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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Poético e sangrento, 'O Homem do Norte' é um dos grandes filmes do ano

Alexander Skarsgård em "O Homem do Norte" - Universal
Alexander Skarsgård em 'O Homem do Norte' Imagem: Universal

Colunista do UOL

11/05/2022 18h26

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A história ensina. Algum executivo de estúdio, um sujeito acostumado a regras e convenções, até podia esperar que o diretor Robert Eggers, depois de criar um par de filmes modestos em escopo e gigantes em ambição, diminuísse a intensidade de sua narrativa na mesma proporção em que seu orçamento aumentava.

Bom, se esse engravatado existir, fico feliz em anunciar que ele quebrou a cara. Com "O Homem do Norte", o responsável por "A Bruxa" e "O Farol" teve merecidamente uma caixa de brinquedos mais ampla à disposição. Mas em nenhum momento Eggers sacrificou seu estilo ou sua personalidade.

"O Homem do Norte" não é, portanto, um "produto" da forma convencional. É cinema com uma visão artística, sem concessões. Se essa integridade de alguma forma prejudica suas possibilidades comerciais, bom, aí é problema de quem se preocupa somente com o tamanho do orçamento e os resultados nas bilheterias.

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Vikings em fúria antes de fazer o que fazem melhor: massacrar
Imagem: Universal

Para o resto de nós, mortais, "O Homem do Norte" é uma experiência brutal, um filme sujo e sangrento que percorre caminhos familiares ao traduzir, no fio da espada e na força da vingança, a lenda escandinava de um príncipe que faz do ódio o combustível para sua própria existência.

À frente da história está Alexander Skarsgård. Seu fascínio pela mitologia viking o levou ao papel do príncipe Amleth, que ainda criança testemunhou o assassinato de seu pai, o rei Aurvandill (Ethan Hawke), pelas mãos de seu tio, Fjölnir (Claes Bang). Exilado, ele molda seu corpo em uma arma com o único objetivo de resgatar sua mãe (Nicole Kidman) e decapitar o fraticida.

Sua jornada encontra um ponto de virada quando Amleth, já adulto, viaja ao lado de vikings, pilhando aldeias e massacrando inocentes. O encontro com um oráculo (Björk, afastada do cinema desde o projeto "Drawning Restraint 9", de 2005) o faz ser tomado deliberadamente como escravo em uma jornada até a Islândia, onde seu tio vive em exílio, lugar em que sua vingança finalmente pode ser saciada.

Não é ao acaso que a trama de "O Homem do Norte" soe familiar. A lenda de Amleth foi a inspiração para William Shakespeare escrever seu "Hamlet". Essas mesmas histórias guiaram o escritor pulp Robert E. Howard ao criar Conan, o bárbaro, cuja trajetória de certa forma espelha a do guerreiro viking.

A tradição oral de contar histórias, prática que sempre fascinou Robert Eggers, dita que o mesmo conto seja regurgitado constantemente de formas diferentes. A maior prova é justamente "O Homem do Norte": não é o conteúdo que conduz a narrativa, e sim a forma como ela é apresentada.

É justamente aí que a mão de Eggers é essencial para elevar "O Homem do Norte" a um patamar de onde ele enxerga seus pares do alto. Sua intenção não é criar um "épico" de espada e feitiçaria. Não existe uma profusão de locações, ou cenas de batalha, ou mesmo ameaças sobrenaturais. Com um trabalho de direção impecável, ele remove todos os excessos para se concentrar no cerne brutal de sua história.

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Alexander Skarsgård e Anya Taylor-Joy em raro momento de respiro
Imagem: Universal

O paralelo com "Conan, o Bárbaro", filme com Arnold Schwarzenegger, fica então mais explícito. Quando o diretor John Millius levou o cimério ao cinema em 1982, ele buscou entender seu conflito, o que o movia. A ação e a ambientação eram um papel de parede.

A diferença básica é que "Conan" entrecortava o sangue que brotava da lâmina da espada com uma intenção filosófica. Millius buscava entender aquele mundo de selvageria sob o olhar de um bárbaro que era puro id, instintos primordiais e desejos inconscientes. "O Homem do Norte", por sua vez, preenche os espaços com poesia, fazendo com que uma história sobre vingança se desenvolva com arquétipos que são, depois, representados por lendas: deuses guerreiros, valquírias, os portões do inferno, o caminho para Valhalla.

Esse conjunto de ideias é embalado por Robert Eggers em uma aventura intensa, por vezes romântica, plasticamente inebriante e narrada pelo melhor time de atores que o cinema produziu - entre eles alguns "parceiros" do diretor, como a espetacular Anya Taylor-Joy, o onipresente Ralph Ineson, e Willem Dafoe, catalisador de uma das visões de Amleth.

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O diretor Robert Eggers com a mão na massa
Imagem: Universal

O cinemão, mais e mais, torna-se palco de produções extremamente caprichadas que, muitas vezes, complementam uma história segura. Não há riscos. Tudo bem, é entretenimento, é um mundo longe das imperfeições do nosso mundo.

Justamente por isso que é revigorante abraçar uma experiência como "O Homem do Norte", que embala conceitos básicos como honra, punição, sacrifício e justiça em um filme com sangue nos olhos, estranhamente elegante, e capaz de surpreender ainda que entregue exatamente o que dele se espera. Desde já, é um dos melhores filmes do ano.