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Covid-19: pesquisa brasileira encontra remédio tão eficaz quanto cloroquina

Região em roxo mostra onde ocorrem reações principais do coronavírus, CNPEM busca medicamento inibidor - CNPEM
Região em roxo mostra onde ocorrem reações principais do coronavírus, CNPEM busca medicamento inibidor Imagem: CNPEM

Gabriel Francisco Ribeiro

De Tilt, em São Paulo

06/04/2020 16h59

Sem tempo, irmão

  • Cientistas brasileiros acharam um remédio tão eficaz quanto cloroquina em testes
  • Descoberta é fruto de pesquisa que busca fármacos já existentes para combater a doença
  • Em testes in vitro, dois remédios se mostraram eficazes para inibir o coronavírus
  • Pesquisa segue em laboratório e depois deverá ser ampliada para testes clínicos
  • Avanço é importante, mas é visto com cautela já que eficácia em humanos não é comprovada

Cientistas brasileiros anunciaram nesta segunda-feira (6) terem encontrado dois compostos que podem combater o coronavírus. Em testes iniciais realizados in vitro, um dos compostos teve resultado comparável ao da cloroquina para inibir a replicação do vírus.

Os testes fazem parte da busca de medicamentos feita pelo Cnpem (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), situado em Campinas (SP). Eles trabalham com a estratégia de "reposicionamento de fármacos", em que tentam descobrir que drogas já existentes e aprovadas para uso em humanos podem combater o coronavírus. A pesquisa ocorre em parceria com a Unicamp (Universidade de Campinas), onde estão os laboratórios em que testes são realizados.

A pesquisa começou com 2.000 fármacos como candidatos. Uma análise computacional baseada em inteligência artificial reduziu o número para 16, dois quais os pesquisadores selecionaram cinco para testes in vitro. Um outro composto foi adicionado depois de testes feitos por quimioinformática e inteligência artificial, que apontaram candidatos que podem não ter chamado atenção nos testes computacionais iniciais.

Durante os testes iniciais in vitro — ou seja, em cultura de células contaminadas com o vírus —, os cientistas notaram que dois deles se mostraram "capazes de reduzir significativamente a carga viral", combatendo o vírus. Um dos fármacos, inclusive, teve "desempenho numericamente comparável ao da cloroquina", segundo o Cnpem.

Os nomes dos medicamentos não foram informados, mas são diferentes dos testados fora do Brasil.

"Revelar nomes de medicamentos que ainda estão em testes pode gerar automedicação da população, o que seria irresponsável de nossa parte. Mas são medicamentos diferentes dos que se mostraram eficazes fora do Brasil e que já estão em testes", afirmou ao Tilt Daniela Trivella, coordenadora científica do LNBio (Laboratório Nacional de Biociências) do Cnpem.

Entre os medicamentos selecionados, estão drogas como analgésicos, anti-hipertensivos, antibióticos, diuréticos e outros, que seguiram para testes com células infectadas com o vírus. No estudo, a cloroquina funcionou como controle positivo por causa da eficácia já mostrada em estudos internacionais nessa fase.

De acordo com o centro de pesquisa ligado ao MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação), os dois remédios com sucesso no teste inicial se destacam por serem facilmente acessíveis aos brasileiros. Eles teriam as seguintes características:

  • Economicamente acessíveis
  • Bem tolerados em geral
  • Comumente utilizados por pessoas dos mais diversos perfis
  • Um deles ainda está disponível em formulação pediátrica

O anúncio deve ser visto com cautela, já que envolve apenas testes iniciais com o vírus in vitro. Ainda falta um longo caminho para a eficácia ser comprovada em humanos — assim como a da cloroquina, que não tem benefício ainda comprovado por testes clínicos. A dosagem para inibir a replicação do vírus, por exemplo, é algo que ainda precisaria ser estudada.

Próximas etapas

A partir de agora, os medicamentos vão passar por novos testes in vitro por cerca de duas semanas. Futuramente, os testes deverão envolver pacientes acometidos pela covid-19.

"Estamos bastante animados com os resultados destes ensaios. Contudo, ainda são resultados in vitro, ou seja, na bancada do laboratório. Agora seguiremos para avaliações complementares, ainda na bancada, mas que são fundamentais para que possamos avaliar se esses dois medicamentos poderão ser levados com segurança para estudos clínicos, testes com humanos infectados. Acreditamos que em cerca de duas semanas teremos novos resultados", afirma Rafael Elias, virologista do Cnpem.

Segundo Trivella, o Cnpem está em "força-tarefa sete dias por semana" para encontrar medicamentos que possam auxiliar no combate à pandemia. A previsão é de que em duas semanas os testes in vitro acabem com novos detalhes para a passagem para os testes clínicos. Com os resultados iniciais, os cientistas ficam mais motivados.

"Quando observamos os vírus morrendo em células infectadas e tratadas com os fármacos candidatos, ganhamos fôlego e ainda mais motivação para seguir com os testes complementares que precisamos para que esses candidatos cheguem aos testes clínicos", aponta.

A princípio, o medicamento pode ser utilizado em qualquer fase da infecção. O intuito é impedir que o quadro se agrave e, assim, evitar internações que sobrecarregam o sistema de saúde. Caso o infectado já esteja internado, a intenção é reduzir o tempo que ele fica hospitalizado
Daniela Trivella

A próxima fase dos estudos ajudará também a elaborar um plano para o ensaio clínico. Isso será feito em parceria com a Rede Vírus, montada pelo MCTIC para troca de informações e estudos a respeito do coronavírus no Brasil.

    Como funciona a pesquisa

    A busca por um medicamento envolve o "reposicionamento de fármacos". O que é isso? Eles selecionam medicamentos que já estão nas prateleiras das farmácias, portanto já aprovados para uso humano. Dos 2.000 iniciais o número caiu para 16 que tiveram resultados promissores e, posteriormente, para cinco medicamentos mais promissores, baratos e disponíveis no mercado brasileiro.

    A intenção dos pesquisadores era ver se algum dos milhares de fármacos selecionados poderia interagir com a protease [um tipo de enzima] do coronavírus para evitar sua replicação no corpo humano. Nesta fase da pesquisa, foram feitas análises e simulações computacionais com inteligência artificial para entender quais medicamentos poderiam inibir a enzima e funcionar como um antiviral.

    "Esse encaixe não ocorre de maneira fácil. É como buscar uma chave [medicamento] em um chaveiro cheio delas [muitos compostos]. Essa chave deve se encaixar perfeitamente na fechadura do vírus [locais específicos das proteínas dos vírus capazes de bloquear sua atividade]", diz ao Tilt Trivella.

    "Estas regiões específicas das proteínas virais são importantes para realizar reações químicas, infectar células humanas e propagar o material genético viral —fases fundamentais de uma infecção. Por isso, são estas fechaduras que miramos", aponta Trivella.

    Com os cinco compostos selecionados, a pesquisa entrou em uma nova fase de análise in vitro — em cultura de célula com contato direto com o vírus. A intenção é ver, na prática, como os compostos e medicamentos selecionados interagem de fato com o coronavírus.

    Outros candidatos

    Várias pesquisas já mostraram eficácia de remédios contra o coronavírus in vitro. Estudos internacionais apontaram primeiro a cloroquina com um papel importante na replicação do organismo invasor.

    A própria OMS (Organização Mundial da Saúde) organiza testes clínicos para entender a eficácia em humanos de outros medicamentos já testados com sucesso in vitro - entre eles, o remdesivir, lopinavir, emitine e outros.

    Na última semana, pesquisadores australianos afirmaram que testes in vitro com a droga ivermectina, um antiparasitário usado normalmente para combater piolhos, eliminaram totalmente o coronavírus de células infectadas em 48 horas, sendo que em 24 horas já restava pouco material genético do vírus.

    Todos os medicamentos citados ainda estão em fase de testes para ter a eficácia comprovada em humanos. Achar um remédio contra a covid-19 é visto como prioridade no momento para aliviar hospitais, já que uma vacina só deve ficar pronta no próximo ano.

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