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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Hétero top: o que o termo usado no 'BBB' revela sobre masculinidade tóxica

Gustavo Marsengo é integrante da casa de vidro do "BBB 22" e se apresentou como hétero top - Reprodução/Globoplay
Gustavo Marsengo é integrante da casa de vidro do "BBB 22" e se apresentou como hétero top Imagem: Reprodução/Globoplay
João Luiz Marques

Colaboração para o UOL

11/02/2022 04h00

Esta edição do BBB já está marcada por uma questão que, com a entrada do participante Gustavo Marsengo na casa de vidro, provavelmente se tornará mais relevante: o homem hétero top. Lucas, um dos participantes já confinados, se apresentou como um "hétero top do bem" e Rodrigo, já eliminado, dizia que "de longe, parecia um hétero top, um cara padrão, mas eu não sou, tenho uma história de vida incrível e acordo todos os dias para vencer". Ironicamente, o único que entendeu o conceito foi justamente Gustavo.

É preciso relembrar que o conceito de hétero top foi criado em uma época em que a gíria "top" foi popularizada pelos jogadores de futebol e se tornou febre entre os homens que se inspiram nesses jogadores. As mulheres prontamente fizeram a associação, pois a maioria dos homens de atitudes machistas usavam essa gíria, e logo virou uma piada entre elas: "Amiga, esse cara é hétero top". O que estava em conversas privadas começou a se tornar público, sempre dito em tom de deboche.

O hétero top nada mais é do que o homem comum, medíocre, de costumes médios, que defende o papel de importância do homem na família e na sociedade e acredita que o feminismo está contra ele e que as mulheres, pessoas negras e LGBTQIAP+ são "mimizentos".

Ele não reconhece a própria responsabilidade nas ações e se ofende quando lhe chamam a atenção. No "BBB", a maioria dos homens héteros que estão no programa se identificam em algum momento com essa personalidade: Lucas, o "barão da piscadinha", flertou com três mulheres na casa, Eslovênia, Jessilane e Natália — que ele dizia ser o porto seguro dele, deu todos os indicativos de que estava interessado, mas optou por se aproximar da primeira. Essa é a velha tática de atirar para todos os lados e ver qual vale mais a pena sem ter responsabilidade afetiva. Lucas, curiosamente, se intitulou um "hétero top do bem", mas é exatamente igual aos outros, com a diferença que ele finge ser empático, finge ser compreensivo e atencioso, mas é só um personagem.

Rodrigo, já eliminado, queria provar a todos que não era hétero top. Mas fez diversas investidas em Laís e, quando percebeu que ela estava interessada, ele avisou que tinha outra pessoa fora da casa. O que de fato era verdade, mas lá dentro ele queria alimentar o próprio ego, pedindo à moça que admitisse que gostava dele. Não interessava o desejo final, Rodrigo tinha uma vontade latente de ser aceito, e a conquista é uma dessas fontes.

Muitos homens fazem o mesmo, querem ter mulheres atrás deles, implorando por carinho e atenção enquanto ele enrola. A verdade é que a história de Rodrigo não faz diferença nenhuma, e sim quem ele é e o que representa: um homem branco, heterossexual e machista, assim como todos os homens. A única forma de provar que era diferente era agindo de forma diferente, e isso não aconteceu.

Pedro Scooby, um sujeito leve e pleno, não demorou muito para trazer seu lado hétero top. Recentemente, protagonizou uma briga com Arthur por causa das piadas que ele, Paulo André e Douglas Silva faziam. Tiago Abravanel chamou atenção de Scooby sobre a situação, e ele se defendeu dizendo que eram quatro pais de família conversando, e que Arthur tinha sim que aguentar as brincadeiras, já que antes ele estava zoando outra pessoa.

Scooby defende a "amizade" sem limites, onde não se respeita o limite do outro e não há empatia, onde em um grupo de homens é preciso ser forte em vez de ser acolhedor. Jamais disse que não era hétero top, mas todos eles, com exceção de Tiago Abravanel, foram homens comuns, que em silêncio compactuaram com a atitude de Scooby.

A entrada de Gustavo no jogo é um convite ao conflito. Ao contrário dos outros participantes, ele se orgulha em ser hétero e se acha top, como ele mesmo disse. É um exemplo claro de alguém que expressa confiança, que quer ir contra a "maré da lacração", mas que no fundo é um sujeito inseguro e, em algum grau, ignorante das questões às quais ele tem certeza que entende.

A "lacrolândia" só é chamada assim por ele porque as pessoas que ele chama de lacradoras são as que estão reivindicando direitos, apontando problemas e exigindo respeito de pessoas como Gustavo, que achou que poderia ser o dono do mundo.

Ele deve ter aprendido que o mundo era feito para ele, que tudo o que ele quisesse ele teria e que ele seria a norma, o ideal, mas tem descoberto que não.

Gustavo é um sintoma, uma reação, de um mundo em mudança, e Boninho [diretor do "BBB"] sabe que só uma pessoa sem qualquer medo de expressar suas opiniões contra uma casa praticamente formada pelas pessoas as quais ele chama de lacradores, pode gerar o conflito que o programa precisa para decolar. O que me preocupa é o preço a ser pago por isso.

As mulheres, pessoas negras e LGBTQIAP+ da casa vão precisar encarar um sujeito que potencialmente fará de tudo para estabelecer suas opiniões. Isso pode vir por meio do jogo, tanto quanto pode, e virá, por frases violentas.

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