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Garota de programa conta como pandemia afetou o turismo sexual em Amsterdã

Prostitutas voltam a se apresentar nas vitrines do Distrito da Luz Vermelha, após as restrições do coronavírus - Getty Images
Prostitutas voltam a se apresentar nas vitrines do Distrito da Luz Vermelha, após as restrições do coronavírus
Imagem: Getty Images

Marcel Vincenti

Colaboração para Nossa

04/08/2020 04h00

Uma das cidades que mais recebe turistas na Europa, Amsterdã (Holanda) é conhecida por seus canais, museus e, claro, pelo turismo sexual simbolizado por De Wallen, o famoso Distrito da Luz Vermelha.

Por causa do coronavírus, a área ficou às escuras por mais de três meses: durante este período, garotas de programa não puderam se exibir nas vitrines da região e foram proibidas de ter encontros sexuais pagos, fossem os clientes locais ou turistas. E o impacto de tudo isso foi enorme.

"No começo da pandemia, as profissionais do sexo ficaram sem dinheiro de uma hora para outra", relata Charlotte, garota de programa de Amsterdã e porta-voz do Prostitution Information Center (PIC), entidade dedicada a divulgar informações sobre a prostituição na Holanda (uma profissão totalmente legalizada no país europeu desde o ano de 2000).

"Grande parte das garotas de programa do Distrito da Luz Vermelha são estrangeiras, de lugares como o Leste Europeu e de colônias e ex-colônias holandesas [como Suriname e Curaçao]", conta ela. "Sem a possibilidade de trabalhar, muitas delas se viram obrigadas a regressar para seus países".

Ainda não há um cálculo exato mostrando quantas profissionais do sexo abandonaram seus trabalhos na região. Charlotte, porém, afirma que "diversas vitrines estão vazias neste momento".

Vitrines do Distrito da Luz Vermelha exibem cartazes com o retorno nas profissionais do sexo - SOPA Images/LightRocket via Getty Images - SOPA Images/LightRocket via Getty Images
Vitrines do Distrito da Luz Vermelha exibem cartazes com o retorno nas profissionais do sexo
Imagem: SOPA Images/LightRocket via Getty Images

Ela afirma que, antes da pandemia, aproximadamente 80% das pessoas que iam ao De Wallen em busca de sexo pago eram viajantes estrangeiros e que, apesar da retomada das atividades de prostituição em julho, as perspectivas não são nada otimistas.

"Há turistas reaparecendo, mas não está tão movimentado como antes. Muitas garotas ainda não conseguiram recuperar seus rendimentos", diz.

Os melhores clientes, por exemplo, eram os homens dos Estados Unidos. Eram os que mais gastavam. Mas, por enquanto, os americanos não estão autorizados a entrar na Holanda", lembra.

No passado, segundo a instituição, o Distrito da Luz Vermelha chegou a ter 700 garotas de programa dividindo, em turnos, 370 vitrines. Para se expor através dos vidros, cada mulher tem que pagar um aluguel diário que pode passar dos 150 euros, dependendo da localização do "ponto".

E a falta de frequentadores no De Wallen é, logicamente, um reflexo da queda no número geral de visitantes na capital holandesa causada pela pandemia: a prefeitura de Amsterdã calcula que, em 2020, o número de estadias turísticas na cidade pode cair mais de 70% na comparação com 2019.

"Sem beijos"

Nascida na Holanda, Charlotte também foi profundamente impactada pela pandemia.

Antes de março, eu conseguia fazer 1.300 euros por semana com meu trabalho. De repente, fiquei sem ganhar nada", lamenta.

Segundo ela, o governo proibiu não apenas o mercado sexual do Distrito da Luz Vermelha, mas qualquer atividade de prostituição no território holandês (o que incluiu o atendimento de clientes em domicílio).

"De acordo com o plano inicial do governo, as garotas de programa só poderiam voltar a trabalhar em setembro. Se isso tivesse acontecido, eu teria abandonado a profissão", conta. "Sou formada em enfermaria. Cogitei buscar emprego em hospitais e, talvez, começar a combater o coronavírus".

Agora, com a retomada de seus trabalhos, Charlotte afirma que ela e diversas de suas colegas estão tomando uma série de cuidados sanitários na hora de ter um encontro sexual.

Beijos estão proibidos. E evitamos ficar em posições sexuais que nos deixem cara a cara com o cliente", diz.

"Também sempre pergunto se o cliente teve sintomas de covid-19 recentemente. Temos que confiar no que eles nos dizem", afirma.

'Respeite nossas profissionais do sexo", diz um aviso em um dos prostíbulos do Distrito da Luz Vermelha, em Amsterdã - SOPA Images/LightRocket via Getty Images - SOPA Images/LightRocket via Getty Images
'Respeite nossas profissionais do sexo", diz um aviso em um dos prostíbulos do Distrito da Luz Vermelha, em Amsterdã
Imagem: SOPA Images/LightRocket via Getty Images

Charlotte, porém, não usa máscara em seus encontros (não há uma lei que a obrigue a fazer isso) e diz que procura não ficar pensando nos riscos de pegar o coronavírus - apesar de ter uma colega que já se contaminou.

E os clientes? Estão com receio? "Não. Na verdade, eles estão felizes por poder me ver depois desta quarentena", conta ela.

Mais cuidados sanitários

Autoridades holandesas também recomendaram normas de limpeza mais rígidas para os quartos onde ocorrem os encontros sexuais no Distrito da Luz Vermelha - e que, via de regra, ficam atrás das vitrines.

Por causa do coronavírus, as garotas são aconselhadas a, depois de cada programa, desinfetar as superfícies destes espaços, trocar a roupa de cama e se lavar.

Quartos de prostíbulos em Amsterdã seguem uma rígida limpeza em tempos de coronavírus - SOPA Images/LightRocket via Getty Images - SOPA Images/LightRocket via Getty Images
Quartos de prostíbulos em Amsterdã seguem uma rígida limpeza em tempos de coronavírus
Imagem: SOPA Images/LightRocket via Getty Images

E outras atrações eróticas de Amsterdã também tiveram que se adaptar.

Localizada no De Wallen, famosa por exibir shows de sexo explícito e muito popular entre turistas, a Casa Rosso também reabriu recentemente, mas com sua dinâmica alterada pela pandemia. Se antes, o teatro comportava 180 pessoas, agora determina 60 como público máximo.

Além disso, o local diminuiu o número de shows diários e está controlando mais o fluxo de pessoas que entram e saem do teatro, para evitar grandes aglomerações.

A frente do Casa Rosso, do distrito da Luz Vermelha, em Amsterdã - Divulgação - Divulgação
A frente do Casa Rosso, do distrito da Luz Vermelha, em Amsterdã
Imagem: Divulgação

O estabelecimento garante que verifica constantemente a saúde de seus funcionários, mas as performances sexuais em seu palco não são realizadas com máscara.

Os shows são feitos por casais de verdade, que moram juntos. Então, a máscara não é necessária", justifica.

O Red Light Secrets Museum, por sua vez, voltou a vender ingressos. Instalado em um edifício onde funcionou um bordel, o museu reproduz espaços como os quartos onde as profissionais do sexo de De Wallen trabalham.

Lá, os visitantes se divertem sentando em uma das janelas viradas para a rua, na mesma posição que as garotas de programa de Amsterdã ficam ao esperar novos clientes.

Ao comprar a entrada pela internet, a pessoa deve declarar, a partir de agora, que não possui sintomas de covid-19.