Topo

Santos

Quem é o técnico de referências holandesas que vem subindo na base santista

Bruno Silva, técnico das categorias de base do Santos - Divulgação/Santos FC
Bruno Silva, técnico das categorias de base do Santos Imagem: Divulgação/Santos FC

Eder Traskini

Colaboração para o UOL, em Santos

13/03/2020 04h00

O Santos promoveu mais de uma reformulação nas categorias de base desde que José Carlos Peres assumiu a presidência do clube. Diversos nomes foram trocados, principalmente no comando técnico dos times, mas um deles é uma constante na base, mais que isso: Bruno Silva vem "escalando" as categorias do Peixe.

Contratado no início de 2017 como auxiliar técnico do sub-11, o paulistano de 32 anos foi alçado a técnico da categoria no início do ano seguinte e não parou mais. Acumulando bons trabalhos, ele subiu ao sub-13, no ano passado, e inicia a temporada de 2020 como treinador do sub-15 santista.

De origem humilde, Bruno cresceu na periferia de São Paulo, no Itaim Paulista. Filho de mãe militar, ele estudava em colégio militar e não nega que, na infância, tinha acesso fácil a drogas, mas escolheu o caminho do futebol.

"Sou oriundo do Itaim Paulista, periferia de São Paulo. Cresci em um bairro em que a criminalidade era alta, acesso muito fácil a drogas. Minha mãe era militar, sempre muito rígida, meu pai com formação em economia também sempre incentivou a estudar e se planejar. Ver que a única forma de mudar minha realidade era o futebol ou o estudo, faz com que eu tenha hoje essa preocupação com a formação do cidadão", contou Bruno em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

Pegava uma lotação até a estação de trem, depois fazíamos duas ou três baldeações para chegar ao colégio. Evitávamos sair com a camisa do colégio. Dividíamos espaço com criminosos e usuários de drogas, havia essa preocupação. Minha mãe tinha cuidado de não sair fardada de casa. Por conta do risco, acabamos mudando para o centro. Havia preocupação por ser filho de militar e morar na comunidade. As pessoas olham o militar, o PM, e veem como rival, que vai atrapalhar o andamento do negócio dele

Muito por causa do que já viveu, Bruno se dedica paralelamente ao futebol social. Desde antes de formado, ele participa do projeto de Cruyff, em São Paulo, onde foi professor e coordenador técnico por quatro anos. O trabalho o fez ser convidado pela federação holandesa (KNVB) para cursos de treinador na própria Holanda e, depois, recebeu o convite para ser instrutor da KNVB no Brasil.

O técnico, quando ainda não era formado, apresentou um estudo em Glasgow, na Escócia, sobre a organização tática ofensiva das seleções da Inglaterra e Holanda durante a Copa do Mundo de 2010. O estudo se converteu em artigo publicado.

Bruno vê semelhanças, e também diferenças, entre o modelo holandês de futebol e o DNA ofensivo do Santos. Ele crê poder implementar alguns aspectos de sua principal referência já na base do Peixe.

"Quando falamos de filosofia holandesa, futebol total, nos recordamos dos times da Copa de 74 e 78, a Laranja Mecânica, e eu gosto também do time de 88 que foi campeão da Eurocopa, com van Basten, Gullit e Rijkaard. É possível introduzir princípios do futebol holandês no Santos, até pela característica e filosofia do clube. No sub-15 é um novo processo, vai demandar tempo para inserir conceitos do futebol holandês: a troca constante de posição, futebol com amplitude e profundidade, o 4-3-3 à moda antiga. Importante dizer que o Santos tem uma filosofia clara e a vertente se fala em algum momento, mas alguns pensamentos são distintos. Pretendo preservar a identidade do clube e, se puder, acrescentar algum aspecto que vivenciei com os holandeses, farei", explicou.

Como é de se perceber, Bruno pertence à vertente estudiosa da classe. Ele é formado em Educação Física na Universidade Cidade de São Paulo e faz mestrado em Ciência da Atividade Física na Universidade de São Paulo (USP). Sua tese contempla estudos de rastreamento visual no momento do pênalti e o efeito da idade relativa no futebol de base.

Antes do Peixe, o técnico passou pela Portuguesa e pelo rival Corinthians, mas ressalta que seu sonho sempre foi trabalhar no Santos, clube de sua infância.

"Meu sonho sempre foi estar aqui. Minha família toda é santista, eu também tenho um carinho imenso, é o clube da minha infância. Obviamente quando nos tornamos profissionais isso acaba ficando em segundo plano", disse.

Mesmo contratado pelo Peixe, Bruno mantém seu trabalho no futebol social, em um projeto no Jardim Penha, em São Paulo. Ele é uma das principais referências na área, tanto que foi convidado pela CBF para ser um dos autores da metodologia do futebol social.

É essencial um treinador, além de dominar as competências técnicas e táticas, ser um educador, um conselheiro, um tutor, e em alguns momentos até ocupar a figura do pai.

Antes de decidir pela carreira de técnico, Bruno Silva chegou a jogar futebol e rodou pelas categorias de base de clubes menores. No entanto, teve de tomar uma decisão aos 21 anos em virtude da bolsa que recebia desde a morte de sua mãe, quando Bruno tinha ainda 13 anos.

"Aos 13 anos minha mãe faleceu e aí defini que minha carreira seria no futebol. Joguei na base, mas em clubes pequenos. Na idade para profissionalizar eu tive que decidir: ou jogava por clubes pequenos ou ingressava na faculdade. Como minha mãe era militar, eu podia entrar na faculdade até os 21 anos e continuar recebendo um subsídio financeiro", explicou.

Como não poderia ser diferente, Bruno sonha em treinar a equipe profissional do Santos, mas não vê isso como um objetivo a curto prazo. Ele ressalta os mundos distintos entre base e profissional, e prefere começar como auxiliar na equipe de cima.

"Tempo é difícil dizer. Em três anos eu não pensava em estar treinando o sub-15. Penso em chegar ao sub-20 em quatro anos. Aí quem sabe ter a oportunidade de estar no profissional, mas como auxiliar. É um mundo muito distinto. Vemos grandes treinadores de sucesso na base que não repetiram isso no profissional. Preciso de no mínimo dois a três anos no sub-15. É um sonho treinar o profissional, claro, mas gostaria de primeiro ter a oportunidade de ser auxiliar, para no futuro, já mais velho, chegar ao cargo de treinador, por que não?", almejou.

Agora no sub-15, Bruno vê a tarefa como o maior desafio da carreira. Na época de Corinthians, o técnico passou por sub-9, sub-11, sub-13 e chegou a comandar o sub-14 em uma competição, mas não definitivamente. Ele já enumera os jogadores para o torcedor santista ficar de olho, mas crê na evolução de outros ao longo do trabalho.

"O Felipe Laurindo teve um ótimo ano. Outros chamaram atenção, o Deivid, o Matheus Lima, os zagueiros Jair e Kazim, o goleiro Rodrigo Falcão. Temos muitos jogadores com qualidade para se desenvolverem e ganharem destaque. Estamos no início. Com o trabalho, outros evoluirão e o torcedor santista pode esperar por uma nova geração de grandes jogadores", relatou.

Santos