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O que o apagão do Facebook revela sobre nossa dependência das plataformas

Reuters
Imagem: Reuters

Fabiana Uchinaka

De Tilt, em São Paulo

05/10/2021 17h59

A maior pane de redes sociais da história afetou mais de 2,7 bilhões de pessoas e 6 milhões de empresas que anunciam na plataforma ou dependem de posts patrocinados. Segundo o site NetBlocks, que monitora o impacto de paralisações da internet, o prejuízo à economia global foi da ordem de US$ 160 milhões (R$ 876 milhões). Quando Facebook, Instagram e WhatsApp ficaram indisponíveis no mundo, nesta segunda-feira (4), ficou claro que temos uma ligação desproporcional com o conglomerado de Mark Zuckerberg.

"É a prova de que o 'too big to fail ('muito grande para falhar') não funciona na computação", resumiu à AFP Pierre Bonis, CEO da Afnic, a associação responsável pelo gerenciamento de nomes de domínio na França.

O apagão mostrou que as plataformas interconectadas passaram a ter um papel profundo no próprio funcionamento da internet, e estes pilares não estão protegidos de um colapso mundial.

A rede toda acaba impactada pelo "efeito Facebook", ressaltou à BBC Thoran Rodrigues, engenheiro de computação, mestre em informática e diretor da BigDataCorp, empresa especializada na gestão de dados digitais.

"Primeiro, o Facebook tem uma série de serviços que outras empresas, sites e aplicativos usam, como login, que permite o acesso com uma conta do Facebook ou o envio de códigos de confirmação por WhatsApp, e ferramentas de analytics (métricas sobre a audiência). Quando você tem um problema generalizado como o desta segunda-feira, esses serviços também param de funcionar", disse.

O Facebook tem também o ramo de vendas online (com o Marketplace) e pagamentos (WhatsApp Pay). A empresa já tem um mercado consolidado na publicidade. Então, é como se outdoors e anúncios desaparecessem de uma cidade, e ninguém pudesse mais achar as lojas.

"Essa abordagem permite que a empresa ganhe eficiência operacional e se isole de um eventual desmantelamento por parte dos reguladores. Mas também expõe o Facebook ao risco de concentração. É como as guirlandas elétricas de Natal: se uma das luzes se apaga, todas as outras se apagam", explica Mike Proulx, vice-presidente e diretor de pesquisa da empresa de consultoria Forrester.

Com a falha no Facebook, as pessoas vão buscar massivamente alternativas. "Então, você começa a ver picos de utilização em outros serviços", aponta Rodrigues. O Downdetector, que monitora a instabilidade e interrupção de outros sites, registrou nesta segunda-feira um marco de 14 milhões relatos de erro, um dos maiores de sua história.

No Brasil, o dano é econômico

Em entrevista a Tilt, Raquel Recuero, professora e pesquisadora da UFPel (Universidade Federal de Pelotas), no Rio Grande do Sul, coordenadora do MIDIARS (Laboratório de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais), ressaltou que no Brasil o impacto tem outros contornos.

Os brasileiros têm uma característica em especial: eles se apropriaram das redes sociais, especialmente o WhatsApp, para vender, trabalhar e estudar —como poucos países fizeram— e passaram a depender financeiramente das ferramentas. O dano é no bolso.

"O impacto é menos porque as pessoas ficaram sem poder se falar e mais porque as pessoas dependiam das ferramentas para exercer atividades econômicas. Os apps são centrais em muitos negócios no Brasil", ressaltou. "Não é mais só social, é também uma ferramenta econômica. O Instagram e o WhatsApp são um apoio para quem precisa entrar em contato com clientes ou fazer reunião."

E esse uso bem brasileiro das plataformas acontece, segundo ela, porque os apps foram adotados por todas as pessoas, de todas as classes sociais.

De acordo com a pesquisa O Impacto da pandemia de coronavírus nos Pequenos Negócios do Sebrae, 70% dos pequenos negócios brasileiros vendem online. Desse total, 84% se comunicam via WhatsApp; 54% via Instagram; e 51% pelo Facebook.

Era da plataformização

Para Carlos Affonso Souza, colunista de Tilt, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) e professor de direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), vivemos a era da "plataformização".

"As grandes inovações acabam sendo adquiridas por grandes empresas. O sonho de uma startup de sucesso hoje é ser comprada por uma grande empresa — quando, no final das contas, poderia ser que ela se tornasse uma grande empresa do futuro", afirma ele.

Embora os impactos destes conglomerados digitais para os internautas ainda estejam em discussão, ele vê a pane desta segunda-feira como uma oportunidade de abrir os olhos.

"O brasileiro se acostumou a ver o Facebook, WhatsApp e Instagram como uma espécie de 'cesta básica' do acesso à internet. Usamos esses três aplicativos de uma mesma empresa e de uma forma que a integração entre eles oferece muito conforto", lembra.

Mas quando os três saem do ar ao mesmo tempo, subitamente a maioria fica perdida sem saber o que fazer.

"Esse é um ponto muito preocupante — diz muito sobre a empresa Facebook, mas também sobre a maneira pela qual nós nos acostumamos a confundir rede social com internet", afirma o professor. "No final das contas, a mensagem para todo mundo foi: você precisa ter um plano B. Você não pode depender de aplicações que são administradas pela mesma empresa."

Plano B

Há anos, os congressistas americanos e europeus ameaçam regulamentar os negócios do Facebook e de outras plataformas de rede social. Agora, eles ganharam o cenário propício para agir.

"Precisamos de alternativas e opções no mercado de tecnologia e não depender apenas de alguns grandes grupos, sejam eles quem for", aproveitou para dizer a comissária de defesa da concorrência da União Europeia, Margrethe Vestager, nesta terça-feira, diante do caos no Facebook.

Ela é a autora das regras conhecidas como Digital Markets Act (DMA), que definem uma lista do que Amazon, Apple, Facebook e Google podem ou não fazer na Europa —e que, em essência, força as empresas a mudarem seus modelos de negócios para permitirem mais competição.

Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, a ex-funcionária do Facebook Frances Haugen, 37, testemunhava no Capitólio e defendia a regulamentação as redes sociais. Foi ela quem vazou para as autoridades e o The Wall Street Journal um enorme arquivo de investigações internas que detalham como o Facebook sabia que seus sites eram potencialmente prejudiciais para a saúde mental dos jovens, contribuiu para aumentar a polarização online ao fazer alterações em seu algoritmo de conteúdo e falhou em tomar medidas para reduzir boatos contra vacinas.

O Facebook nega todas as acusações da ex-diretora de integridade cívica da empresa —ela se demitiu em maio de 2021. "Continuamos a fazer melhorias significativas para combater a disseminação de informações incorretas e conteúdo prejudicial", disse a empresa em comunicado.

Além dos documentos anteriores, Haugen divulgou hoje outros arquivos com regras de moderação que favorecem as elites, algoritmos que promovem discórdia e informações de como os cartéis de drogas e traficantes de pessoas usam os serviços da rede social abertamente.

Após o depoimento, os senadores disseram que há uma impulso para regulamentações mais rígidas e pediram o fortalecimento das leis de privacidade e concorrência, proteções online especiais para crianças, mais transparência nos algoritmos de mídia social e endurecimento da responsabilidade das plataformas.

"O Facebook sabe que os seus produtos podem ser tóxicos e viciantes para as crianças", disse o senador Richard Blumenthal (Connecticut), presidente do Subcomitê de Proteção ao Consumidor do Senado que conduziu a audiência.

Ele convocou o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, a comparecer perante o Congresso para testemunhar, classificando a empresa como "moralmente falida".