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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Diversidade, realismo e ação: 'Alemão 2' supera em tudo seu antecessor

A ação é a tônica de "Alemão 2" - Vitrine Filmes
A ação é a tônica de 'Alemão 2' Imagem: Vitrine Filmes

Colunista do UOL

30/03/2022 04h00

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"Alemão 2" é um filme de ação. Nessa continuação do sucesso lançado em 2014, o diretor José Eduardo Belmonte mantém o olho firme na crítica social, amplia a diversidade como reflexo do mundo real e cria um recorte preciso do cotidiano policial carioca. Mas as partes se encaixam mesmo ao assumir o filme de gênero.

No Brasil é difícil criar uma aventura que aposte na adrenalina, mesmo sem perder de vista as entrelinhas que enriquecem a narrativa. O cinema de ação ainda é visto, mesmo de forma velada, como um gênero "menor", evitado muitas vezes como artifício para não comprometer a "arte". Besteira.

A escolha em mergulhar "Alemão 2" no recorte específico de um cinema pouco identificado na produção nacional elevou os outros elementos do filme. Em meio à tensão, a relação entre os personagens ganha um desenho melhor definido. A fluidez do texto segue em uma história também preocupada com geografia, com o ambiente em que ela se desenvolve. O clímax, com essa progressão, torna-se mais catártico. No fim, todos ganham.


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Vladimir Brichta à frente dos policiais civis em 'Alemão 2'
Imagem: Vitrine Filmes

O roteiro, assinado por Thiago Brito e Marton Olympio, é mais sólido que o do filme original, apresentando uma diversidade de personagens mais representativa da realidade que o filme busca simular. "Alemão 2" aposta no limite do realismo para que, mesmo com situações corriqueiras na crônica policial do Rio de Janeiro, siga como ficção.

A melhor decisão foi deixar as pontas de seu antecessor para trás. A única personagem que retorna é Mariana (Mariana Nunes), ex-amante do traficante Playboy (Cauã Reymond, que não retorna aqui), ainda moradora do Complexo do Alemão, onde busca criar seu filho longe da influência do crime e também da polícia.

A trama se passa nove anos depois, quando um grupo de policiais civis liderado por Machado (Vladimir Brichta) entra no Complexo para capturar Soldado (Digão Ribeiro), novo líder do tráfico do morro depois da falência das UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora implantadas na comunidade. Quando a operação dá errado, a equipe, que também traz Freitas (Leandra Leal) e Ciro (Gabriel Leone), fica presa em meio a uma guerra de facções que envolve jogadores mais poderosos que os criminosos no Alemão.

O escopo e a ambição de "Alemão 2", mais uma vez produzido por Rodrigo Teixeira, são claramente maiores que o filme de 2014. Se antes a trama concentrava-se em policiais presos em uma pizzaria enquanto o exército invadia o morro, agora a ação espalha-se pelas vielas e casebres da comunidade, com policiais claramente em desvantagem ante o poder bélico e estratégico de seus perseguidores.

Com este cenário, Belmonte sente-se à vontade para desenvolver personagens que habitam uma gigantesca área cinzenta, em que a definição de "mocinhos" e "bandidos", abusada de forma tão desonesta no Brasil de 2022, ganha novos contornos. Machado e Soldado, sobreviventes à sua maneira da intervenção original do Alemão, descobrem que a linha que divide suas trajetórias é mais tênue do que possa parecer.

A busca pelo equilíbrio dramático promovida pelo texto ganha clareza com os personagens de Leandra Leal e Gabriel Leone. Freitas é o retrato da polícia ideal, mais humanizada, que busca entender a situação e trabalhar com inteligência antes de se jogar no conflito. Ciro, por sua vez, representa a truculência que mancha a imagem da corporação, um policial adepto a tortura e a "balear bandido". Certeza que esse tipo agrada uma fatia mais ignorante da população.

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A violência no morro é constante na vida de Soldado (Digão Ribeiro)
Imagem: Vitrine Filmes

"Alemão 2" não tem a complexidade histórica de "Cidade de Deus", e nem o vigor pop de "Tropa de Elite". Mas consegue, dentro da estrutura do cinema de ação, traçar uma história envolvente por ser tão familiar, por estar tão presente em nosso cotidiano, no noticiário de vidas descartadas e soluções inexistentes.

Melhor ainda: o filme de Belmonte não busca respostas fáceis, assumindo que muitas vezes sequer temos coragem de formular as perguntas. O que ele provoca, entretanto, é uma reflexão - sobre que polícia queremos, sobre nossa responsabilidade ante um problema social crônico. Nos tempos sombrios em que hoje vivemos, é um alento ainda ver a arte cumprir esse papel.