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Guardiola motiva promessa do City em nova carreira após problema no coração

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Imagem: Divulgação

Caio Carrieri

Colaboração para o UOL, em Manchester (ING)

08/09/2018 04h00

Emigrante aos seis meses de vida, aposentado como jogador de futebol aos 21 anos. As experiências prematuras moldaram Sinan Bytyqi, que escapou da guerra em Kosovo rumo à Áustria ainda bebê e, mais de duas décadas depois, teve de abandonar o desejo de ser atleta profissional por um problema no coração.

“Tudo isso influenciou o meu caráter e fortaleceu a minha personalidade em comparação a quem sempre viveu cercado por um bom ambiente”, diz ao UOL Esporte no City Football Academy, o luxuoso centro de treinamento do Manchester City, atual campeão inglês.

Sinan, 23, já havia desfrutado nas categorias de base das modernas instalações, com 16 campos. A transição para os escritórios, onde compõe a equipe de scouting (análise e observação de rivais e potenciais talentos)  do clube, foi a alternativa encontrada para se manter ligado ao futebol. Em 2016, ele foi contactado às pressas pelo City enquanto estava emprestado ao Go Ahead Eagles, da Holanda. Os exames de rotina realizados na Inglaterra haviam detectado uma cardiomiopatia hipertrófica, doença que causa crescimento anormal do músculo cardíaco e provoca arritmia.

Se continuasse atuando, havia 4% de chances de o ex-meio-campista ter uma morte súbita em um treino ou em uma partida. “Decidi buscar novas opiniões, com médicos diferentes. Fiz exames na Holanda, na Alemanha, em Londres, e os resultados foram os mesmos. O City consultou a Fifa, a UEFA, e tinham muitas barreiras para eu continuar jogando, porque cada país tem uma regra diferente”, relembra. “O Txiki (Begiristain, diretor de futebol) disse que a decisão era minha, mas que o clube me apoiaria de maneira irrestrita no caminho que eu escolhesse e que não era para eu me preocupar com contrato, nada”.

Scout desde o fim do ano passado, Sinan monitora os jogadores emprestados pelo City, caso de Douglas Luiz, ex-Vasco e de volta ao Girona temporariamente após ter o visto de trabalho negado para trabalhar com Josep Guardiola. As experiências ainda como jogador, sob o comando do catalão, aliás, alimentam o sonho de seguir a carreira como técnico.

Além de ter participado de treinamentos com a equipe principal, Sinan integrou a delegação que fez a pré-temporada na China, em julho de 2016, quando Guardiola assumiu o time ao deixar o Bayern de Munique. “Ele sabia que eu falo alemão, então brincou que esse era o nosso segredo, o de poder falar em outro idioma”, relembra. “Durante os treinos eu sempre prestava muita atenção no que ele fazia, a confiança que ele passava para todo mundo. Chamava todos pelo nome e dava o mesmo tratamento seja para o Agüero ou para alguém da base. Ele não se importa com idade. Se o jogador tem talento, vai ter espaço. Foi um enorme aprendizado poder ver de perto a atitude dele dentro de campo”.

Patrick Vieira, então comandante do sub-23 e hoje no Nice-FRA, é outra grande inspiração. “A maior lição que aprendi com ele foi a de respeitar os outros independentemente do que eu conquistar. Ele ganhou tudo, até Copa do Mundo, mas cumprimentava um por um no CT”.

Foi por uma recomendação de Vieira que Sinan Bytyqi ficou perto de estrear pelo time principal do City. Em setembro de 2014, o francês sugeriu o jovem de 19 anos, destaque nas atividades das equipes inferiores, para completar o banco de reservas em uma partida da Copa da Liga. Nastasic teve um contratempo no dia do jogo, e Sinan assistiu à goleada por 7 a 0 contra o Sheffield Wednesday entre os suplentes, ao lado de Manuel Pellegrini. 

“Eu estava em casa, relaxando. De repente recebi uma ligação do Patrick pedindo para eu estar no CT em determinado horário. Aconteceu do nada e foi a minha maior conquista como jogador”, recorda.

Engana-se quem pensa que a falta de uma partida profissional no clube que o acolheu seja motivo de tristeza, quase dois anos depois de se ver obrigado a se aposentar precocemente. “Sempre haverá dias melhores, porque quando uma porta se fecha, muitas outras se abrem. Às vezes uma adversidade vai te proporcionar algo muito maior mais para frente. Quem sabe se na minha carreira como treinador eu não possa ser muito melhor do que eu faria como jogador?”.