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Ana Paula Xongani

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Pin-ups negras e a importância de ressignificar os códigos da moda

Miss Black Divine - Reprodução/Instagram/@missblackdivine
Miss Black Divine Imagem: Reprodução/Instagram/@missblackdivine

Colunista de Universa

11/02/2021 04h00

Quando topei o convite para escrever neste espaço, minha ideia sempre foi trazer - ou levar - novos olhares para a moda e sua relação com o comportamento da sociedade. Ter a possibilidade, principalmente, de registrar histórias não contadas sobre ela. Na coluna de hoje, vou conversar com a Paula Renata, Miss Black Divine no Instagram, que despertou minhas emoções de um jeito muito bonito ao criar referências da moda pin-up revisitando e recriando uma moda vintage, a partir de uma estética negra.

Paula me contou que até os 17 anos negava a moda, porque não entendia que se encaixava nela, principalmente na imposição do que a sociedade entendia que era a "moda feminina". E isso ela diz porque sempre gostou das roupas mais "confortáveis" atribuídas aos "moleques", como ela gosta de dizer. Acreditava também que não cabia em nenhuma coisa nem outra aquilo que ela entendia ser a sua própria personalidade, uma mistura de liberdade, força e audácia, com doçura.

Mas aí ela conheceu o estilo pin-up com uma professora. E amou. À primeira vista, entendeu nesta moda a mistura perfeita de delicadeza e sensualidade. "No entanto, ao buscar referências nos meus processos de pesquisa, não encontrei mulheres negras. E isso, de início me fez reproduzir algumas coisas que eu via, como por exemplo, alisar os cabelos para fazer os penteados", conta. Paula me explica que as pin-ups tiveram um "boom" durante a segunda guerra.

"Tinha aquela coisa bem machista de pendurarem as fotos nas paredes, levarem com eles e tal, para eles pensarem nas mulheres que estariam esperando por eles quando eles voltassem aos seus países. Mas, pra mim, pensando numa perspectiva de imagem, as pin-ups são aquelas mulheres que tinham liberdade para seus corpos através dos seus estilos, considerando a forma como eram educadas as mulheres da época, "do lar", sabe?", explica.

"Foi isso que chamou minha atenção também. As mulheres tinham que ter uma imagem submissa, não podiam mostrar nada, usavam aquelas roupas super fechadas e as pin-ups quebraram isso, com decotes, pernas a mostra, maquiagem exuberante."

Depois de um tempo estudando e trazendo para si esse universo - e já também mais consciente de sua própria racialidade, Miss Black Divine começou a se questionar sobre a ausência de mulheres negras nesta estética, algo que eu também me pergunto e, certamente algo que sempre me afastou do interesse pelas pin-ups.

Onde será que estavam as mulheres negras enquanto as pin-ups brancas eram exaltadas como ícones de beleza, desejo e tudo o mais? Esse questionamento fez Paula seguir na busca por referências.

"Em 2014, estava no Facebook pesquisando pin-ups negras e resolvi pesquisar em inglês. Aí apareceu a página Black Pinups Models, que era uma revista norte americana recém-lançada. Eu amei, mas me incomodava o lance dos cabelos alisados, que elas usavam também. Resolvi começar a adaptar os penteados para cabelos crespos. E aí um mundo todo se abriu pra mim, assim como a compreensão de que os penteados pin-ups são perfeitos para cabelos crespos como os meus, naturalmente volumosos. Não preciso fazer várias coisas que quem tem cabelo liso faz para conseguir essa textura".

Ela tem razão, os penteados que ela faz são espetaculares e foi o que me chamou mais atenção. Já separei várias referências que quero experimentar quando meu black crescer. Lindos! Lindos! Lindos!

Miss Black Divine é responsável, portanto, por um trabalho bem bonito, que é a ressignificação dos códigos padronizados do estilo pin-up e quando ela faz isso, ela cria para as gerações de agora e do futuro um universo de possibilidades estéticas que não existiam antes para mulheres e jovens negras.

Quando ela surgiu, não conhecia outras, não via outras iguais a ela nos concursos de pin-ups. Era sempre ela sozinha, o que a motivou a dar um tempo na ideia de estar nestes espaços, em razão do racismo que sofria.

Quando parou, outras pin-ups e mulheres que curtiam o trabalho dela apareceram, perguntando onde ela estava e incentivando que voltasse. "Elas estavam ali nos bastidores, acompanhando meu trabalho à distância, mas não iam aos concursos. Quando comecei a explicar os motivos pelos quais eu estava off, me incentivaram a voltar e quando voltei, elas apareceram. Isso mudou tudo!". Hoje, temos um grupo no whatsapp com mais de 20 mulheres de todo o país e outros países que falam a língua portuguesa, como Angola, por exemplo".

Na conversa com ela, fiquei surpresa e emocionada quando me contou algo que eu não sabia. Quando ela decidiu voltar aos concursos, queria um vestido que a destacasse, pois os modelos que as participantes utilizavam tinham um certo padrão. Foi aí que ela escolheu um vestido do Ateliê Xongani.

"Escolhi porque queria uma roupa que dissesse: sou preta sim! Essa é a minha cultura e eu posso levá-la para o estilo que eu quiser, do jeito que eu quiser. Essa ideia saiu da roupa e foi também para o cabelo, com as tranças enraizadas que eu fiz!" Emocionante!

Mal consigo reproduzir aqui o que senti quando conheci o trabalho da Miss Black Divine, mas vou tentar traduzir. Eu nunca pensei em me vestir ou me aproximar do estilo pin-up e é claro que isso tem a ver com a falta de referências. Era uma imagem que, pra mim, estava automaticamente atrelado à vivências da branquitude.

Com ela, vi que não, seja por ela mesma, seja por histórias que ela resgata e compartilha com a gente nos canais dela. Quando a conheci, conheci também mais uma possibilidade estética para mim. Descobri uma moda vintage que me agrada, penteados que eu certamente vou fazer.

Sempre gosto de pensar que trabalhos como o dela vão fazer deste mundo mais diverso e inclusivo. E isso é muito importante sim. Quando ela escolhe não apenas viver essa moda, mas registrá-la, criar conhecimento e imagens em torno dela, ela cria imaginários, reconstrói histórias. Minha filha, por exemplo, vai ter muito mais referências do que eu tive.

E, por isso, eu só admiro e agradeço. Obrigada Miss Black Divine! Pelo papo e pelo trabalho! Só continue!