Entre os gigantes

Vini Jr. consegue feito que Neymar ainda não obteve em mudança de bastão de gerações

Eder Traskini, Igor Siqueira, Lucas Musetti e Thiago Arantes Do UOL, em São Paulo e Rio de Janeiro Mohamed Farag/Fifa via Getty Images

Agora dá para traduzir em português (com sotaque brasileiro) novamente. O melhor jogador do mundo. Quem é? Vini Jr.

Foram 17 anos sem que a bandeira do Brasil estivesse atrelada ao vencedor. Marta, entre as mulheres, foi quem visitou essa prateleira mais alta. Mas, entre os homens, ninguém dos nossos tinha conseguido desde Kaká, em 2007.

Poderia ser Neymar. Não foi. Coube a Vinicius continuar o legado dos gigantes do futebol brasileiro nessa premiação criada pela Fifa a partir de 1991. Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho, Kaká. Todos campeões do mundo. Agora, é a vez de Vini Jr.

A ausência de Neymar na lista diz respeito ao que ele não atingiu coletivamente ao longo dos anos e também por ter sido contemporâneo no auge de Messi e Cristiano Ronaldo.

Passado o período de dominância dos dois (quase) extraterrestres, veio a oportunidade para uma disputa mais aberta. E o talento brasileiro reapareceu entre os maiores.

A temporada de Vini com o Real Madrid teve mais um título da Liga dos Campeões. O segundo dele. O segundo fazendo gol na final. Mas foi além disso e do próprio Campeonato Espanhol.

Vini representou a magia do drible, aliada ao volume de chances criadas, gols e assistências. Em um time que dominou o continente, brilhou mais que outros colegas de equipe, como Bellingham e o agora aposentado Toni Kroos.

O reconhecimento dos eleitores do prêmio da Fifa é a consequência.

Mohamed Farag/Fifa via Getty Images

O mais perto que Neymar chegou foi o top 3

Na fase de Neymar como principal jogador brasileiro na Europa, o mais perto do topo que ele atingiu foi o terceiro lugar duas vezes. Uma em 2015 e outra em 2017.

Na primeira, Neymar foi excelente na combinação com Messi e Suárez, conquistando a Champions na final diante da Juventus.

Messi levou a melhor, Cristiano Ronaldo foi o segundo e, então, coube o terceiro lugar a Neymar.

Em 2017, ano que marcou a transferência mais cara de todos os tempo — com Neymar indo do Barcelona para o PSG por 222 milhões de euros — a ordem dos dois primeiros se inverteu. Cristiano ficou à frente de Messi, com o brasileiro fechando o pódio.

A partir de então, Neymar passou a lidar com mais frequência com lesões. Era praticamente uma por ano, que comprometia a sequência na fase mais aguda da temporada.

Além disso, o PSG só conseguiu em 2020 chegar mais longe, na final, da Champions League. Neymar já tinha outra função no time, não mais como ponta. Mas nem como finalista ele chegou perto de ser eleito.

Vinicius escapou dessa polarização entre Messi e Cristiano, e ainda faz parte de um time muito mais vencedor.

Eu não sei nem por onde posso começar. Porque era tão distante, que parecia impossível chegar até aqui. Era uma criança que só jogava bola descalço nas ruas de São Gonçalo, perto da pobreza, do crime. Poder chegar aqui é muito importante para mim. Estou fazendo por muitas crianças que pensam que é impossível.

Vini Jr., melhor jogador do mundo em 2024

Vini pensou que seria melhor do mundo aos 25. Foi antes

Como produto de mente sonhadora de um garoto que ainda estava começando no Real Madrid, Vini Jr. chegou a dizer, em março de 2019, que tinha como objetivo ser o melhor do mundo com 25 ou 26 anos.

A projeção, nos anos seguintes, virou um assunto proibido. Até por orientação do estafe do jogador, se precavendo contra eventuais piadas futuras.

O discurso de Vinicius passou a ser mais coletivo. Mas a temporada 2023-2024 reacendeu a chama de que ele, sim, poderia fazer parte da prateleira mais alta individualmente. E poderia viver a expectativa disso tudo.

A projeção se materializou. E um ano antes do que Vini previa.

A projeção de Vini para si mesmo teve como ingredientes uma percepção sobre quando poderia alcançar a maturidade de "fazer tudo bem" em campo.

Ao longo dos anos, isso se concretizou, embora ainda não seja perfeito. O desempenho na seleção mostra isso. De todo modo, Vini manteve o nível altíssimo de drible, velocidade e cresceu como finalizador. Agora, volta a colocar um nome brasileiro associado ao termo "melhor do mundo", aos 24 anos.

Piada talvez seja não ver nele o talento e a magia do futebol.

Lucas Peltier-USA TODAY Sports via Reuters Lucas Peltier-USA TODAY Sports via Reuters

7 momentos que deram o melhor do mundo a Vini Jr.

  • Gol na final da Champions

    Foi dele o segundo gol do Real Madrid sobre o Borussia Dortmund, que sacramentou o título da Liga dos Campeões.

  • Brilho na semifinal

    Vini fez dois gols no 2 a 2 do Real Madrid com o Bayern de Munique, fora de casa, no jogo de ida das semifinais da Champions.

  • Show contra o Barça

    Vini Jr. fez três gols na final da Supercopa da Espanha, na goelada por 4 a 1 sobre o Barcelona. Um espetáculo.

  • Xô, zebra!

    Real Madrid x Girona, confronto com o time que era a surpresa e sensação da temporada até então. Vini espantou a zebra, fez dois gols e infernizou a vida do brasileiro Yan Couto, que chorou após o jogo.

  • Garçom contra o City

    Vini Jr. como criador de jogadas também foi a tônica da fase mais aguda da temporada. No emocionante 3 a 3 com o Manchester City, nas quartas da Champions, ele deu dois passes para gol.

  • O cara da goleada

    Diante do Valencia, clube com o qual a rivalidade também se aflora por causa das ofensas racistas que sofreu, Vini fez dois gols na goleada por 5 a 1 pelo Campeonato Espanhol.

  • O brilho raro pela seleção

    O único jogo que Vini realmente brilhou pela seleção foi na Copa América, contra o Paraguai. Goelada por 4 a 1 e dois gols do craque.

Fifa mais uma vez 'corrige' a Bola de Ouro a favor de um brasileiro

Enquanto a France Football elegeu Rodri, do Manchester City, como melhor da temporada passada, o prêmio da Fifa coroou um brasileiro. E não foi a primeira vez que essa "correção" de rota a favor do Brasil aconteceu no paralelo entre as duas premiações.

Já aconteceu com Romário (1994), Ronaldo Fenômeno (1996) e Ronaldinho (2004).

Nessas ocasiões, a revista - com um DNA mais europeu na premiação - tinha escolhido, respectivamente o búlgaro Stoichkov (1994), o alemão Matthias Sammer (1996) e o ucraniano Shevchenko (2004).

Vini Jr. é o primeiro brasileiro a vencer o melhor do mundo desde Kaká, em 2007. Depois, veio a era de polarização entre Messi e Cristiano Ronaldo, com Modric (2018) e Lewandowski (2020 e 2021) sendo as exceções.

A votação da Fifa é mais global do que a da France Football. Os capitães e técnicos das seleções têm direito a voto, além de um jornalista de cada país filiado à entidade. E ainda tem um percentual com base em voto popular.

O colégio eleitoral dos franceses é composto por jornalistas dos 100 melhores países do ranking da Fifa. Isso faz com que haja uma concentração maior de europeus entre os eleitores.

Alberto Gardin/Eurasia Sport Images/Getty Images Alberto Gardin/Eurasia Sport Images/Getty Images

Um recado na luta contra o racismo

Vini é, certamente, o jogador que mais combate o racismo.

O atacante não se acanhou diante do preconceito visto na Espanha e comprou brigas nunca antes compradas.

O brasileiro enfrentou a Federação Espanhola e avisou assim que não levou a Bola de Ouro: "Eu farei 10 vezes se for preciso. Eles não estão preparados".

O caso mais icônico ocorreu em maio de 2023, quando Vini foi alvo de racismo por parte de torcedores do Valencia no Estádio Mestalla. O jogador falou que "Racismo é normal em La Liga" e desencadeou um grande debate mundial e uma onda global de apoio.

No mesmo ano, foi aprovada a "Lei Vinicius Jr." para combater o racismo em eventos esportivos.

Em março deste ano, antes de amistoso contra a Espanha em Madri, Vini desabou em lágrimas.

"Estou aqui há muito tempo assistindo a isso e me sinto cada vez mais triste. Tenho cada vez menos vontade de jogar. A cada reclamação feita, me sinto pior, mas tenho que aparecer aqui e mostrar minha cara".

O entendimento de Vini e das suas pessoas mais próximas é que o prêmio da Bola de Ouro não veio por causa do preconceito e desse desconforto que o atacante gera para colegas e treinadores. Nada que faça a cria do Flamengo recuar.

Os números de Vini Jr. na temporada 2023-2024

  • No Real Madrid

    39 jogos 24 gols 11 assistências

    Imagem: Mateo Villalba/Getty
  • Na seleção

    10 jogos 2 gols 2 assistências

    Imagem: Ezra Shaw/Getty Images

O melhor do mundo que a seleção ainda precisa

Vini consegue esse reconhecimento mundial, mas ainda deve na seleção brasileira, onde ainda não chegou perto do que joga no Real Madrid.

O entendimento na CBF é de desconforto com o protagonismo. Sem Neymar, Vini Jr. é a principal esperança. E esse status pesa.

Vini encara contextos adversos no Real, mas na seleção mostra uma ansiedade maior e pavio mais curto. O exemplo foi o duelo com a Venezuela, em Maturín.

O atacante era o melhor em campo até perder um pênalti. De lá para cá, só se viu Vini discutindo. A atuação posterior diante do Uruguai foi mais discreta.

O técnico Dorival Júnior espera que Neymar volte bem e dê essa leveza a Vini. Há também o esforço para que nomes como Raphinha e Rodrygo também dividam o protagonismo. Mas não dá para negar que, como melhor do mundo, o holofote está direcionado a Vini Jr.

Christopher Pike/Fifa via Getty Images Christopher Pike/Fifa via Getty Images

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