Roberto Sadovski

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Opinião

'Ghostbusters: Apocalipse de Gelo' derrete ao se apegar demais ao passado

Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. No cinema é a mesma coisa. Às vezes, um filme atinge o alvo criativo e financeiro por uma combinação aleatória de fatores — o elenco certo, a história sintonizada ao zeitgeist, a direção perfeita. Os estúdios, essas entidades amorfas e guiadas por números, tentam reproduzir incessantemente o fenômeno. Mas a natureza é uma senhora teimosa.

Não que continuações de pérolas pop como "Jurassic Park", "Homens de Preto", "Piratas do Caribe" e "Transformers" sejam sempre ruins. Não são, e não é o caso. Só que nenhuma delas conseguiu recolocar o gênio na garrafa. Nada reproduziu o impacto, o entusiasmo e o frescor dos originais. A regra é a mesma para "Ghostbusters".

"Apocalipse de Gelo" é o quinto filme da série. Depois de "Mais Além", reboot de 2021 que fez a marca "Ghostbusters" substituir o título "Os Caça-Fantasmas", o que temos é produto de uma linha de montagem. Competente, claro. Mas a estrutura com jeitão de improviso no texto assinado por Dan Aykroyd e Harold Ramis em 1984 deu lugar a uma história quadrada, conservadora e indecisa.

Ernie Hudson e Bill Murray em 'Ghostbusters: Apocalipse de Gelo'
Ernie Hudson e Bill Murray em 'Ghostbusters: Apocalipse de Gelo' Imagem: Sony

Se a nostalgia é o motor que impulsiona a cultura pop, aqui ela surge como freio. A devoção ao passado, essa insistência em não desapegar de um filme lançado há quatro décadas, impede que a marca encontre um novo caminho. "Mais Além" deu a impressão de ter completado essa conexão com a aventura original para seguir em frente, mas "Apocalipse de Gelo" dá um passo para trás ao não resistir em misturar o velho e o novo.

Se a premissa do filme dirigido por Gil Kenan (Jason Reitman assina como roteirista e produtor) é relativamente simples — os caça-fantasmas precisam impedir que uma entidade ancestral diabólica destrua o mundo em uma nova era glacial —, a execução é desnecessariamente complicada.

Temos drama familiar, angústia adolescente, problemas com as autoridades, romance do além, uma história de mistério, combate ao etarismo, um sujeito descobrindo seu legado, novos fantasmas, velhos fantasmas. A impressão é ter 47 filmes diferentes espremidos no ECTO-1.

Paul Rudd e Carrie Coon checam o estrago em 'Ghostbusters: Apocalipse de Gelo'
Paul Rudd e Carrie Coon checam o estrago em 'Ghostbusters: Apocalipse de Gelo' Imagem: Sony
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Se for para escolher uma única protagonista, eu fico com Phoebe Spengler (McKeena Grace), que aos 15 anos parece ser a única a entender o fardo e a responsabilidade de ser uma caça-fantasmas. Ela vive no quartel-general da equipe em Nova York ao lado da mãe (Carrie Coon), do irmão (Fill Wolfhard) e de Paul Rudd, a quem ela trata mais como colega de profissão do que como padrasto.

Quando o prefeito (William Atherton, o mais perfeito canalha do cinema desde os anos 1980) ameaça interromper as atividades ectoplásmicas dos Ghostbusters, Phoebe é proibida de sair em campo — ela precisa "ser só uma adolescente" até atingir a maioridade. Seu drama juvenil é compartilhado com uma amiga incomum, Melody (Emily Alyn Lind) — que, veja só, calha de ser fantasma.

Tudo isso é moldura da trama que envolve uma relíquia do começo do século 20, seu guardião involuntário (Kumail Nanjiani) e a entidade poderosíssima trancafiada no artefato. Sua ameaça é explicada com a adição de ainda mais personagens (olá, Patton Oswalt!) que falam sem parar em cenas intermináveis. Quando as engrenagens de "Apocalipse do Gelo" finalmente se movem, tudo é amarrado de forma apressada e anticlimática.

McKeena Grace enfrenta a adolescência em 'Ghostbusters: Apocalipse de Gelo'
McKeena Grace enfrenta a adolescência em 'Ghostbusters: Apocalipse de Gelo' Imagem: Sony

É inegável que o conceito de "Ghostbusters" ainda traga um certo charme, e que os personagens de Dan Aykroyd (Ray é o dicionário vivo de todas as coisas sobrenaturais) e Ernie Hudson (Winston é quem financia toda a operação) sejam de fato importantes. Por outro lado, Bill Murray não esconde o tédio e é praticamente um turista, já que Peter Venkman não tem o que fazer. Vale o mesmo para o gosmento Geleia e a bibliotecária fantasma, que mal compensam a gag e só existem como afago ao passado.

A indecisão em seguir apenas uma história, somada à devoção exagerada aos passos do filme de 1984, impedem que "Ghostbusters: Apocalipse de Gelo" decole. Não é uma experiência desagradável, e tampouco é pecado se assumir como produto corporativo. Algumas piadas funcionam e o elenco é simpático. Mas, no fim, é só mais um filme.

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Não que faça alguma diferença. O mercado, afinal, exige que fantasmas sejam caçados. Da mesma forma, o parque dos dinossauros jamais encerrará suas atividades, os aliens na Terra seguirão sob vigilância e os robôs alienígenas gigantes continuarão a vender toneladas de brinquedos. É nostalgia embalada nas prateleiras, pop e esquecível. E só. Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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