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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O brilhante 'Um Herói' mostra uma vida esfarelada na era das redes sociais

Amir Jadidi em "Um Herói" - California Filmes
Amir Jadidi em 'Um Herói' Imagem: California Filmes

Colunista do UOL

29/07/2022 04h00

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Existe um traço comum na filmografia do iraniano Asghar Farhadi. Ele retrata o mundano como arte, conferindo a histórias de pessoas reais uma aura de tragédia épica. Não é fácil, nem sempre é agradável, mas seu cinema é hipnotizante e essencial.

As coisas não são diferentes com "Um Herói", que devolve o Irã às suas lentes depois do breve interlúdio "Todos Já Sabem", thriller de elenco internacional, Penélope Cruz e Javier Bardem à frente. Em vez de abraçar um gênero, Farhadi retoma o realismo em uma história sobre segredos e mentiras.

No centro está Rahim (o excepcional Amir Jadidi), que é solto da prisão em uma licença de dois dias para quitar uma dívida com seu ex-cunhado. Incapaz de levantar o dinheiro, ele tenta vender uma bolsa com uma dúzia de moedas de ouro encontrada por sua namorada, mas termina por devolvê-la à sua dona.

O ato aparentemente altruísta dispara uma espiral em que ele é celebrado como "herói" pela mídia, ao mesmo tempo em que vê sua honra colocada em cheque. A situação piora quando seu credor planta a dúvida que a situação poderia ter sido armada em benefício de Rahim.

"Um Herói" é uma pequena tragédia construída por erros. Seu protagonista age, ao mesmo tempo, de forma ingênua e calculista. A câmera de Farhadi não age como régua moral, mas torna-se cada vez mais sufocante quando as pequenas mentiras se acumulam, deixando Rahim num beco sem saída.

A dívida, afinal, também é de honra, moeda corrente muitas vezes mais valiosa do que o dinheiro em si. Ao retratar as minúcias da sociedade iraniana, suas relações de poder e seu trato social, Farhadi constrói em uma abordagem sutilmente imersiva um panorama da condição humana que pode parecer alienígena por sua ambientação, mas que desperta conexão imediata por ser tão universal.

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Amir Jadidi e o diretor Asghar Farhadi no set de 'Um Herói'
Imagem: California Filmes

É curiosa a forma como a destruição de reputações, antes espalhada entre as janelas dos vizinhos, é ampliada de forma irreversível pelas redes sociais. Uma mentira pode ser abafada, discorre "Um Herói", a não ser que ela seja reproduzida na velocidade irrefreável da internet.

Asghar Farhadi pode não estar operando aqui com a mesma verve de seus trabalhos mais festejados, os premiados "Uma Separação" e "O Apartamento". Poucos cineastas, porém, conseguem retratar com tanta naturalidade e empatia a capacidade infinita de o ser humano em esfarelar a própria vida como um castelo de cartas.

Um bom filme não sobe em um púlpito para tecer uma lição de moral, ele deixa que sua história se encarregue de cutucar o público. "Um Herói" triunfa ao ampliar o drama de um homem perdido por suas próprias escolhas em uma trama complexa, provocante e envolvente.