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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Juliette, a mulher, aguenta críticas a Juliette, a cantora. E os cactos?

Juliette Freire e a capa de seu disco: correto, mas linear - Reprodução/Instagram
Juliette Freire e a capa de seu disco: correto, mas linear Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

03/09/2021 08h34

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Juliette está acostumada com quase unanimidades desde que foi criticada por quase todos os moradores da casa do Big Brother, no começo desse 2020, e, justamente por isso, conquistou o Brasil.

O caminho do público foi diametralmente oposto ao dos integrantes do BBB: dona de um carisma sem parâmetros, ela colhe flores por onde passa e pouco lidou com críticas. Mas lançar um trabalho artístico é bem diferente de ser ela mesma — o lançamento do EP Juliette nessa quinta (2) confirma isso.

Grazi Massafera e Sabrina Sato, pra citar as outras ex-BBB que triunfaram na carreira artística, batalharam muito para brilhar aqui fora. Vindas de uma época em que a pessoa física só fazia sucesso dentro de reality show, elas precisaram seguir outras carreiras para continuarem famosas. E lidaram com críticas, estereótipos, machismo e mais para chegarem onde estão.

Os tempos de Juliette são outros: na era dos influencers, ela poderia se firmar sendo ela mesma por muito tempo ainda. Mas quis mais. Ousada, sim. E assim nasceu a Juliette cantora, protegida por uma floresta de cactos. Para o exército de fãs, qualquer crítica é erro de quem está criticando. O meme "você nunca erra" é levado a sério. E ai de quem diga o contrário.

Ironicamente, ela ficou famosa no BBB do cancelamento, se tornou gigante justamente por isso e é o próprio medo do cancelamento que a blinda. Quem ousaria criticar Juliette?

Cacto dá flor, mas espeta também

Dito isso, qualquer reação sobre as músicas lançadas na noite de quinta soa exagerada. Se Juliette, a mulher, demorou algumas semanas para ser amada, Juliette, o EP, já era um sucesso antes de nascer. Sua madrinha é Anitta, nosso maior expoente na música pop hoje. Seu público fanático escutará as músicas no repeat por semanas.

Juliette, a cantora, está animada. Cercada por quem a ama e torna as críticas invisíveis no volume de elogios, está bem amparada. A proteção vai além da oração de mainha que ela traz do peito: é um ambiente confortável para tentar uma carreira nova e esperar o que vem por aí. Mas a ousadia para por aí?

No video do making of de Bença, a faixa que abre o EP e apresenta Juliette cantora, o produtor Toin do Gado conta que Juliette gravou a palavra fogueira com uma pronúncia que se tem no sudeste — as sílabas bem marcadas "fo-guei-ra". O nordestino diria algo como "fuguera". Todos se incomodaram e Anitta foi o voto de Minerva, como ele conta: "se é "fuguera" que Juliette diz, é assim também que deveria cantar". A Girl From Rio sabe muito bem do que está falando.

O causo é uma boa metáfora do que falta no EP. A letra de Bença é cheia de personalidade — feita por artistas e amigos que Juliette admirava antes de ficar famosa. Mas cadê aquela menina que conhecemos na casa, que morou com a gente por uns meses e por isso a gente acha que conhece tanto? E quem somos nós pra pensarmos que conhecemos tanto assim?

Dava para colocar um pouco mais de "fuguera" em tudo. Não só no sotaque — a cozinha do forró permeia as seis músicas e traz muita identidade do nordeste, ponto importantíssimo para a artista. Porém, é isso também que torna o disco uma linha reta, sem grandes sobressaltos. Onde ficou o deboche, por exemplo, característica importante da mulher que conquistou o país sendo ela mesma?

É ingrato o trabalho do artista, que coloca sua alma na obra e joga no mundo para ouvir as críticas.

Colocar o pé atrás e ousar menos parece ser prudente. Nesse contexto, dá pra entender a rima simples como parte da proposta. Palatável, pra se digerir em uma sentada. Mas sabe aquele tum tum no coração? Veio não. Não dá para agradar todo mundo, ué.

A arte é o que te toca — os fãs da cantora, extremamente tocados com sua arte, afirmam no Twitter que passaram a madrugada do dia 3 acordados, ouvindo as seis músicas em looping. Juliette diz que fez tudo o que faz por eles e para eles. Está entregue. Só no Youtube, a faixa Bença amanheceu na sexta-feira com quase 300 mil views.

Mas como será que Juliette pronuncia "O coco é seco demais, irmão", eu me pergunto. A letra é tão ela. Cadê a personalidade forte na interpretação? Talvez seja pedir demais para um primeiro trabalho, feito a toque de caixa, com uma equipe bombada em cima. A ousadia já está em se arriscar a gravar músicas. Será?

O disco de Juliette é correto. Ouvi por duas horas seguidas e não me senti incomodada em nenhum momento. Será muito ouvido e muito elogiado. Muito criticado também, o artista se expõe pra isso mesmo.

Juliette, a mulher, não deve ser criticada, ela pode fazer o que quiser. Entretanto a artista sempre precisa ouvir opiniões diversas, se quiser evoluir. É trabalho. Ilhada num mar de cactos, que calam quem quiser dizer qualquer coisa diferente de elogio, o coco pode ficar seco demais mesmo, irmão.

Juliette aguenta escutar, sabe se analisar e quer sempre mais. E os cactos, aguentam?

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