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Especialistas criticam postura do Qatar de não testar na Copa: 'Negligente'

Torcedores acompanham a partida entre Argentina e México na Copa do Mundo do Qatar - Simon Bruty/Anychance/Getty Images
Torcedores acompanham a partida entre Argentina e México na Copa do Mundo do Qatar Imagem: Simon Bruty/Anychance/Getty Images

Paulo Favero e Talyta Vespa

Do UOL, em São Paulo

29/11/2022 17h20

Classificação e Jogos

Milhares de torcedores de todas as partes do mundo foram para o Qatar para acompanhar os jogos da Copa do Mundo. Essa mistura de povos promove uma festa bonita, mas também aumenta a possibilidade de contaminação por covid-19 e outras doenças, até mesmo pela falta de protocolos específicos no país árabe.

Durante o Mundial, a Fifa não estabeleceu checagens de rotina nos jogadores e comissão técnica das seleções, assim como o Qatar não exige testes de torcedores, jornalistas e todo mundo que entra no país. Também não há obrigação de exibir o comprovante vacinal completo. Para especialistas ouvidos pelo UOL, essa situação evidencia uma negligência das autoridades sanitárias.

Segundo Jesem Orellana, da Fiocruz-Amazônia, a pandemia de covid-19 foi naturalizada. "Infelizmente a Copa do Mundo é o mais atual exemplo. O evento no Qatar é um convite às novas variantes, principalmente quando se acredita que vacina sozinha faz milagre", afirmou.

Para o epidemiologista, já era esperada uma disseminação alta das novas cepas da Ômicron durante a competição, ainda mais em um cenário sem testagem obrigatória para entrar no país e para circular nos primeiros dias no Qatar, bem como a obrigatoriedade do comprovante vacinal atualizado, como foi feito no Japão para a Olimpíada de Tóquio.

Justamente por isso que ninguém está testando ou seriam obrigados a desfalcar drasticamente os times, nas diferentes fases da competição, devido à necessidade de isolamento dos doentes/infectados", disse.

"Se as delegações estivessem sendo rigorosas, com a mais absoluta certeza teriam aparecido muitos casos positivos. Ao contrário, não aparece 'nenhum', pois estão sendo ocultados. Com essas versões mais contagiosas da Ômicron é impossível não termos surtos no Mundial. E entre os torcedores, então, a farra do vírus deve ser ainda maior e fora de controle", lamentou Jesem Orellana.

Segundo dados da plataforma Worlometers sobre casos de covid-19, o Qatar registrou 371 novos casos hoje (29). É um número bem abaixo de Japão (127.422 casos no dia) e Coreia do Sul (71.476), por exemplo, mas em cenários de grande testagem na população. E durante a Copa do Mundo, as preocupações locais com a pandemia ficaram em segundo plano.

Até pela ausência de protocolos rígidos, a seleção brasileira optou por não testar jogadores do elenco que tiveram sintomas gripais recentemente. Neymar teve febre. Antony e Raphinha apresentaram rouquidão. Lucas Paquetá teve sintomas de gripe e Bruno Guimarães teve mal-estar e até vomitou.

A CBF, no entanto, não vê relação viral entre os casos e optou por não testar atletas para a covid-19, decisão que o Qatar deixou a critério de cada delegação. "Na hora da avaliação médica não passou nem perto de fazer esse tipo de teste [covid]", disse Juninho Paulista, coordenador da seleção.

A desconfiança da CBF, inicialmente, é de que as variações de temperatura em Doha estejam prejudicando a saúde dos jogadores. O epidemiologista André Ribas, entretanto, explica que não é bem assim. Segundo ele, as mudanças bruscas de temperatura no Qatar — muito quente e seco fora, e ar-condicionado no talo em ambientes fechados — não são suficientes para causar casos de febre.

Para o especialista, a decisão de não testar jogadores durante a Copa é negligente e irresponsável. "Se realmente não estiverem testando, é um problema. A doença continua bastante séria, apesar da vacinação. As síndromes gripais são indistinguíveis entre si. É muito difícil um adulto diferenciar uma síndrome gripal causada por influenza e a causada pelo coronavírus, apesar de a gravidade dos casos de covid-19 ser muito maior. Só com teste mesmo".

Ribas explica que a hipersensibilidade à variação climática pode causar tosse e expectoração, além de rinite e asma. A febre, sinal de infecção, no entanto, não. "O clima em si não desencadeia quadros respiratórios infecciosos", explica. "Ainda estamos em uma pandemia, o vírus continua sendo transmitido. Os países que têm condições deveriam evitar a dispersão desse vírus. Com um diagnóstico, é mais fácil evitar o contágio, ainda mais num evento de grande porte como a Copa do Mundo."

Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, o médico Alexandre Barbosa concorda. Ele acredita que a decisão de não testar atletas é uma "imensa irresponsabilidade dentro de uma concentração". Segundo ele, mesmo com jogadores vacinados, o vírus pode ser nocivo para outras pessoas. "De repente um apoiador técnico, alguém com mais idade, pode ser vítima da covid-19. Se alguém estiver contaminado, é necessário isolar".

De qualquer maneira, algumas seleções já começaram a reforçar os protocolos por contar própria. Japão e Inglaterra estão exigindo o uso de máscaras faciais em suas atividades. E se a situação continuar piorando, é possível que outras delegações resolvam tomar medidas mais duras para não correr risco de perder jogador para a covid-19 durante a Copa.