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Lésbica, Fabi fala sobre criação da filha: 'Ninguém vai nos intimidar'

Fabi Alvim abraça filha Maria e esposa Julia Silva Imagem: Reprodução/Instagram

Do UOL, em São Paulo

14/05/2023 04h00

Desde que decidiram aumentar a família, Fabi Alvim e Julia Silva se prepararam para enfrentar os desafios que vão além da maternidade. Afinal elas formam um casal que ainda sofre (e muito) preconceito na sociedade brasileira. O medo, segundo a bicampeã olímpica de vôlei, sempre vai existir, mas ela não deixa que os temores diminuam sua luta para que sua filha Maria e as futuras gerações não sejam afligidas por esse sentimento.

A disposição de abraçar a causa estava estampada na camiseta que Fabi usou durante o longo papo com a reportagem do UOL. A estampa exaltava seu orgulho por ser exatamente quem é: uma mulher lésbica, casada com Julia, o amor de sua vida, e ambas mães da pequena Maria, de 4 anos. Hoje, elas comemoram mais um Dia das Mães juntas.

"A gente teve, a gente tem, a gente vai seguir tendo medo pela nossa Maria. Disso eu não tenho nenhuma dúvida, principalmente quando você olha para os números, que te dão muito medo", disse Fabi.

"Então, faço o recorte: primeiro por ser mulher, segundo por estar numa composição de família que está ameaçada pelo preconceito das pessoas. Temos os nossos medos, mas o que eu acho importante é a gente se fortalecer dentro de casa e entender que ninguém vai nos intimidar por quem nós somos", acrescentou a ex-jogadora de vôlei e comentarista do grupo Globo.

Juntas há 10 anos, Fabi e Julia começaram a amadurecer o assunto sobre a construção da família em 2016. A partir de então, elas começaram a buscar informações sobre como a maternidade poderia acontecer em uma configuração de família como a delas.

Fabi foi líbero da seleção brasileira de vôlei bicampeã olímpica Imagem: Divulgação/FIVB
Fabi Alvim fez a segunda Olimpíada como comentarista em 2021 Imagem: João Cotta/Globo

Somado a isso, a ex-líbero ainda estava no processo de aposentadoria das quadras e todas as dificuldades sobre ser mãe e atleta vieram à sua cabeça. Fabi, então, passou a entender que ser mãe não é preciso, necessariamente, gestar.

"Eu, por ser atleta, não podia engravidar. Há uma série de exames específicos, teria de ficar um tempo sem jogar. Além de tudo, faço parte de uma geração onde sempre foi muito difícil conciliar a vida de atleta e mãe. E aí a gente começou a pensar: 'Poxa, mas para ser mãe não necessariamente você precisa engravidar. Por que não a Julia gerar, né?'", disse Fabi que hoje trabalha como comentarista de jogos de vôlei no grupo Globo.

De qualquer forma, Fabi planejou sua aposentadoria porque queria acompanhar e participar de todo o processo, independentemente de gerar ou não a filha.

"Isso me fez uma pessoa muito melhor. Me fez ser uma mulher com uma noção maior do mundo, dos anseios, das dúvidas. Eu estive com a Ju desde o momento das injeções de hormônio, participei de cada pedacinho, de cada construção. Se tornar mãe é um universo maior. Tive uma compreensão do que é amor e admiração mesmo. É sobre reconhecer que o momento mais lindo da minha vida não foi protagonizado por mim, mas sim pela minha mulher", exaltou Fabi.

"Foi uma construção muito bonita, de muitas dores, muitos medos, mas ao mesmo tempo de uma compreensão muito maior do que que é colocar um filho no mundo no momento que a gente estava vivendo e o que seria o desenrolar disso ao longo desses quatro anos que precederam a notícia de que a gente se tornaria mãe", completou.

Fabi e Julia durante o parto da Maria, em julho de 2019 Imagem: Reprodução/Instagram

Eleição de Bolsonaro preocupou Fabi e Julia

Após uma tentativa frustrada no início de 2018, Fabi e Julia conseguiram engravidar no fim do mesmo ano. A data foi emblemática e preocupante para ambas: o segundo turno das eleições que cravaram Jair Bolsonaro como presidente do Brasil.

"Caramba, como é que nós, duas mulheres, vamos fazer para botar uma criança no mundo?", relembrou Fabi. "A gente vivia um momento bastante conturbado, especialmente para a comunidade LGBT, com muitas dúvidas, muitos medos que já nos assolam no dia a dia. Imagina pensar em formar uma família, né? Como que iriamos ser vistas dali para frente?".

Maria nasceu em 2 julho de 2019 e Fabi e Julia tinham uma convicção na cabeça: iriam passar por todas as dificuldades juntas, tanto as que envolvem a maternidade de primeira viagem como as que são oriundas da homofobia. Elas conversaram com outras famílias homoafetivas e se fortaleceram na história de luta de cada uma.

Quatro anos se passaram e todo dia há uma nova descoberta. Ser mãe, segundo Fabi, é revisitar o passado e lembrar dos próprios anseios e angústias e, ao mesmo tempo, se esforçar ao máximo para tornar o futuro de Maria o melhor possível.

"É a responsabilidade de criar um ser humano minimamente preocupado, empático, envolvido com todas questões e ter esse olhar mais amplo pro mundo. Que ela se torne uma menina questionadora, que olha para o lado e também consiga expor e naturalizar os anseios", comentou Fabi.

Maria tem duas mamãe e 'tá tudo bem'

Fabi Alvim ao lado da filha Maria e a esposa Julia Silva Imagem: Reprodução/Instagram

Com quase 4 anos, a pequena Maria não relativiza, mas sabe que tem duas mamães e que existem outras composições familiares.

"A gente faz questão de falar desse universo diverso. Buscamos uma escola que nos acolhesse com esse pensamento de ter essa visão para diversidade, e a gente sabe o quanto é difícil sobre isso no país.

Encontramos uma escola preocupada, paulatinamente, com esse debate. Na turma da Maria, por exemplo, tem criança com dois papais e é muito legal ter essa abertura para o diálogo", contou Fabi.

"Sabemos que com 4 anos a criança ainda não tem a compreensão do preconceito, algo que é tão bonito, mas ao mesmo tempo temporário. Daqui a pouco a Maria vai ter que lidar com essas questões. O que a gente faz é dialogar com ela da forma mais apropriada possível para que ela compreenda esse universo das diferenças", acrescentou.

Como todas as mães, Fabi e Julia se preocupam em ajudar Maria a compreender os obstáculos da vida, porque nem tudo são flores. Ao mesmo tempo, claro, buscam proteger e suavizar o máximo possível o caminho da filha. É uma reação normal.

"Ela deixou o sorvete cair no chão, por exemplo, e disse: 'tá tudo bem, né?'. Porque a gente sempre usou essa expressão para se referir a diversas situações: de família, de criança com deficiência, de falar sobre os universos da diversidade de uma forma que seja compreensível. Mas aí eu brinco: 'Olha, tudo certo, Maria, só cuidado com esse picolé, hein?' Para ela não pensar que está sempre tudo bem na vida, porque não está", explicou Fabi.

Hoje, Fabi e Julia celebram mais um Dia das Mães juntas. Fabi não é tão fã do "lado comercial" da comemoração, mas sabe da importância afetiva e não vai deixar passar em branco. Elas devem fazer uma refeição gostosa com Maria e as vovós e depois buscar uma sobremesa para adoçar o domingo especial.

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