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Ana Paula Xongani

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Conheça MC Taya, multiartista que constrói um legado sobre a estética negra

A carioca MC Taya é autora de sucessos como "Preta Patrícia" e "Piranha Favelada" - Divulgação
A carioca MC Taya é autora de sucessos como "Preta Patrícia" e "Piranha Favelada" Imagem: Divulgação

Colunista de Unive

01/04/2021 04h00

Eu não sei se você conhece a MC Taya da música, da moda ou da belíssima intersecção de ambas que ela faz no conteúdo que produz. Sobre a minha entrevistada para a coluna de hoje, o fato é: o que ela constrói, bem assim, diante dos nossos olhos, é um legado sobre estéticas negras, sobretudo contemporânea. E, como ela gosta de dizer, "racializando tudo sim, porque nós negros estamos na origem de tudo e isso nos é subtraído o tempo todo".

Nascida no subúrbio carioca, talentosíssima e muito dedicada, MC Taya é uma multiartista necessária, que você, eu e o mundo todo precisamos conhecer e acompanhar.

Meu trabalho parte de um desabafo meu para o mundo mesmo. Por vir de onde vim, as pessoas sempre esperavam que eu produzisse um tipo de arte, vestisse um tipo de roupa. Entender que sou uma multiartista que flerta com várias estéticas negras, foi um processo bonito, libertador e satisfatório. E com o meu conteúdo eu quero registrar e inspirar todas estas possibilidades, principalmente para outras mulheres negras", fala.

Tudo começou dentro de casa, com uma família apaixonada por rock, por Pink Floyd e Guns N' Roses. Referencialmente, isso a deslocou do que era esperado dela, ser funkeira ou do samba. Ela desejava ser a Pitty, mas de cara percebeu que o fato de ser negra seria uma barreira para expressar o que curtia naquele momento.

MC Taya, do hit Preta Patrícia - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
A cantora carioca formada em moda é também produtora de conteúdo; ela tem 99 mil seguidores no Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

O trabalho de MC Taya reflete o que também desejo com esta coluna, registrar histórias da moda e a relação que ela tem com o comportamento social. Ressignificar esta história, contada principalmente sob uma perspectiva branca e eurocêntrica. Mas, vamos começar do começo.

"Sempre tive uma relação com a moda a partir da música, desde criança. Com o amadurecimento fui percebendo que a moda mudava ao mudar o gênero musical que as pessoas curtiam. Dentro da minha casa, meu pai é super roqueiro, minha irmã e meus primos também. E ali, eu observava que os roqueiros se vestiam de uma forma diferente dos funkeiros, que eram diferentes dos sambistas. Essa percepção começou a colocar várias coisas na minha cabeça", comenta.

Destas reflexões, nasceu o desejo de estudar moda para entender como nascia e se desenvolvia essa expressão de personalidade e gostos musicais a partir das roupas.

Queria trabalhar com música, mas me decepcionei com o racismo que enfrentei. Me diziam que se eu fosse funkeira ou sambista seria mais fácil, sucesso certo."

Mas e a parte que ela gostava muito de outro estilo musical, ela colocaria onde? Não era importante? Não era possível? De qualquer forma, ela escolheu o curso de indumentária na graduação.

"Pensei em moda, mas era muito negócio, grandes marcas e tudo isso. Ao estudar indumentária, fui para outro lugar, outra investigação da moda, da origem das coisas. O Egito, sabe?". Então, ela passou a ver a moda como arte e quando se formou, começou a escrever sobre feminismo negro e estética, ao mesmo tempo que ela mesma passava por suas transformações com a transição capilar, as tranças e muitas referências vindas do Afropunk.

Aí, começou a bombar. Lá em 2014, quando o Afropunk era uma novidade, ela já conhecia e estudava o movimento, justamente em razão de sua relação com o rock. Depois, em 2015, com a força da geração "tombamento", que tem uma relação muito forte com a estética, seus textos passaram a ter uma boa visibilidade nas redes e ela passou a ser reconhecida e requisitada para trabalhar com figurino, o que acabou levando ela de volta para o universo musical.

Esteve com Iza, Mumuzinho, Dream Team do Passinho, Lelê. "Aquela vontade de fazer música começou a apitar de novo. Sabe aquela voz dentro da gente? Eu nunca parei de escrever e senti que ia voltar".

Começou a escutar que se ela não estivesse pensando em ser MC, deveria começar a pensar, porque tinha tudo para ser. Mas, com a produção de conteúdo para internet começou a dar frutos, inclusive um emprego superlegal numa agência que cria conexões entre artistas e marcas, foi ficando para depois. Mas, nesta mesma agência, foi bastante incentivada a lançar seu trabalho, inclusive por Preta Gil, uma das sócias da empresa.

"Preta Patrícia", seu primeiro single, foi lançado pelo selo da cantora e já é referência para uma geração de mulheres que, como ela, não se furtam de compartilhar suas trajetórias de sucesso pessoal e profissional e também desejos e sonhos que, até hoje, parecem não ser autorizados a pessoas negras terem.

Paralelamente a isso, ela segue criando um conteúdo belíssimo em suas redes, principalmente em seu perfil no Instagram e canal no YouTube, um trabalho lindo de sistematização e afirmação da pluralidade dos estilos de mulheres negras. Com pesquisa riquíssima, ela também democratiza saberes quando traduz muitos estudos de outros países, principalmente de mulheres negras americanas, sobre moda e sociedade.

De acordo com ela, ainda que sejamos descendentes de África, quando verificamos a moda negra que influencia o mundo, precisamos notar a experiência dos negros americanos e o quanto eles referenciam a nossa ideia de moda contemporânea, influenciando inclusive na criação de coleções em marcas europeias, como Beyoncé faz na Adidas e Rihanna fez na Puma. Isso se reflete, inclusive, em uma coluna que já escrevi aqui sobre minhas referências na moda, com os nomes de oito mulheres negras norte-americanas.

Inclusive, vem uma surpresa em suas redes em breve sobre um estilo criado por jovens negros americanos e que está se popularizando demais, o ART HOE. Você já conhece?

Sobre a estética negra no Brasil, ela conta que deseja fazer muitas coisas ainda. Mas faz apontamentos importantes. "A gente tem uma estética devastadora, maravilhosa, mas a construção de registros sobre isso, estudos sobre isso, banco de imagens sobre isso é muito recente, de dez anos para cá. Então, acho legal guardarmos mais um pouco de história para lá na frente fazermos algo incrível, sabe? Mas já comecei minhas pesquisas sobre isso e já faço minha colheita de dados. Certamente nascerá algo disso".

Eu, admiradora e aluna de tudo o que ela produz, fã mesmo, aguardo com entusiasmo e, enquanto isso, vou aprendendo com o tanto de coisa incrível que ela faz. Enquanto escuto e curto suas músicas, claro! "De LV e Mini Saia", seu single mais recente, acabou de sair! Se eu fosse você, não perderia não.

MC Taya é uma mulher importantíssima porque produz arte, produz conhecimento e ainda é uma mulher negra que observa, reflete e analisa cultura contemporânea, principalmente a cultura pop e hip hop. Além da entrevista, eu só agradeço pela oportunidade de viver no mesmo tempo em que ela nos entrega tanto, e fico feliz de saber que a geração da minha filha vai poder ter o legado que ela constrói.

Obrigada mesmo!