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Jean: 'Todo mundo quer jogar no Palmeiras, como era no SPFC na minha época'

Jean fala sobre semelhanças entre São Paulo e Palmeiras, seleção e muito mais - Arte/UOL
Jean fala sobre semelhanças entre São Paulo e Palmeiras, seleção e muito mais
Imagem: Arte/UOL

Luis Augusto Símon, Thiago Braga e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

24/07/2022 04h00

"O Palmeiras está vivendo o que o São Paulo viveu no fim dos anos 2000". O autor da frase de impacto tem conhecimento de causa para analisar os períodos vitoriosos do Tricolor, entre 2005 e 2009, e do Verdão, de 2016 até os dias atuais. O nome é imponente - Jean Raphael (sim, com ph) Vanderlei Moreira - e o currículo também.

Ao todo, são cinco títulos brasileiros, por três clubes diferentes. Jean, volante, lateral, ponta, meia direita. Campeão por São Paulo, Palmeiras e Fluminense.

A regularidade e a capacidade de jogar em várias posições renderam convocações para a seleção. Foram apenas seis jogos, mas está lá no currículo: Copa das Confederações em 2013. Além de vitórias sobre a Argentina na Bombonera e Inglaterra em Wembley.

Foi tudo muito bom? Foi? Só que ainda não acabou. Aos 36 anos, com o joelho recuperado após operação, ele ainda quer jogar por quatro anos, antes de se dedicar a alguma outra faceta do futebol.

Em entrevista ao UOL Esporte, Jean falou com sobre a carreira, do choque cultural na Índia, com suas vacas sagradas, e de como o Palmeiras de hoje é o São Paulo de ontem.

A receita do São Paulo que o Palmeiras copiou

Jean chegou ao São Paulo em 2002 pelas mãos de Cocada, ex-jogador do Vasco nos anos 80, e que também é irmão do ídolo são-paulino Muller. Foi Cocada quem convenceu o jovem Jean de que o Tricolor seria o lugar ideal para ele se desenvolver. Mas foram seis longos anos até que o jogador de fato pudesse atuar com regularidade. E aí a carreira deslanchou.

O tempo no Morumbi, porém, não foi só de alegrias. Com saudade de casa, o volante ensaiou por algumas vezes abandonar o futebol e voltar para Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, sua cidade natal. Chegou a integrar o elenco profissional em 2005 e em 2006. Mas Jean só conquistaria espaço no time titular do São Paulo em 2008, depois de empréstimos para Marília, Penafiel-POR e uma inusitada excursão à Índia, onde se destacou junto com Hernanes. "A gente conheceu o rio Ganges, que é sagrado para eles, que tem gente que lava as roupas, toma banho, bebe a água, e ninguém limpa o rio. Tem a coisa da vaca, que é um bicho sagrado para eles. Tem muita curiosidade. E no futebol, os jogos foram bons, equipes boas, não teve jogo fácil. Foi realmente muito bom", relembra.

Depois de alguns treinamentos no CT da Barra Funda, despertou o interesse da então comissão técnica tricolor. Muricy Ramalho o subiu de vez para o time de cima, onde ele formou a dupla de volantes com Hernanes. A equipe ficou marcada pela recuperação no Brasileirão e conquistou o tricampeonato da competição.

"Naquela época, todo jogador queria jogar pelo São Paulo, porque sabia da organização, da seriedade, sabia como eram feitos os trabalhos, da transparência de um modo geral, de estrutura, principalmente porque era tudo em dia, tudo em ordem", recorda Jean.

Para o polivalente jogador, é a mesma receita que faz o Palmeiras dominar o futebol brasileiro nos últimos anos, com as conquistas dos títulos brasileiros e da Libertadores.

"Sobre o Palmeiras, é o que aconteceu no São Paulo quando eu estava lá, há muito tempo. O Palmeiras conseguiu isso através de patrocinadores, dos presidentes. O Paulo Nobre chegou e mudou a cara do Palmeiras. Trouxe jogadores de destaque e conseguiu manter no time. Tem que trazer jogadores que vão crescer ao decorrer da carreira e jogadores que vão fazer parte da espinha dorsal do time. Que aí a base, os outros jogadores vão crescendo juntos, também", analisa o volante.

Pelo Verdão, Jean disputou 132 jogos, marcou 12 gols e ainda serviu os companheiros com 13 assistências. Assim, teve papel fundamental na conquista do Brasileirão de 2016, atuando em 34 das 38 partidas do time na competição. Em 2018, atuando como um meia aberto pela direita, repetiu a dose e levantou a taça do Brasileiro com o Palmeiras.

"Eu acredito muito nisso, que o Palmeiras consegue manter isso por patrocinadores fortes. O treinador pede e normalmente o clube traz e mantém essa seriedade, deixando tudo em ordem, tudo em dia, para deixar o ambiente bom para o jogador só se preocupar com o jogo. Tem que ter uma gestão séria e honesta do lado de fora de campo", afirmou Jean.

Jean durante treino do Palmeiras na temporada 2016 - Cesar Greco/Fotoarena/SE Palmeiras - Cesar Greco/Fotoarena/SE Palmeiras
Jean durante treino do Palmeiras na temporada 2016
Imagem: Cesar Greco/Fotoarena/SE Palmeiras

A época do Fluminense

Embora tenha conquistado dois Brasileiros por São Paulo e dois com a camisa do Palmeiras, Jean tem ótimas recordações da época em que jogou no Rio de Janeiro.

"Quando eu cheguei no Fluminense, tinham jogadores campeões 2010, já pelo time, e eu tinha sido pelo São Paulo. Por mais que fosse outro clube, era o mesmo campeonato. Então, cada um ajuda da sua maneira, com a experiência que viveu. Não precisa necessariamente ser campeão pelo clube, até porque normalmente o cara é campeão e o clube tem dificuldade de segurar. Mas, não é regra, mas é importante conhecer o campeonato, como que ganhou. No meu caso, quando cheguei no Fluminense, com a vivência do São Paulo", conta Jean, sobre o amadurecimento que o fez viver uma grande fase no tricolor carioca.

As boas atuações no Fluminense renderam a Jean a oportunidade de realizar o sonho de vestir a camisa da Seleção Brasileira entre 2012 e 2013.

Em um ano, dois títulos com a seleção

O bom rendimento no Fluminense e a possibilidade de fazer várias funções em campo credenciaram Jean a ser convocado por Mano Menezes, em 2012, e deram ao jogador uma das melhores recordações da carreira.

"Jogar na Bombonera é inigualável. Costumo dizer que todo jogador de futebol tinha que passar por lá. Porque é algo assim, sem explicação. Posso tentar me expressar, mas só quando você entra naquele campo, com torcedor em cima de você, e aquela paixão, a loucura deles, é algo extremamente diferente. E jogando contra a Argentina, comemorando um título dentro de lá. É algo que não dá para expressar, é só o sentimento, algo muito gratificante", conta Jean, sobre o jogo que deu ao Brasil o título do Superclássico das Américas, em 2012, contra a Argentina.

As boas atuações no Fluminense e o sucesso recente com a camisa da amarelinha deram a Luiz Felipe Scolari - sucessor de Mano no comando da Seleção -, a confiança para seguir convocando Jean. Em 2013, ele fez parte do grupo que conquistou a Copa das Confederações. Embora tenha vencido a Espanha, então campeã do mundo, por 3 a 0 no Maracanã, Jean recorda que a euforia não passou a fazer parte do grupo que disputaria a Copa do Mundo de 2014, no Brasil.

"Tive a felicidade, quando joguei no São Paulo, de criar uma amizade bem bacana com o Rivaldo. E quando a gente foi campeão, foi toda uma euforia, empolgação porque ganhamos com sobra. Então, todo mundo falava que na Copa de 2014 o título era nosso. A motivação estava muito grande, os jogadores em si, sabiam e entendiam que não era bem assim, a empolgação era mais do torcedor. E quando eu conversei com o Rivaldo depois do título, ele falou que foi ótimo, que a Seleção sobrou. Mas que na Copa do Mundo é outra história, a concentração das seleções é diferente, a motivação, o foco, é tudo diferente. E assim como ele, vários jogadores experientes do nosso time também sabiam disso."

Jogadores da seleção brasileira comemoram título da Copa das Confederações no Maracanã em 2013 - REUTERS/Kai Pfaffenbach - REUTERS/Kai Pfaffenbach
Jogadores da seleção brasileira comemoram título da Copa das Confederações no Maracanã em 2013
Imagem: REUTERS/Kai Pfaffenbach

Palmeiras: faltou trabalhar com Abel?

Bicampeão brasileiro pelo Palmeiras, em 2016 e 2018, Jean vê o Verdão enfileirar taças nos últimos anos. E Jean se ressente de não poder participar dos melhores anos da história do clube paulista.

Depois do bicampeonato nacional em 2018, Jean foi perdendo espaço no time titular em 2019. A demissão de Felipão, que comandava a equipe no título Brasileiro de 2018, contribuiu para que ele fosse cada vez mais preterido no time titular. A chegada de Vanderlei Luxemburgo, em 2020, o tirou do radar e a solução foi um empréstimo para o Cruzeiro.

"Eu tive a oportunidade de conversar com o Abel, uma conversa rápida. Ele é um cara fantástico. Inclusive, eu passei por um time de Portugal, antes da base do São Paulo, que era na cidade dele (Penafiel) e conversamos sobre isso. Mas, com certeza eu gostaria, quem não gostaria? Um treinador top, um cara bem humano, que acredito que se tivesse chegado um pouco antes, eu teria tido mais oportunidade com ele", lamenta o volante.

"Mas, sou muito grato por tudo que o Palmeiras fez por mim, inclusive na cirurgia, me acolheram, me ajudaram a zerar meu joelho novamente. Sou muito grato e foi um ciclo que se encerrou."

Aumento da violência no futebol

O ano de 2022 tem registrado um aumento dos conflitos violentos no futebol. Só neste mês, dois episódios de violência. Na partida entre Santos x Corinthians, um torcedor santista invadiu o gramado da Vila Belmiro e tentou dar uma voadora em Cássio. Alertado pelo atacante Marcos Leonardo, do Santos, Cássio conseguiu se livrar da agressão.

"É muito importante nós jogadores comentarmos sobre isso. Eu passei por situações bem complexas, de torcedor invadindo o CT do Palmeiras em 2016. Parecia que a gente era bandido. No São Paulo, a gente foi eliminado pelo Avaí [em 2011] e todo mundo na porta do CT, amassaram meu carro, aquela coisa toda. Passei pelo Fluminense também, chegando no aeroporto, tivemos que sair de carro de dentro da pista de pouso e mesmo assim não teve jeito. Essa situação é muito difícil e se as organizações não começarem a criar uma segurança mais forte, infelizmente vai acontecer algo mais pesado. A gente tem que falar disso sempre, porque as coisas estão piorando. Onde existe isso? De entrar em campo e partir para cima do Cássio? Ele vai ter que ficar olhando para os lados quando estiver em campo? A gente tem que expor isso, porque gera uma revolta na gente, os jogadores têm de se posicionar", alertou o jogador, preocupado com a escalada da violência no futebol.

No jogo entre Flamengo e Atlético-MG, pela volta das oitavas de final da Copa do Brasil, torcedores do time mineiro brigaram entre si. O ônibus do Galo também foi atacado pela torcida do Flamengo quando chegava ao Maracanã. Há quem aposte que Gabriel Barbosa inflamou os ânimos ao dizer após a primeira partida do mata-mata que o clube mineiro conheceria o "inferno" no jogo de volta.

Atlético-MG x Flamengo: Organizadas se envolvem em briga - Twitter - Twitter
Organizadas se envolvem em briga
Imagem: Twitter

"O ônibus do Atlético foi apedrejado. Eu sei que o Gabigol falou do inferno como motivação para o time, o torcedor. Mas, queira ou não, inflama o torcedor e quando vê o adversário, vai tentar botar medo, fazer o que for, e muitas vezes isso acaba em violência. Então, a gente precisa falar mais sobre isso e a CBF tem que reforçar mais essa segurança", pediu Jean.

Parar? Ainda não!

Aos 36 anos, Jean prevê jogar por mais dois ou três anos antes de se aposentar dos gramados. Sem clube desde que seu contrato com o Palmeiras chegou ao fim no ano passado,

"Eu quero continuar jogando. Estou treinando, trabalhando, tem um ano que acabou meu contrato com o Palmeiras, fiquei dois meses no Fluminense, treinando. Sei que meu joelho já não é mais um problema, estou me cuidando. Pensando num pós-carreira, sinceramente, não tenho nada planejado ainda. Quero descansar, vocês imaginam como é nossa carreira, como suga a gente, principalmente a questão de tempo com a família. Quero pensar só mais para frente no que fazer depois. Vou pescar muito, no Mato Grosso do Sul, estou aqui agora, estou aproveitando para treinar e pescar. Pensar nisso só mais para frente."