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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

25 anos de 'Aço', o filme em que Shaquille O'Neil quis se tornar o Superman

Shaquille O"Neil em "Aço" - Warner
Shaquille O'Neil em 'Aço' Imagem: Warner

Colunista do UOL

17/08/2022 04h00

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Os anos 1990 foram tempos estranhos. O rock voltava a ganhar relevância com o Nirvana. Blockbuster era sinônimo de cinema em casa. O mundo vivia o pânico do bug do milênio. E Shaquille O'Neil, ídolo da NBA, acreditou por um momento que poderia se tornar astro em Hollywood.

A bem da verdade, não seria uma ideia assim tão fora da casinha. Um dos maiores jogadores de basquete de sua época, Shaq era também um poço de carisma. Se ele já arriscava a sorte como rapper, não seria difícil o cinemão empacotar aquela energia e vender como produto. Se funcionou para Arnold Schwarzenegger...

O plano, porém, espatifou-se antes mesmo de ter a chance de decolar. "Aço", então somente o segundo filme de Shaq como protagonista, passou de aposta do estúdio a filho rejeitado, sendo despejado nos cinemas há exatos 25 anos para agonizar e morrer sem fazer muito barulho. Com ele, morreu também a ambição hollywoodiana de O'Neil.

steel pose - Warner - Warner
Shaq pronto para virar bonequinho de ação como 'Aço'
Imagem: Warner

Atleta de ascensão meteórica na NBA, Shaquille O'Neil foi um dos primeiros a entender o poder da mídia em capitalizar seu carisma em outras áreas. O cinema parecia um caminho óbvio, e ele fez sua estreia em 1994 no drama esportivo "Blue Chips", território relativamente seguro para começar a nova carreira.

Apesar do quilate dos envolvidos, do diretor William Friedkin ao roteirista Ron Shelton, passando pelo elenco que incluia Nick Nolte, Mary McDonnell e Ed O´Neill, o filme não aconteceu. Shaq, porém, passou relativamente incólume, e os engravatados já enxergavam nele outras possibilidades.

O prenúncio do desastre chegou aos cinemas dois anos depois no equivocado "Kazaam", uma piada ruim em forma de filme que colocou Shaq como um gênio da lâmpada que se torna parceiro de um pré adolescente. Ou seja, tudo errado. Ninguém deu muita importância, já que o atleta era uma máquina midiática poderosa que podia levar uma bolada nas costas.

"Aço", por sua vez, era uma aposta mais sólida. Não tinha como dar errado. O personagem foi criado na efervescência de outro fenômeno midiático, a série em quadrinhos "A Morte do Superman", e era apresentado como "herdeiro espiritual" do Homem de Aço. Cientista brilhante, John Henry Irons construiu uma armadura poderosa para combater o mal.

Um super-herói seria o papel perfeito para Shaquille O'Neill por uma dúzia de fatores, mas um só era o suficiente: o astro revelou ser fã incondicional do Superman, e "Aço" seria uma oportunidade única para, de certa forma, ele interpretar seu ídolo.

Já o diretor do projeto, Kenneth Johnson, não tinha tanta certeza de que Shaq seria a pessoa ideal para assumir um personagem com tantas nuances. Responsável por luminares da cultura pop na TV, como "O Homem de Seis Milhões de Dólares" e, veja só, "O Incrível Hulk", ele queria alguém como Wesley Snipes ou Denzel Washington no projeto.

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Um exemplo de 'grande' cena de ação em 'Aço'...
Imagem: Warner

Em "Aço", John Henry Irons é um projetista de armas que, depois de ver gangues de rua com armamento pesado com sua assinatura, constrói uma armadura de combate para limpar as ruas. Existe um comentário sobre a responsabilidade de quem indiretamente financia uma guerra - isso uma década antes de a Marvel lançar seu "Homem de Ferro". Bem lapidado, o filme poderia deixar sua marca.

Os executivos do estúdio, porém, só enxergavam uma coisa: o caminhão de dólares que certamente a figura de Shaq traria em produtos licenciados. "Batman Eternamente" fez a venda de brinquedos arrebentar dois anos antes, então a fórmula parecia imbatível. A Hasbro já estava inclusive fechada para produzir bonequinhos de "Aço". Fazer um bom filme? Isso é só um detalhe.

A maré, contudo, começou a virar contra o projeto. Pouco antes de as filmagens de "Aço" começarem, o potencial cinematográfico de Shaq foi colocado à prova. "Kazaam", o mesmo que muita gente na indústria acreditava que, por pior que fosse, podia fazer algum barulho com o nome do atleta, finalmente chegou aos cinemas e foi, na falta e uma palavra melhor, uma humilhação.

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Annabeth Gish tinha uns boletos pra acertar em 1997...
Imagem: Warner

Além da surra que recebeu da crítica, "Kazaam" foi um desastre assombroso nas bilheterias. O estúdio perdeu a confiança em Shaq e o orçamento para o marketing de "Aço" foi minguando. Para piorar, dois meses antes da estreia do filme, "Batman & Robin" jogou areia no casamento de Hollywood com super-heróis dos gibis.

Numa jogada desonesta com Shaq, Kenneth Johnson e toda a equipe do filme, o estúdio não lançou "Aço", e sim desovou em um circuito mínimo sem o menor apoio. No fim, a bilheteria não encostou sequer em US$ 2 milhões (nem um décimo do custo do filme), não houve lançamento internacional.

Aqui é o ponto do texto em que eu falo de como a máquina da indústria é injusta, de como um estúdio investe em um filme para depois jogá-lo aos leões. Mas não vou. "Aço" não teria salvação, nem com Wesley, nem com Denzel, nem com um caminhão de dinheiro inflando seu orçamento. É só um filme ruim.

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Shaq e o diretor Kenneth Johnson no set de 'Aço'
Imagem: Warner

Perdão, corrigindo: não é sequer um filme, mas uma desculpa mal-ajambrada para ter um produto midiático que pudesse vender bonequinhos. Foi o mesmo pensamento que os executivos tiveram quando transformaram "Batman & Robin" em um comercial gigante de brinquedos. "Aço", contudo, não é Batman. Ele nunca teve chance.

Shaquille O'Neil, por sua vez, vislumbrou um mundo de fantasia em que ele tomava os céus como o Superman. A realidade, porém, decretou que, depois de "Aço", sua carreira como astro de cinema não sairia do chão.