Como convite para publicar meu trabalho revela a mercantilização da ciência
Esta semana eu recebi um email de uma revista de ciências sociais. A mensagem dizia que haviam visto meu artigo sobre protoaglomerados de galáxias e estavam me convidando a publicá-lo no periódico, pela módica quantia de R$ 700.
Sim, eu, astrônomo, fui convidado a publicar em uma revista de ciências sociais. Um artigo sobre formação de galáxias no universo distante.
Vejam como o "convite" é na verdade um comportamento típico de revistas predatórias, que buscam publicações de forma agressiva, por uma quantia abusiva.
Para mim, o pior não é a atitude da revista em si, mas sim o ambiente acadêmico que permite e estimula tal atitude.
É a predominância de um modelo antiquado e deturpado de produtividade científica.
Não importa mais a ciência que fazemos, o impacto que isso possa ter ou como o resultado da pesquisa pode afetar a vida de pessoas. A medida principal da suposta produtividade de pesquisadores é o número de artigos publicados.
Pode parecer exagero, mas é importante ressaltar como isso tem um impacto enorme em nossa capacidade de trabalhar.
Todos os meus pedidos de financiamento para que eu possa comprar equipamentos ou viajar para participar em conferências e encontros internacionais com colaboradores estrangeiros passa pelo crivo da avaliação de minha "produtividade".
Ora, visto dessa forma, o investimento de R$ 700 parece até razoável, não?
Mas será que é esse tipo de comportamento que queremos estimular?
Ou será que, ao invés de usar a verba para apoiar a pesquisa de qualidade, estamos dobrando as regras do jogo, deturpando a pesquisa para conseguir mais dinheiro?
É o velho caso da cobra que devora o próprio rabo.
Alguns podem pensar que é um problema exclusivo brasileiro, mas isso seria incorreto. Temos nossas especificidades, claro, mas é importante lembrar que isso é um problema universal, discutido em institutos de pesquisa em todo o mundo.
Tampouco devemos pensar que por isso a ciência brasileira é ruim. Temos diversos pesquisadores de ponta, autoridades internacionais em campos tão diversos como a Geografia ou Neurociências.
O problema é como o sistema atual sufoca pesquisadores jovens que nem sempre têm as mesmas oportunidades de crescer por não estarem, de saída, associados a grupos de pesquisa de alta produção bibliográfica.
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Quero receberO sistema sufoca a criatividade e a tomada de riscos, favorecendo aqueles que já têm mais acesso a recursos e aumentando as desigualdades existentes.
De qualquer forma, é importante que o governo brasileiro, através de suas agências de fomento, pense o problema de forma crítica.
Não podemos simplesmente propagar o modelo como se fosse o correto, mas sim considerar alternativas para garantir que pesquisadores dedicados tenham oportunidades de crescer e fazer ciência de ponta.
O maior desafio talvez seja o status quo. Os mesmos cientistas considerados mais produtivos são aqueles com assento cativo nos comitês de avaliação.
Quem será visto mais favoravelmente por esse comitê: os jovens com ideias radicais ou aqueles que seguem o mesmo modelo que sempre favoreceu os avaliadores?
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