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Thiago Gonçalves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Buraco negro apontado para a Terra é uma ameaça? Veja o que a ciência diz

Ilustração de blazar, um buraco negro supermassivo, emitindo raios gama e neutrinos em direção à Terra - IceCube/NASA
Ilustração de blazar, um buraco negro supermassivo, emitindo raios gama e neutrinos em direção à Terra Imagem: IceCube/NASA

21/06/2023 04h00

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Eu vi recentemente uma matéria que falava sobre um buraco negro apontado diretamente para a Terra. E como isso não seria um problema para nós.

Realmente, o buraco negro não é o problema; para mim, o problema são os clickbaits que alguns acreditam ser necessários para falar sobre ciência.

A notícia é verdadeira, há um buraco negro apontado para a Terra. Na verdade, conhecemos cerca de 2700 destes buracos negros, também chamados de blazares.

Quando os buracos negros supermassivos foram descobertos —isto é, aqueles com massas milhões ou bilhões de vezes maiores que o Sol e que habitam o centro de galáxias—, os cientistas não conseguiam entender muito bem o que viam. As propriedades observacionais destes monstros cósmicos eram muito variadas.

Aos poucos, descobrimos que na verdade estávamos observando o mesmo fenômeno, visto de maneiras diferentes.

Alguns buracos negros parecem mais avermelhados. Neste caso, isso acontece porque estamos observando "de lado" o disco de matéria brilhante ao redor do buraco negro, através de uma espessa camada de poeira que o envolve como uma rosquinha gigante. Essa poeira bloqueia grande parte da luz emitida pelo disco e deixa passar sobretudo a radiação infravermelha. São os núcleos ativos de tipo II.

Quando estamos vendo o objeto "de cima", no entanto, conseguimos ver o disco sem a interferência da poeira. São objetos que emitem mais radiação ultravioleta e raios-X, os núcleos ativos de tipo I.

Finalmente, sabemos também que os buracos negros supermassivos são capazes de produzir poderosos jatos de radiação, muito finos. Nos raros casos em que o jato está diretamente apontado em nossa direção, o objeto é classificado como um blazar.

Isso representa algum perigo para nós? Não, absolutamente. Afinal, os objetos estão a milhões (ou bilhões) de anos-luz de distância, e o pouco de radiação do jato que chega até aqui é geralmente muito fraco para que possamos ser capazes de perceber sua existência sem o auxílio de poderosos telescópios.

Os blazares produzem, por exemplo, ondas de rádio extremamente energéticas. Ainda assim, dadas as enormes distâncias envolvidas, sabemos que toda a energia captada por radiotelescópios na história da radioastronomia (um campo que começou há cerca de 60 anos) não seria capaz de derreter um único floco de neve.

Com isso em mente, fica a pergunta: por que a necessidade de mencionar, logo nas manchetes, que o buraco negro está apontado para nós?

É puro cilckbait, ou seja, o famoso caça-cliques de jornais e redes sociais para que você se sinta de alguma forma compelido a ler a matéria.

É o mesmo que os asteroides que passam "perigosamente" próximos à Terra — embora estejam efetivamente a distâncias muito maiores de nós que a Lua.

Será que não podemos encontrar uma forma de chamar a atenção do público sem recorrer ao alarmismo? Afinal, o universo não está aqui para nos matar; é um lugar com muito espaço vazio, e é mais solitário do que perigoso, na minha opinião.

Eu entendo, algum tipo de chamariz é necessário para conseguir se destacar de alguma forma no mar de informação em que vivemos atualmente. Mas eu gostaria que houvesse maior envolvimento do público com a ciência, de maneira que esse comportamento não fosse necessário. Para que pudéssemos chamar a atenção para a descoberta, para o conhecimento buscado, não porque os jornais querem passar a impressão de que você poderia morrer amanhã devido ao ataque de um buraco negro assassino.

Isso só será possível quando houver algum tipo de conexão emocional da sociedade com os cientistas, para que possam realmente se sentir como participantes do processo de descoberta. Caso contrário, seguiremos reféns das manchetes jornalísticas do cosmos que quer nos matar.