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Renata Corrêa

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Carla Diaz e o Esquerdomacho: um conto de fadas moderno

Carla Diaz abraça Arthur, que está sob o cobertor - Reprodução/Globoplay
Carla Diaz abraça Arthur, que está sob o cobertor Imagem: Reprodução/Globoplay

Colunista do UOL

24/03/2021 12h38

Moça, você tem que entender que a desigualdade social é fruto dos interesses da elite composta pelo capital financeiro, latifundiários e grandes corporações. Não adianta ser reformista, o capitalismo tem que cair.

A Moça em questão sabe de tudo isso; mas está sentada na mesa do boteco, com uma roupa boa, uma calcinha nova, um babyliss no cabelo, enquanto toma uma cerveja nota sete e observa a boquinha linda do rapaz terminar a palestra. Ela só queria transar, mas do mais absoluto nada ganhou um Ted Talk sobre assuntos variados: aquecimento global, o golpe em Mianmar, necropolítica, fake news, poliamor.

Diante de uma realidade onde parte da população acredita em terra plana, que o coronavírus vem das antenas de 5G e que a vacina é uma conspiração para controlar a população com um chip, a Moça começa a achar que o homem na sua frente é mais que razoável. É inteligente, sexy, gostoso e principalmente: não é um negacionista maluco. Ganhou pontos, subiu no seu conceito e agora merece, além do seu corpinho por uma noite, o seu afeto.

Parabéns Moça! Você acaba de cair na conversa fiada de um Esquerdomacho.

Amigas de diversas classes sociais e orientações políticas já caíram, afinal o Esquerdomacho tem diversos tamanhos e formas. Pode ser o magrinho com bigode ralo que fala poesia ou o crossfiteiro esclarecido. O militante do movimento estudantil ou o jornalista que se dá suuuuperbem com a ex-mulher. Eles são versados em diversas correntes das ciências sociais, mas só tiram nota vermelha no feminismo.

Toda mulher tem sempre pelo menos uma amiga passando pelo mesmo drama. Nesta semana a Moça tinha nome e sobrenome: Carla Diaz. E a amiga desesperada era o Brasil que gritava: "Garota, corre daí, você vai morrer!". Arthur era frio emocionalmente, dava migalhas de afeto para manter Carla ao seu lado quando ela cansava de ser maltratada, pedia para a minicascavel Vih Tube e para a cobra criada Sarah apresentarem amigas delas fora da casa e, aos berros, mandou que um homem negro e bissexual deixasse o programa. Mas, entre uma canalhice e outra, apoiava Pocah, que falava de impeachment, e ensinava o agroboy Rodolffo que homofobia é uma coisa ruim e não brincadeira.

O Esquerdomacho raiz é assim: entende tudo na prova escrita, sua cabeça é cheia de informações sobre igualdade, mas na grande prova prática chamava vida ele reprova de forma retumbante. O caminhão de demolição da desconstrução morre antes de engatar a primeira marcha, pois olhar as próprias atitudes em vez de palestrar sobre política é perder privilégios. Arthur é um exemplo perfeito dessa atitude.

A punição de Carla Diaz por ter arriado os quatro pneus por um homem com a profundidade emocional de uma piscininha de plástico infantil foi a sua eliminação no paredão contra Fiuk e Rodolffo. O Brasil ainda acha mais grave uma mulher que cai de amores por um cara babaca do que um homem que faz piadinhas homofóbicas e se incomoda com a simples presença dos homens gays no mesmo ambiente.

Não sou o tipo de pessoa que avalia a temperatura do Brasil por paredões do "Big Brother", mas também não sou ingênua de achar que as votações são uma informação irrelevante sem nenhuma relação com a sociedade em que vivemos. E, desta vez, o recado é claro: o perdão é exclusividade dada aos homens brancos que fazem carinha de cachorro sem dono pedindo uma segunda chance. Para as mulheres, o paredão: seja no reality, no café da manhã do programa de tv e também na vida.