Flavia Guerra

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Opinião

Premiado em Cannes, 'Baby' traz novos amores e famílias possíveis no Brasil

Dirigido por Marcelo Caetano, "Baby", premiado na Semana da Crítica do Festival de Cannes e com o prêmio de "Ator Revelação" para Ricardo Teodoro, foi um dos destaques do cinema brasileiro nesta edição do evento. Mostra paralela que exibe filmes com linguagem e temática ousados e arrojados, a Semana tradicionalmente traz filmes que propões novas formas de olhar e contar histórias. "Baby" traz justamente o olhar de Caetano para a família e as tantas combinações não convencionais de pessoas que se amam, se cuidam e se protegem.

Na Trama, o jovem Wellington (João Pedro Mariano, o Baby do título) depois de passar dois anos na Fundação Casa, está em busca de sua família, que morava no centro de São Paulo. Mas seus pais se mudaram para o interior sem deixar o endereço ou qualquer notícia. Vagando pelo centro da cidade com sua velha turma de amigos, Baby conhece o garoto de programa Ronaldo (Teodoro). Desse encontro, surge uma relação que une desejo e amizade, mas que retrata os amores e as famílias que se formam em uma cidade que acolhe e que também é dura.

Baby encontra em Ronaldo o acolhimento que não tem da família, religiosa e conservadora (o pai é um ex-policial que não aceita o fato do filho ser homossexual). No entanto, também encontra desejo e uma dinâmica de certa autoridade. Mais velho, mais experiente, Ronaldo funciona como uma figura também protetora, quase paterna em momentos de vulnerabilidade. É na família do companheiro, que tem um filho adolescente que mora com a mãe (Ana Flavia Cavalcanti) e a esposa da mãe (Bruna Linzmeyer), que Baby também encontra uma espécie de família.

As cenas em que eles estão todos juntos, cantando, conversando, vivendo em família, trazem closes de João Pedro que revelam os únicos momentos em que ele está realmente feliz e seguro. Quando enfrenta o ponto mais crítico e vulnerável da história, é para a casa delas que Baby vai, ainda que tenha descoberto onde a sua família real está vivendo.

É essa cumplicidade e os laços que se formam mesmo em meio a uma realidade tão dura quanto a do centro de São Paulo que comovem genuinamente o espectador. Mais que contar uma história de amor de um casal LGBTQIA+, Marcelo Caetano conta o amor de famílias possíveis que se formam das maneiras tortuosas, mas genuínas.

Apaixonado pelo Centro de São Paulo, o diretor mineiro já havia retratado este cenário contraditório, fascinante e colorido, ainda que abandonado tanto pelo poder público quanto pela elite da cidade em longas como "Corpo Elétrico".

'Baby' nasce desse desejo de discutir o conceito de família. Acho que hoje se tenta aprisionar o conceito de família em um lugar muito restrito, muito tradicional. E acho que família tem a ver com outro tipo de ligação, que não é só consanguinidade. Família é uma unidade amorosa, econômica, de suporte. Então, para pessoas LGBTs, que têm um tipo de vivência longe de suas casas, imigrantes, é possível construir núcleos familiares em São Paulo, declarou Caetano em entrevista ao Splash.

No filme tem vários tipos de família e elas se olham por aqueles espelhos. Tem vários espelhos no filme. Elas estão refletindo, refletindo um ao outro, sobre a diferença de idade, as diferenças de família. Eu gosto de problematizar um pouco o conceito de família, completou o cineasta.

"É um lugar de paz, de muito afeto. E para onde ele retorna quando está vulnerável", comentou a atriz Ana Flavia Cavalcanti, que vive a mãe do filho de Ronaldo. "Para a gente que é LGBT, é muito comum a gente encontrar famílias que são muito diferentes que nos criaram. A família da Jana e da Priscila é mais uma família que o Baby tem a chance de encontrar. E como é importante a gente valorizar isso nesta megalópole que é São Paulo. O que sustenta alguém numa cidade desse tamanho? São os afetos. E para mim isso é muito importante", completou Bruna Linzmeyer.

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Para João Pedro Mariano, Marcelo deu a oportunidade dele fazer muita pesquisa para construir Baby. "Ele me escutou muito nesse processo, visitei a Fundação Casa, conheci as pessoas do centro de São Paulo. É um trabalho que vou levar para a minha vida."

"Baby" lança, como o processo do filme também envolveu, um cinema de afetos, em que o grande afeto é o olhar humanista do diretor para a cidade mais populosa, diversa e critica do Brasil, em que, como uma mãe dura que acolhe, mas demanda muito, há muita vida e muito amor.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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