Paulistanos reclamam de 'venda de olho': 'Não vi nem a cor do dinheiro'

Nos últimos quatro meses, cerca de meio milhão de brasileiros embarcaram em uma experiência que envolvia escanear a íris em troca de tokens digitais, com promessa de valores entre R$ 300 e R$ 700. O que parecia ser uma oportunidade de ganho fácil acabou se tornando uma frustração para muitos, especialmente após a suspensão das operações da plataforma no Brasil. Com isso, alguns participantes não conseguiram resgatar seus benefícios e agora se arrependem da decisão.

'O meu aplicativo travou e perdi o meu acesso'

Karollyne Melo, estudante de psicologia de 19 anos, conheceu o aplicativo World por meio de uma rede social. Como muitos outros, fez o cadastro, compareceu ao local indicado no Tatuapé, em São Paulo, e cedeu sua íris para o processo. A promessa era receber pelo menos 20 moedas digitais em dois dias, com o restante sendo liberado ao longo do ano. No entanto, após o rápido procedimento na agência, nada aconteceu.

Dois dias depois, o aplicativo simplesmente travou. Ele até abria, mas eu não conseguia clicar em nada. Tentei reinstalar, mas não adiantou. Perdi o acesso e fiquei sem ver as moedas. Acabei desistindo e deletando tudo. Vendi a minha íris e fiquei sem enxergar o dinheiro. Me arrependo dessa loucura,
Karollyne Melo

'Perdi o acesso e quero uma nova aferição'

João Caetano Lopes, 44, morador de São Vicente, no litoral de São Paulo, foi até a capital em busca de dinheiro rápido. Influenciado pelo filho, que conseguiu receber a primeira parte das moedas digitais, ele também fez a doação da íris. O que parecia promissor acabou virando motivo de frustração.

"Perdi a senha do aplicativo e não consegui recuperá-la. O app tem uma confusão de línguas — inglês, espanhol e pouco português. Fui eu quem errou, mas não consegui mais acessar. Meu filho teve sorte, mas comigo não funcionou".

Até agora, não vi nem a cor do dinheiro. Vou continuar tentando, mas acho que não há dinheiro para todo mundo, disse João, desanimado, mas ainda com alguma esperança.

'Recebi a primeira parcela, mas não sei se verei a outra'

Adassa Andrade, professora de inglês de 26 anos, teve uma experiência inicialmente mais positiva. Conseguiu vender sua íris e recebeu cerca de R$ 300, mas agora teme não receber o restante da compensação prometida.

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Eu li todas as informações sobre o aplicativo e parecia seguro. Tenho acesso aos meus dados no celular, mas fico receosa sobre como minha identidade será usada. O que me preocupa agora é se vou receber o restante das moedas ou se a promessa vai cair por terra também.
Adassa Andrade

Suspensão das operações

Toda essa insegurança tem uma explicação: desde 11 de fevereiro, a plataforma World suspendeu todas as operações no Brasil, interrompendo tanto a distribuição de tokens quanto a coleta de íris nas agências de São Paulo. A medida foi tomada após a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) rejeitar o recurso da empresa TFH (Tools For Humanity), que havia solicitado mais 45 dias para ajustes no aplicativo.

A ANPD afirmou que a compensação financeira oferecida pela empresa interfere indevidamente na liberdade de decisão dos participantes. Segundo o órgão, a promessa de ganho imediato poderia levar os usuários a autorizar a coleta de dados pessoais sem compreender os riscos envolvidos, levantando preocupações sobre a finalidade e a segurança do processo.

Em documento obtido por Tilt, a relatora da decisão, diretora Miriam Wimmer, destacou que a compensação financeira caracteriza uma interferência indevida na livre manifestação de vontade dos titulares de dados.

"Ainda de acordo com o voto, a fim de atender a necessidades financeiras imediatas, o titular muitas vezes considera o atrativo financeiro como um fator determinante para autorizar a coleta de sua íris, ignorando os riscos envolvidos e a própria finalidade da coleta", afirma Miriam Wimmer.

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Rede afirma que suspensão é temporária

Desde 11 de fevereiro, a plataforma World interrompeu temporariamente as operações de verificação de humanidade no Brasil, em cumprimento à decisão da ANPD. As agências que realizavam a aferição de íris continuam abertas, mas agora com foco em fornecer informações sobre o processo. No momento, não há previsão para a retomada das operações.

Em nota enviada a Tilt, a empresa afirmou que segue as regulamentações locais:

"Seguimos nosso compromisso em cumprir com as leis nos mercados onde operamos e continuaremos trabalhando para garantir transparência e entendimento público desse serviço essencial, que busca aumentar a segurança e a confiança online na era da IA", disse a plataforma.

Sobre os problemas enfrentados pelos usuários brasileiros, a empresa explicou que a falha no acesso às moedas digitais para venda e reembolso pode estar relacionada a usuários que desinstalaram o aplicativo sem realizar o backup, procedimento recomendado durante a instalação do World App. Ainda segundo a companhia, há também um espaço específico no site oficial da World para atender aos usuários.

"O backup do World App é fundamental para a utilização do aplicativo. No momento do download, os usuários têm a opção de fazer o backup no destino de sua preferência (como o Google Drive ou o iCloud), ou incluir voluntariamente um número de celular para recuperar sua conta", explicou a empresa.

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Em relação às pessoas que já fizeram a aferição antes da suspensão e receberam as moedas digitais, a rede informou que todas receberam as recompensas dentro do cronograma estabelecido de um ano.

11 comentários

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Claudio Barbosa da Rocha

O T A R I O S

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Walmor Barbosa Martins Jr

Darwin em sua pura essência. 

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Walter André Marques

Se as pessoas soubessem que suas digitais, seus olhos, seus dados..... são tão importantes e o quanto isso pode comprometer vida, não se venderiam por dinheiro fácil dessa maneira. É absolutamente lamentável ver isso. Mark Zuckerberg disse numa entrevista que o computador dele tem a câmera e o microfone bloqueados. Se ele fez isso dá pra imaginar o restante

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