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Thiago Gonçalves

REPORTAGEM

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Como seria um bate-papo em Marte? Velocidade do som surpreende cientistas

Ilustração do robô Perseverance, responsável pela descoberta da propagação do som no planeta Marte - Nasa
Ilustração do robô Perseverance, responsável pela descoberta da propagação do som no planeta Marte Imagem: Nasa

31/03/2022 04h00

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Cientistas conseguiram medir recentemente a velocidade do som no planeta Marte, e se surpreenderam com uma propriedade curiosa: essa velocidade depende da frequência. Ou seja, sons mais agudos se propagam mais rapidamente. A medida foi realizada com instrumentos a bordo do robô Perseverance, que começou a funcionar há pouco mais de um ano.

Não que isso vá afetar qualquer conversa no planeta vermelho; afinal, a atmosfera lá é tênue e composta majoritariamente de dióxido de carbono, o que obrigaria astronautas a usar capacetes e utilizar comunicação por rádio todo o tempo. Mas ainda é curioso pensar como seria um bate-papo em Marte.

Já sabíamos que a velocidade do som seria diferente por lá, quando comparada à da Terra. Afinal, essa propagação depende da temperatura e da densidade do meio. O som se propaga muito mais rápido na água do que no ar, por exemplo, graças à proximidade das moléculas em um meio líquido.

Assim, tendo em vista que a atmosfera marciana é 100 vezes menos densa que a da Terra, não houve surpresa quando mediram uma velocidade de 240 metros por segundo. Isso é consideravelmente mais lento que o som terrestre, que viaja a cerca de 340 metros por segundo.

O curioso foi verificar que essa velocidade dependia também da frequência. Os pesquisadores descobriram que sons mais agudos, com frequências maiores que 240 Hz, percorrem a atmosfera cerca de 10 metros por segundo mais rápido que os mais graves. Isso corresponde a um tom normal de voz de uma mulher, por exemplo. Ou seja, se você está cantando notas agudas de uma música elas chegariam mais rápido à plateia que as notas mais graves.

Segundo os autores, isso acontece justamente por causa da composição química da atmosfera.

As moléculas de dióxido de carbono não conseguem se relaxar rápido o suficiente para ondas sonoras de alta frequência, uma consequência particular da mecânica quântica agindo sobre a vibração das partículas. Dessa forma, acabam transmitindo ruídos agudos mais rapidamente.

Descoberta oportunista

Outro ponto curioso do trabalho é a metodologia. No estudo, os cientistas utilizaram um microfone instalado no robô Perseverance, que está a aproximadamente 2 metros do solo.

O microfone tem um objetivo completamente distinto, no entanto. O robô pode emitir pulsos de laser, que geram vibrações no solo que serão detectadas como som pelo microfone. O instrumento existe para estudos geológicos do solo marciano, enquanto o robô escava rochas e amostras para estudos.

Mas a equipe liderada por Baptiste Chide, do Laboratório Nacional de Los Alamos, nos Estados Unidos, viu a oportunidade de um uso mais criativo para o microfone.

Ao analisar os intervalos entre as emissões dos pulsos de laser e o "eco" registrado pelo microfone, puderam medir a velocidade do som com precisão de 0,5%.

O trabalho tem um impacto importante para o estudo meteorológico de Marte, pois a velocidade do som também depende da temperatura da atmosfera.

Ainda assim, além da importância científica, fica a curiosidade de imaginar como seria assistir um show de música no planeta vermelho.