 11 das recomendações rechaçadas pelo governo brasileiro fazem menção à legalização do aborto", escreveu Damares. E parabenizou a atual ministra, Cristiane Britto, e os "guerreiros do MMFDH" por derrubarem "narrativas que as ONGs de esquerda levaram para a ONU querendo difamar nosso país".

A ex-ministra se refere à sabatina a qual o governo brasileiro foi submetido nessa semana na ONU, com participação de Britto. Durante o encontro, como mostrou Jamil Chade em sua coluna, o Brasil foi duramente cobrado por centenas de países, sobretudo com relação a temas como violência policial, indígenas, violência de gênero e meio ambiente.

O governo brasileiro teria até fevereiro para responder às recomendações —o que seria, inclusive, uma demonstração de respeito à democracia e ao governo eleito—, mas resolveu responder imediatamente, segundo Damares, justamente para garantir que não haja avanço de algumas pautas no próximo governo.

Como também apontou Jamil Chade, entre as recomendações que o governo prometeu avaliar está a proposta da Rússia e do Egito para que se defenda a "família tradicional", considerado um posicionamento reacionário por reconhecer apenas como família a constituída por um homem cisgênero, uma mulher cisgênero e seus filhos.

Já entre orientações não aceitas pela delegação do atual governo, dez são diretamente relacionadas aos direitos reprodutivos e da população LGBTQIA+. Rejeitou, por exemplo, tomar medidas para aprovar leis que garantam a criminalização da homofobia e transfobia, "prevendo medidas de proteção e investimentos em instalações públicas para cuidados e proteção abrangentes".

Também nega "garantir o acesso de todos à atenção e à saúde sexual e reprodutiva, inclusive para HIV/AIDS, atenção pré-natal, contracepção e aborto seguro, sem discriminação ou necessidade de autorização judicial, e assegurar protocolos de atenção ao aborto sensíveis à idade".

Estão na lista de veto outros dois pontos, ligados a direitos sexuais e reprodutivos e educação sexual nas escolas. Oficialmente, o Brasil se negou a "assegurar o acesso à saúde sexual e reprodutiva e direitos para todos, descriminalizar o aborto e introduzir legislação para proporcionar acesso ao aborto seguro" e "assegurar o direito à educação e à saúde, assegurando um currículo adequado à idade sobre gênero e educação sexual nas escolas".

A atitude revoltou organizações de direitos humanos e membros da equipe de transição de governo, que acusam, inclusive, a delegação de Bolsonaro de usar dados falsos e usar grande parte do tempo de fala para fazer propaganda do atual governo, em vez de discutir questões importantes de direitos humanos.

Muitos países também recomendaram ao Brasil que tome providências para fortalecer os órgãos de proteção aos direitos humanos. Seis destes pedidos foram rejeitados.

No site do Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, a notícia foi de que o Brasil fez bonito na ONU e mostrou, por exemplo, como valoriza suas políticas de enfrentamento à violência contra a mulher. Porém, o dado que a atual ministra deixou de fora é o de que Bolsonaro simplesmente retirou a pauta do orçamento para 2023. E que, neste ano, o investimento na proteção da população feminina foi o menor em quatro anos.

Também nesta semana, a delegação brasileira participa da reunião para tratar da revisão periódica universal sobre racismo e discriminação no Brasil do Comitê de Combate ao Racismo da ONU, e a atuação do atual governo brasileiro tem sido ainda mais vergonhosa.

Amplamente questionada sobre racismo estrutural e interseccional, sobre o alto número de violência obstétrica e mortalidade materna entre mulheres negras, as dificuldades de acesso ao aborto legal e a direitos reprodutivos, a violência policial que mata mais pessoas negras, a violência contra LGBTQIA+ entre muitas outras questões, as respostas, dada pelo secretário nacional de atenção primária do Ministério da Saúde, Raphael Câmara, foram, por exemplo, a de que não é verdade que a mortalidade materna é maior entre mulheres negras, contrariando dados oficiais do próprio MS que aponta que a taxa é de 57,9 em 2019 para 107,5 em 2021, a cada mil nascidos vivos, e que 61,3% dessas mortes são de mulheres negras.

"Isso não é verdade, eu sou médico ginecologista obstetra e a proporção é muito semelhante" disse. Sobre o acesso ao aborto, disse que o Brasil segue a lei com relação ao aborto permitido por lei, mas que "o governo Bolsonaro é contra o aborto e a favor da vida desde a concepção". Também afirmou que o Brasil "não reconhece o termo violência obstétrica".

Câmara ficou conhecido por pertencer a ala ideológica do bolsonarismo, por ser defensor de retrocessos com relação a direitos reprodutivos e por defender a abstinência sexual como política pública. Foi ele que assinou uma cartilha, em junho, dizendo que todas as mulheres que abortam devem ser investigadas pela polícia, embora o Brasil autorize a prática em caso de estupro, risco de vida à mulher e anencefalia.

Enquanto Bolsonaro parece ter desistido do resto de seu mandato, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos segue ativo e trabalhando muito. Mas para fazer estrago e prejudicar ainda mais a vida das mulheres do país.