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Capitão do bi ameaçou abandonar concentração se não fosse titular do Brasil

Mauro Ramos de Oliveira ergue a taça Jules Rimet após a Copa do Mundo de 1962, no Chile - Acervo pessoal
Mauro Ramos de Oliveira ergue a taça Jules Rimet após a Copa do Mundo de 1962, no Chile
Imagem: Acervo pessoal

Do UOL, em São Paulo

09/11/2022 04h00

Classificação e Jogos

Não faltou paciência. Convocado para a Copa do Mundo de 1954, ele não jogou. Em 1958 foi até campeão, mas também não entrou em campo. Naquela época não tinha essa história de substituição tática, então o banco de reservas era uma sentença. Até que chegou 1962 e ele decidiu não esperar mais.

"Se for para ser reserva, quero minha passagem e vou voltar para o Brasil", teria dito Mauro Ramos de Oliveira, zagueiro que não só conquistou sua vaga de titular, como acabou eternizado como capitão do bicampeonato mundial da seleção brasileira na Copa do Chile e agora é personagem da série de reportagens que conta histórias de vida inéditas e curiosas dos cinco capitães campeões mundiais pelo Brasil.

Já a frase vem direto da memória de seu filho Mauro Júnior: "Era assim que ele contava para a gente."

Existem duas versões sobre a titularidade e a escolha de Mauro como capitão em 1962, mas as duas partem do mesmo ponto: o titular da zaga e capitão era para ser Hilderaldo Luís Bellini, exatamente como havia acontecido quatro anos antes.

Não havia razão para mudar e até Mauro de certa forma aceitava a situação. Só que, durante a preparação, o titular se machucou e Mauro foi o substituto em três jogos. O Brasil venceu todos, e o então zagueiro do Santos teve certeza de que teria sua chance na Copa, o que não aconteceu. O técnico Aymoré Moreira anunciou que o titular iria mesmo ser Bellini, o favorito de público e imprensa.

"Ele dizia que chamou o Aymoré para uma conversa pessoal e falou bem assim: 'olha, eu tenho jogado todos os amistosos bem, sou titular, não joguei em 54 e 58, dessa vez estou preparado e é minha última Copa. Não acho justo o senhor me colocar na reserva'. Personalidade forte, né? Aí ele terminou assim: 'se for para ficar na reserva, quero minha passagem e vou voltar para o Brasil'. Isso é a cara dele (risos)", lembra o filho do capitão.

Mauro - Acervo UH/Folhapress - Acervo UH/Folhapress
Mauro Ramos de Oliveira durante treinamento da seleção brasileira
Imagem: Acervo UH/Folhapress

Depois de peitar a comissão técnica e ameaçar abandonar a concentração no Chile se não fosse o titular, Mauro ganhou não só a vaga, como também a braçadeira de capitão, recorda Mauro Júnior: "Falaram para ele naquele tom solene: 'era justamente isso que esperávamos. Foi um teste para saber se você estava preparado para ser capitão. Parabéns'. E assim foi (risos)"

O zagueiro do Santos atuou os seis jogos do Mundial ao lado de Zózimo. O Brasil tomou cinco gols na campanha, fez 14 e foi campeão. Como chamou a CBF, com seu "capitão que soube esperar".

A outra versão dá conta que Mauro e Bellini tiveram um papo amistoso antes da Copa e decidiram entre eles que era a vez de Mauro ser titular. Daí, só informaram ao técnico Aymoré Moreira, o que contraria a versão de que Mauro se escalou no grito. Mas essa versão não tem graça.

O Mauro era diferente do Bellini, muito mais técnico. Ele não chegava tão junto quanto o Bellini, tinha uma categoria acima em termos de classe. Mas também era ótima pessoa, um jogador que tinha livre acesso aos outros jogadores, muito respeitado."
Pepe, campeão mundial em 1958 e 1962

Mauro - UH/Folha Imagem - UH/Folha Imagem
Ao lado de Bellini, Mauro Ramos de Oliveira ergue a taça Jules Rimet na chegada da seleção ao Brasil, em 1962
Imagem: UH/Folha Imagem

Por que Mauro tinha o apelido de Martha Rocha

Martha Rocha foi um dos maiores símbolos brasileiros de beleza, eleita a primeira Miss Brasil no ano de 1954. Ídolo das torcidas de São Paulo e Santos, Mauro Ramos de Oliveira ganhou o apelido de Martha Rocha durante a carreira. A razão quem esclarece é Marcelo Fernandes, membro da Assophis (Associação dos Pesquisadores e Historiadores do Santos):

"O que explica é a elegância que ele tinha dentro e fora de campo. O Mengálvio me disse que tinha até vergonha de falar palavrão perto dele, era um gentleman."

Mauro - Acervo UH/Folhapress - Acervo UH/Folhapress
Imagem: Acervo UH/Folhapress

Essa tal elegância é de infância. Os pais de Mauro não queriam que ele fosse jogador de futebol. Imaginavam o filho na diplomacia, na política ou na advocacia. Então, quando ele saía de casa para jogar bola tinha grande preocupação em não sujar o uniforme. Daí veio o estilo clássico em campo, contrastante com a força bruta de Bellini. É outra lenda, mas essa Maurinho não confirma.

"Que meus avós não queriam é fato. Ele sempre ia jogar escondido e tomou muita vara de marmelo por isso. Queriam que ele estudasse, mas o talento levou ele para o São Paulo, com 17 anos, levou a ser campeão sul-americano pela seleção brasileira, aos 19. Mas não tinha como não se sujar nessa época, isso é papo (risos). Agora como profissional era isso mesmo, a camisa branca do São Paulo e do Santos terminava branca."

A fama de elegante rendeu contratos de publicidade para o zagueiro com uma famosa loja de roupas masculinas chamada Ducal.

Em campo, foram 492 jogos pelo São Paulo e 352 pelo Santos. Sempre de camisa branca.

Mauro - Reprodução/São Paulo FC - Reprodução/São Paulo FC
Time do São Paulo que conquistou o Campeonato Paulista de 1953: Alfredo Ramos, De Sordi, Pé de Valsa, Jose Poy, Mauro, Bauer e Serrone (roupeiro); Abaixados: Maurinho, Gustavo Albella, Gino Orlando, Juan Jose Negri e Teixeirinha
Imagem: Reprodução/São Paulo FC

"Em campo, ele era de uma elegância a toda prova, em uma posição em que os jogadores se notabilizavam pelos chutões e caneladas. Atuava limpo, tirava a bola sem tocar no adversário, era imbatível nas bolas altas e não ficou registro de um único jogo que tenha perdido a cabeça", assim definiu o jornalista Luís Nassif.

Amizade com Bellini e a fuga do futebol

Os capitães campeões mundiais de 1958 e 1962 viraram amigos próximos depois de levantar a taça Jules Rimet. Eles moraram em São Paulo boa parte da vida, em bairros próximos. Aposentados, almoçavam juntos às segundas-feiras e frequentavam até a sauna. Uma relação de amizade que as famílias definem como bonita. "Eram irmãos de alma", conta Giselda, viúva de Bellini.

Mauro - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Bellini (e) e Mauro Ramos de Oliveira se abraçam
Imagem: Acervo pessoal

Mais velho, Mauro decidiu voltar para sua cidade natal, Poços de Caldas-MG. Uma vez por mês ia para São Paulo jantar com Bellini.

Mas teve uma coisa que diferenciou a dupla de capitães na velhice: Bellini era muito midiático, adorava dar entrevistas e aparecer em comerciais. Já Mauro se distanciou do futebol sem negociação. O filho nega mágoa.

"Ele quis virar a página do futebol, curtir a vida dele. Antes ia ao cinema e entrava com o filme andando para não ser tietado, não ia ao restaurante com tranquilidade. Era o preço da fama. Depois de muitos anos recluso, vivendo para a família, ele conseguiu fazer tudo isso e adorou. Ele ficou viúvo muito cedo, em 1983, e não quis mais saber de casar. Dizia que ia e voltava na hora que queria."

Mauro teve três filhos, Maurinho (64), Sylvia (62) e Marcos (52). Ele conheceu dois netos, Marina e Maurinho Neto. Tem mais três, mas sem convívio. É que o capitão do bi morreu em 18 de setembro de 2002, aos 72 anos, por causa de um câncer no estômago. Deixou órfãs as camisas brancas.

Mauro Ramos - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Bellini (e) e Mauro Ramos de Oliveira ficaram amigos depois da carreira no futebol
Imagem: Acervo pessoal