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OPINIÃO

Talento, bunda e visão de negócios. Como Anitta explodiu com sucesso na web

Claudia Assef

Colaboração para Splash

25/03/2022 09h06

Enquanto escrevo este texto, a cantora Anitta deve estar abrindo uma garrafa de champanhe com uma mão e girando o globo terrestre com a ponta do dedo indicador da outra. Ou pelo menos deveria.

É que seu single "Envolver", lançado originalmente em novembro de 2021, escalou o topo da parada mundial e se consagrou entre as músicas mais ouvidas no mundo todo, em plataformas como Spotify (onde estava na segunda posição até as 16h desta quinta), YouTube (onde ultrapassou 66 milhões de visualizações, tornando-se o oitavo clipe mais visto do globo) e do TikTok, onde a trend (ou desafio) feita em cima da coreografia do clipe passou de 1 bilhão de views.

Essa soma de fatores faz de Anitta a artista brasileira mais ouvida/vista da era digital, ou seja, desde quando se pode medir popularidade através de redes de streaming.

A receita porto-riquenha

Em Anitta, a genialidade e a estratégia se somam à sorte, e eu explico o motivo. Essa não é a primeira vez que a cantora investe em reggaeton, gênero do qual já brotaram alguns dos maiores sucessos latinos já produzidos, aqueles que simplesmente qualquer pessoa no planeta conhece e sabe cantar (puxa pela memória "Gasolina", "Despacito", "Havana", que não é exatamente reggaeton, mas inspirada no gênero).

Há quem defenda que o reggaeton tem origem no Panamá, outros argumentam que trata-se de uma vertente do reggae jamaicano nascida e criada em Porto Rico, nacionalidade da maioria dos cantores de reggaeton.

O termo reggaeton foi usado pela primeira vez em 1992, quando Daddy Yankee e DJ Playero usaram o nome na mixtape [fita cassete com demos] "Playero 36" para descrever o novo gênero underground emergente de Porto Rico, que combinava hip hop e dancehall com rimas de rap cantadas em espanhol.

Álbum trilíngue

Em sua estratégia de conquistar continentes como se fosse um jogo de War, usando a mesma arma que fez explodir artistas como Daddy Yankee, Shakira e Enrique Iglesias, Anitta já havia feito colaborações com nomes estrelados do gênero, como Lenny Tavárez ("Que Vamo' Hacer?"), Arcangel & De La Ghetto ("Tócame"), Cardi B (que é mais conhecida como rapper) e Myke Towers ("Me Gusta"), J Balvin ("Downtown") e também aparecido em incursões solo, como as músicas "Juego" e "Atención", ambas do disco "Kisses", lançado em 2019 com a proposta de ser um álbum trilíngue (em espanhol, inglês e português).

anitta - Reprodução/YouTube - Reprodução/YouTube
Cena do clipe de "Envolver", hit de Anitta que chegou ao topo do Spotify Global
Imagem: Reprodução/YouTube

Ancorado no reggaeton e outros gêneros urbanos, como trap, funk e música eletrônica, "Kisses" ganhou duas indicações ao Grammy latino e teve participações de Snoop Dogg (que entrou em contato com a cantora depois de assistir ao documentário da Netflix "Vai Anitta") e Caetano Veloso, parceria que nasceu depois da apresentação dos dois, com Gilberto Gil, na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2016, no Estádio do Maracanã.

Mais que reggaeton

Voltemos aos últimos acontecimentos envolvendo Anitta e sua explosão com "Envolver". A música foi peitada pela cantora, já que, segundo a própria, sua gravadora não via muito futuro no lançamento.

Sem o mesmo aporte de "Boys Don't Cry", faixa lançada em janeiro deste ano, voltada para o mercado norte-americano, cantada num inglês impecável e produzida por um grupo de suecos ninjas em bombar música pop, "Envolver" teve videoclipe de baixo orçamento, dirigido pela própria Anitta, rodado num estúdio sem grandes produções.

Só que Anitta sabe jogar e chamou para campo uma das coreógrafas mais requisitadas do pop, a americana Aliya Janell Brinson, criadora das aulas de dança stiletto, e, para sensualizar com ela, convidou o modelo marroquino Ayoub, famoso pelo seu perfil repleto de dancinhas sexy (e milhões de likes) no TikTok.

A tal da sorte

Sem dúvida houve química entre Anitta e o marroquino durante as gravações de "Envolver". Mas a faísca que fez o fogo pegar que nem brasa num palheiro veio meses depois do lançamento do clipe, quando Anitta começou a apresentar a música ao vivo.

Durante os shows, Anitta recria um dos trechos da coreografia do clipe, quando ela se joga no chão como se fosse fazer uma flexão e começa a rebolar num grau nada aconselhável para principiantes. Várias dessas performances começaram a pipocar nas redes sociais, em especial uma gravada pelo fã David Silva, que tem um perfil no TikTok recheado de vídeos da cantora gravados ao vivo.

Os vídeos, com milhões de visualizações, viralizaram e nasceu em espanhol a trend "el paso de Anitta" (o passo da Anitta). A própria Anitta postou o vídeo de David, e o vírus da dancinha começou a correr o mundo, com direito a uma hashtag com mais de 1 bilhão de views e participações de famosos copiando a difícil missão de rebolar no chão fazendo prancha.

De uma lado um desafio bombado, que já fez famosos como Ana Maria Braga, Gil do Vigor, Deborah Secco e Miley Cyrus (com quem Anitta deve fazer uma participação no Lollapalooza neste sábado, aliás) se jogarem no chão. Do outro, uma cantora que tem total domínio sobre as peças de seu tabuleiro; domina muito bem os idiomas que se propôs a aprender (inglês e espanhol), sabe escolher as pessoas certas para trabalhar e gosta de atiçar o público a seu favor, ainda que parte dele a critique.

Como já falamos aqui na época do lançamento de "Boys Don't Cry", Anitta caminha em direção ao topo da pirâmide da música pop, goste você ou não desse fato. Suas próximas paradas até chegar ao topo estão logo ali adiante, em abril: duas apresentações no Coachella (dias 16 e 23), um dos festivais de música mais respeitados do mundo, e um disco, "Girl From Rio", homônimo de sua música lançada em 2021, com previsão para o mês que vem.

Da escola de Madonna, que sempre usou o humor combinado com atitudes ousadas para chocar geral, a "Anitta global", falando em espanhol ou em inglês, como vimos recentemente no sofá do americano Jimmy Fallon, tem mesmo tudo para ser "a maior estrela brasileira", como ele mesmo profetizou. Aceita que dói menos.