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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Surpresa do ano: novo 'Tico e Teco' não tinha nem o direito de ser tão bom

Os astros de "Tico e Teco: Defensores da Lei" - Disney+
Os astros de 'Tico e Teco: Defensores da Lei' Imagem: Disney+

Colunista do UOL

24/05/2022 15h45

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Sonic Feio. Quando subiram os créditos de "Tico e Teco: Defensores da Lei", eu só conseguia pensar que tipo de gênio louco pensaria em algo tão absurdo e teria a ousadia em tirar do papel.

Mas eu estou me adiantando.

Eu estaria mentindo se dissesse que apertei o play em "Tico e Teco" no escuro. Como se tratava de um longa para a Disney+, esperava um produto redondinho, de expectativas modestas, que não carregava o peso de um lançamento em cinema.

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'Tico e Teco: Defensores da Lei' capricha nas cenas estilo 007
Imagem: Disney+

Pouco mais de uma hora e meia depois, fui tratar de procurar meu queixo, há muito esquecido no chão. Embalado no pacote de "filme infantil", "Tico e Teco" é uma aventura absurdamente envolvente, um filme dinâmico e divertido, um programa assumidamente "para a família", que empolga os pequenos e não trata os adultos como acessório.

É, também, um trabalho de densidade dramática insuspeita, uma história sobre ser diferente, sobre achar sua tribo, sobre buscar a própria identidade. Sobre amizades perdidas e reatadas, sobre olhar para o passado com carinho, sobre superar seus limites. Tudo isso com dois esquilos falantes à frente.

Antes de mais nada, um pouco de história. A dupla Tico e Teco é um produto Disney que teve seu auge nos anos 1990, quando eles deixaram seu papel de coadjuvantes no universo do estúdio para assumir uma série animada em que eles surgiam como investigadores particulares.

Era um barato, deixou saudade e ficou na gaveta da nostalgia ao lado dos Ursinhos Gummy e dos Wuzzles. O novo século, entretanto, tem uma queda nada sutil por propriedades intelectuais de gerações passadas. "Ducktales" teve um reboot, por que não "Tico e Teco"?

Entra em cena o tal "gênio louco" que atende por Akiva Schaffer. Roteirista do "Saturday Night Live" e co-criador do super grupo The Lonely Island (combine com "Michael Bolton" no YouTube e divirta-se), ele também se mostrou grande fã de "Uma Cilada Para Roger Rabbit", inspiração escancarada para esse "Tico e Teco".

Até porque nada me tira da cabeça que o novo filme é ambientado na mesma Los Angeles do clássico moderno de Robert Zemeckis. Uma cidade em que humanos e toons - ou seja, personagens animados - dividem o mesmo ar. Como todo mundo imerso no clima de Hollywood, todos querem seu lugar sob os holofotes.

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Sim, temos humanos: Kiki Layne trabalha com Tico e Teco
Imagem: Disney+

Vale o mesmo para os protagonistas da aventura. Eles se conhecem ainda no colégio, formam um laço de amizade forte e, depois de galgar os passos da fama, são convidados justamente para estrelar a série "Tico e Teco: Defensores da Lei".

A ação aqui acontece décadas após o fim do programa. Tico agora é um vendedor de seguros e há muito não fala com Teco. Este, por sua vez, vive da fama pregressa, juntando uma grana em convenções de fãs ao lado de outros toons desempregados, como Lumière, o castiçal de "A Bela e a Fera", e da heroína Tigresa, que fez parte de uma das formações dos Vingadores em desenho animado.

Quando um amigo da dupla desaparece, e a suspeita é que ele tenha sido levado por uma gangue especializada em produzir animações piratas de sucessos do passado, Tico e Teco - que fez uma "cirurgia cosmética" e agora é um personagem digital - precisam formar uma aliança forçada, remendar as feridas do passado e, assim como faziam em sua série de aventura, salvar o dia.

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Tico e Teco retomam a parceria em seu primeiro filme
Imagem: Disney+

Daí em diante é só alegria. Se a trama não traz muita novidade - é um thriller policial padrão, com surpresas e traições e capangas pouco inteligentes -, a execução é, para dizer o mínimo, brilhante.

A começar pela interação dos humanos com os toons, fluida sem maiores explicações. Ao lado dos roteiristas Dan Gregor e Doug Mand, Schaffer embala a história com convidados e referências e piadas visuais. Algumas mais sutis, outras bem explícitas, todas geniais (quem diria que Butt-Head seria candidato ao senado).

Ao contrário de "Jogador Número Um", porém, a turma não está em cena promovendo um "Onde Está Wally?", em que os easter eggs são mais interessantes do que a narrativa. Cada participação serve como tempero bem-humorado na composição do mundo de "Tico e Teco".

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A volta do astro: o mundo exige mais Roger Rabbit!
Imagem: Disney+

Não existe, claro, a sofisticação de "Uma Cilada Para Roger Rabbit" (ele mesmo aparece em uma ponta). Não há o assombro visual de uma visita à Toontown. "Tico e Teco", porém, segue o mesmo espírito.

Não o espírito do pós-Guerra, com os veteranos, animados ou não, tentando juntar os cacos de sua vida, às vezes procurando alívio no fundo de uma garrafa. O clima aqui é da pós-ironia, da vida espelhada em redes sociais, da fama como bem de consumo, da nostalgia embalada como produto.

O grande barato em "Tico e Teco: Defensores da Lei" é observar como seu mundo é um reflexo do nosso, com a diferença que não temos aqui o ponto de vista lúdico como alívio para a realidade pesada. Não dividimos o metrô com a Peppa Pig.

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Sonic Feio é, em nosso coração, o verdadeiro astro do filme
Imagem: Disney+

Também não temos He-Man e Esqueleto juntos assinando autógrafos em convenções de fãs. Nem mesmo "E.T. vs. Batman", um filme que eu daria um braço para assistir. É insano imaginar os acordos assinados para ter esses personagens em um produto Disney!

Nenhum deles, claro, é tão sensacional quanto o Sonic Feio. Você sabe exatamente quem é: a primeira versão do personagem dos games, apresentado no primeiro trailer do primeiro filme, depois rejeitado pelos fãs com tanta fúria que seu design foi refeito para ficar mais fiel ao herói do jogo.

Sonic Feio, assim como vários de seus colegas deixados de lado pela mídia, também luta por um lugar ao Sol. Enquanto isso, ganha um trocado assinando autógrafos em convenções de cultura pop. Os boletos, claro, não deixam de chegar. Sonic Feio é gente como a gente.