Nos 30 anos do Monsters of Rock, bandas tentam roubar a festa (e a cena)
Ao definir a escalação de um festival musical, qualquer que ele seja, além de tentar um equilíbrio interessante para que os fãs tenham boas opções ao longo do dia, é importante ter pelo menos um headliner forte, daquele tipo que faz a diferença no final, mesmo com o público já cansado.
A experiência de três décadas do Monsters of Rock aqui no Brasil fez com que eles soubessem construir uma programação ao mesmo tempo eclética e qualificada para a festa de 30 anos, que aconteceu neste sábado (19) no Allianz Parque lotado, em São Paulo.
O acerto foi tamanho que muitas bandas estavam mais do que aptas para brigar com Judas Priest e Scorpions pelo cargo de atração principal.
Como foi o festival?
O início dos trabalhos ficou com os finlandeses platinados do Stratovarius — que, se em 2023 foram responsáveis por fechar um dos palcos do recém-inaugurado Summer Breeze Brasil, agora começaram sua apresentação antes do almoço, com o céu ainda azul e um calor inclemente.
Veteranos de apresentações no Brasil, desde que eram parte da febre noventista do chamado "metal melódico", a banda jogou no seguro. Foram apenas duas canções do último disco de estúdio, "Survive" (2022). O restante foi hit atrás de hit: "Speed of Light", "Forever Free", "Eagleheart", "Paradise" e a inevitável "Black Diamond".
Além do gogó ainda afiado do vocalista Timo Kotipelto, uma coisa que fica nítida no Stratovarius é o papel-chave do tecladista Jens Johansson, músico de presença discreta no palco, mas cuja importância sonora dá para sacar de olhos fechados.


O teclado também é parte importante do som dos suecos do Opeth. O tecladista Joakim Svalberg é bem mais extravagante nas performances do que o colega anterior, enquanto a sonoridade da banda, como um todo, é bem menos "limpinha" e mais experimental, complexa.
É fato que o som do Opeth parecia uma espécie de "patinho feio" no meio da programação, mas um pouco de modernidade fez bem à narrativa musical do dia, em especial aos seguidores fieis da banda, grudados no gargarejo, entoando tanto a bela e acessível balada "In My Time of Need" quanto "Deliverance", belíssima em seus entrecortados quase 14 minutos de duração.
O líder Mikael Åkerfeldt também se comportava como fã, exaltando as bandas que viriam a seguir.


Lágrimas de metaleiro
Os ares progressivos também são a praia dos americanos do Queensrÿche, banda que não tocava em solo brasileiro há mais de uma década.
Com um paredão de amplificadores Marshall no fundo do palco, os músicos chegaram apostando no visual, mas sem nunca perder o foco do que realmente interessa: a música.
Um destaque é a naturalidade com que o cantor Todd La Torre percorre as canções (o que ele fez com a trinca "I Don't Believe in Love", "Warning" e "The Needle Lies" é um primor), sem deixar um único espaço para que a audiência sinta saudades do vocal original de Geoff Tate.
Enquanto ele se empolgava ao registrar os brasileiros com seu próprio celular ao longo da faixa final "Eyes of a Stranger", veio a inevitável pergunta: eles não tocaram "Jet City Woman"? Nem seu maior sucesso, a balada "Silent Lucidity", figurinha carimbada nas rádios roqueiras no começo dos anos 1990? Fica o mistério, embora este tipo de "ousadia" ainda fosse se repetir mais vezes no Monsters.


Logo depois, foi a vez da banda com mais potencial para abalar a hegemonia dos donos da festa. Depois de uma década sem fazer qualquer apresentação ao vivo, os americanos do Savatage escolheram justamente o Brasil para o retorno.
Conforme Zak Stevens, em excelente forma vocal, ia desfilando clássicos como "Jesus Saves", "Chance" e "The Wake of Magellan", tinha muito marmanjo na plateia se debulhando em lágrimas.
Pouco antes de "Handful of Rain", uma fina chuva começou, quase que por mágica. Assim como foi magicamente caótica a execução de "Edge of Thorns": enquanto Stevens chutava bolas de futebol para a plateia, uma mulher invadiu o palco.
Talvez uma das maiores catarses coletivas do sábado de aleluia tenha sido com "Believe", cuja letra tocante ganhou outros contornos quando o líder e fundador da banda, o tecladista Jon Oliva, que não pôde viajar ao Brasil por uma série de problemas de saúde, surgiu em um vídeo no telão para um "dueto virtual" com Zak.
Junte a isso a homenagem feita também ao finado guitarrista Criss Oliva, irmão de Jon, e o coração do metaleiro estava em mil pedaços.

"C******, São Paulo!"
Catártico também foi o momento em que os suecos do Europe entoaram, enfim, a tão aguardada "The Final Countdown", naquele que talvez tenha sido o grande momento deste Monsters of Rock.
Mas isso foi apenas o final de um show cujo objetivo era mostrar que existe um Europe para além do mega hit, já que o quinteto tem sido bem prolífico no lançamento de material novo desde que retomaram as atividades, em 2003.


Era óbvio que eles não iam esquecer da balada "Carrie" ou das enérgicas "Rock The Night" (que arrancou um "caralho, São Paulo", assim mesmo, em bom português, do vocalista Joey Tempest) e "Superstitious" (emendada com um trechinho improvisado de "No Woman, No Cry", de Bob Marley).
Mas é bastante curioso ver que o Europe não tem medo de confundir a cabeça do público interessado apenas em velharias, ao apresentar, de maneira tão classuda quanto o próprio Joey, canções mais recentes como "Walk The Earth" e "Last Look at Eden".
Os colegas britânicos que viriam depois, os mais do que aguardados — e longevos — mestres do Judas Priest, também não tiveram medo de experimentar.


Os donos da noite
Com uma belíssima produção de palco, com direito a um "puxadinho" para que Rob Halford pudesse trocar seus belos casacões, a banda deu o devido espaço o elogiado disco novo, "Invincible Shield".
O show foi devidamente aberto pela nervosa "Panic Attack", que pouca gente ali parecia conhecer. Ao longo da performance, eles ainda se deram ao luxo de deixar faixas como "Screaming for Vengeance" e "Metal Gods" de lado, devidamente substituídas por raridades como "Devil's Child" e "Riding on the Wind", além da controversa "Turbo Lover" e sua pegada mais hard rock farofa.
Ainda assim, impossível negar que se tratou de uma performance irretocável, uma verdadeira aula de heavy metal, com uma participação vigorosa do guitarrista Richie Faulkner, "caçula" do grupo, e devidamente conduzida pelo maestro Halford.


Aos 73 anos, é óbvio que ele não canta mais como o Halford de 20, mas digamos que ainda coloca muito cantor do alto de seus 30 ou 40 anos no bolso. O agudo que ele deu ao final de "Victim of Changes", logo depois de uma homenagem ao afastado parça Glenn Tipton, é de cair o queixo.
E o que dizer da entrega que ele ainda insiste em fazer durante a tão pedida "Painkiller", talvez a passagem mais complicada de todo o setlist? E quando ele aparece com a motocicleta em pleno palco, durante "Hell Bent for Leather", era tudo que o público precisava.

Os alemães do Scorpions tiveram a honra de encerrar com chave de ouro, celebrando não apenas os 30 anos de Monsters of Rock mas também seus próprios 60 anos de atividades - e com um bem-vindo retorno do baterista Mikkey Dee, queridíssimo dos brasileiros por seus muitos anos cuidando das baquetas do Motörhead.
Tal como Halford, é óbvio que a garganta dourada de Klaus Meine já não é a mesma de antes, mas ele segura muito bem a bronca, em especial na trinca de baladas "Send Me an Angel", "Still Loving You" (que não tinha sido apresentada ainda na atual turnê brasileira) e "Winds of Change" -- esta última, executada como um pedido de paz para todas as guerras acontecendo ao redor do mundo.


O repertório que promete ser um passeio pelas muitas décadas de sua carreira, é claro, não é assim tão ousado. Há um resgate interessante de "Loving You Sunday Morning", que há muito não era tocada, assim como um medley de "Top of the Bill / Steamrock Fever / Speedy's Coming / Catch Your Train", para homenagear a fase de Uli Jon Roth.
Mas é impossível deixar de embarcar na agitação de "Big City Nights" -- ou então, no bis, com "Blackout" e "Rock You Like a Hurricane", ambas tocadas na companhia de um imenso escorpião inflável que toma conta do palco.
No final do dia, não importa se com ou sem a chuva que insistia em ir e voltar, o fato é que saíram todos de alma lavada - público e, aparentemente, os músicos também. Uma boa festa, na qual todo mundo se fez importante o suficiente para merecer "parabéns" e "muitos anos de vida". Fica para você a tarefa de escolher quem recebe o primeiro pedaço de bolo.

2 comentários
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Marcelo Leitão
Fui em praticamente todos os Monsters, e admito, me emocionei muito ontem. Todos os shows foram incríveis!
Vivendi
60 anos de carreira sendo Head do festival.