Topo

MMA


Ex-campeã de muay thai acusa professor de abuso sexual; polícia investiga

Edson Souza, que é fundador da academia Art Fighters, foi indiciado pela Polícia Civil por importunação e abuso sexual - Divulgação
Edson Souza, que é fundador da academia Art Fighters, foi indiciado pela Polícia Civil por importunação e abuso sexual Imagem: Divulgação

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

22/07/2021 14h38

A campeã mundial de muay thai Fernanda Santos Ávila Rigueiro Barbosa, de 18 anos, acusa um ex-treinador de abuso e importunação sexual. A vítima relatou à polícia que os crimes ocorreram entre 2015 e 2018, quando ainda era adolescente. Ela e outras três alunas depuseram contra Edson Souza, que é sócio e fundador da academia Art Fighters, que fica no bairro da Lapa, na região central do Rio. O treinador foi indiciado pela Polícia Civil por importunação e abuso sexual.

Segundo o relatório policial do caso, Edson Souza levava as adolescentes com roupas íntimas para serem pesadas em uma sala na academia e, a sós com as garotas, o professor realizava toques libidinosos durante sessões de massagem, esfregava o pênis no corpo delas, relatava sonhos eróticos, pedia fotos das alunas nuas e fazia propostas sexuais. O delegado Bruno Gilaberte Freitas, que conduz a investigação, disse crer que existam outras vítimas do treinador.

"Até acreditamos que existam mais vítimas. Basicamente, elas falam que esse professor frequentemente as colocava para serem pesadas só de calcinha nas competições, fazia massagens com toque libidinosos e roçava o órgão genital ereto nos corpos das vítimas. A maior parte do tempo eram todas adolescentes que tinham dificuldades de enxergar nisso abuso sexual por conta da questão de ser o mestre, o treinador, e tinham dificuldade para entender isso. Só tiveram essa compreensão mais recentemente e procuraram a polícia. Apenas uma chegou a completar 18 anos ainda sob importunação sexual", explicou o delegado ao UOL.

Em depoimento à polícia, Fernanda Rigueiro contou que foi aluna de Edson dos 12 aos 15 anos e chegava a passar mais de oito horas por dia na academia do treinador. A atleta relatou que em outubro de 2018, ele exigiu que a adolescente chegasse aos treinos uma hora mais cedo para massageá-la. Edson preparava a vítima levantando seu short, de modo a ficar bem curto, e durante a massagem se aproximava das partes íntimas da atleta.

Na ocasião, o autor não chegou a completar o ciclo de massagens, pois a atleta começou a chorar. De acordo com o documento, o treinador atenuou o próprio comportamento, afirmando que estava apenas testando a vítima, "pois outra pessoa poderia tentar fazer o mesmo com ela" e que estaria sexualmente insatisfeito com sua companheira.

Em entrevista ao UOL, Fernanda disse que abandonou o muay thai por não conseguir mais frequentar o espaço.

"Eu entrei na academia em 2015 e tudo aconteceu quando comecei a ganhar corpo, em 2017 e 2018. Em 2019, eu fiz minha última luta e depois me afastei do esporte. Aquilo deixou de ser um ambiente legal para mim. Me angustiava, me deixava preocupada ter que ir para a academia".

Hoje, Fernanda cursa faculdade de Educação Física na UFRJ e dá aulas da modalidade que foi campeã mundial em 2018. Ela disse que espera que o ex-treinador seja punido.

"Eu sofri calada esse tempo todo. Eu me afastei da vida de atleta, sonhava com isso e abri mão. Sofria angustiada e ele continuou lá com a academia dele, tocando a vida dele", lamenta.

Outras vítimas

Com relatos muito semelhantes, outras três vítimas prestaram depoimento à polícia. A segunda mulher relatou em depoimento que os abusos ocorreram entre 2015 e 2017, quando tinha 16 e 17 anos. Segundo ela, o treinador a colocava para realizar agachamentos e aproveitava o exercício para cometer os abusos.

A terceira vítima prestou depoimento semelhante ao das colegas de treino e acrescentou que, no final de 2018, recebeu mensagens de Edson por um aplicativo de mensagens pedindo fotos da vítima nua e afirmando que se masturbava pensando nela.

"A vítima se sentiu constrangida e, por vergonha e medo, fingiu acreditar que era uma brincadeira". As conversas não ficaram registradas no aplicativo, pois o treinador pedia que a conversa fosse apagada e que a aluna mandasse um print da tela do celular mostrando que os diálogos foram deletados.

Em assédio a uma quarta vítima, o treinador disse que sabia que ela não era virgem e perguntou se o namorado dela já havia proporcionado orgasmos durante a relação deles. Segundo o depoimento, Edson contou ter sonhos eróticos com a adolescente, que tinha 14 anos na ocasião. Ele afirmou também que se masturbava pensando nela e passou a encenar as posições sexuais que ele gostaria de realizar com a menina.

"A palavra da vítima ganha especial relevância nos crimes sexuais, pois os abusos ocorrem normalmente em situação de intimidade, ou seja, raramente há testemunhas do fato e nem todos os crimes sexuais deixam vestígios pericialmente constatáveis. No caso concreto, são quatro vítimas, sendo certo que nenhuma delas teria um motivo para acusar falsamente o autor. Ademais, como já dito, as versões são confluentes e isentas de contradições relevantes. Não há, assim, como se deixar de conferir credibilidade às narrativas", ressalta o delegado.

Os crimes de importunação sexual e assédio sexual têm penas de um a cinco anos de reclusão e podem ser agravados pelo fato de o treinador ter autoridade sobre as vítimas. O inquérito será enviado ao Ministério Público, que pode ou não oferecer denúncia contra o treinador à Justiça.

O que diz a defesa do acusado

Procurada, a defesa do treinador disse que a comunidade das artes maciais receberam com surpresa e indignação a notícia sobre o indiciamento e destacou que "as comunicações dos supostos delitos ocorreram mais de três anos após os alegados episódios e que uma das vítimas participava normalmente dos treinos até maio de 2021".

Ainda de acordo ainda com a defesa, a expectativa é que o Ministério Público arquive o caso por falta de provas.

"A única testemunha indicada pelas vítimas, ao ser intimada, negou ter presenciado qualquer comentário ou comportamento suspeito. No entanto, se os fatos forem levados à Justiça, muitos outros alunos e professores que conviviam no mesmo ambiente de treinamento poderão testemunhar acerca do comportamento irrepreensível do professor", diz a defensora do suspeito.

A nota enviada ao UOL destaca ainda que são mais de 20 anos dedicados ao esporte, "muitos deles como formador de atleta para competições de nível internacional, sem que nunca, jamais, em tempo algum tivesse seu nome ventilado como alguém que abusava da sua posição".

Por orientação da defesa, o professor está afastado das atividades com adolescentes.