Topo

Rodrigo Mattos

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Tem que haver limite para clube reclamar de arbitragem na CBF, diz Seneme

Seneme, novo chefe de arbitragem da CBF - NORBERTO DUARTE / AFP
Seneme, novo chefe de arbitragem da CBF Imagem: NORBERTO DUARTE / AFP

16/04/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Com Igor Siqueira

Novo chefe da comissão de arbitragem da CBF, Wilson Seneme, pretende estabelecer uma nova forma de relacionamento entre a CBF e árbitros com dirigentes e jogadores. Na entidade, pretende limitar as visitas à sede da entidade a casos pontuais. No campo, quer que os árbitros reduzam suas conversas e explicações aos jogadores.

Essa é a segunda parte da entrevista de Seneme para o blog. Na primeira metade, ele explicou que deseja um VAR menos intervencionista nas partidas, com o árbitro tomando mais decisões no jogo sem pensar no aparato tecnológico.

Agora, ele trata da questão disciplinar e como pretende lidar com reclamações constantes sobre o árbitros. Está claro que pretende mudar a cultura do futebol brasileiro. Veja abaixo as respostas:

Blog: Como vai trabalhar com a questão da disciplina dos árbitros? A Conmebol tem por hábito publicar o ofício no site, dizendo quem está punido e por qual motivo. Isso ficava muito claro. Como pretende fazer aqui na CBF? Vai ter esse nível de transparência?

Seneme: A transparência vai existir, mas cada instituição estabelece sua maneira de agir. Não é comum fazer o que a Conmebol faz, de divulgar sanção de árbitros. Não é comum em lugar algum do mundo. Isso foi uma implementação institucional, não passou só pelo Seneme, comissão de arbitragem. Eu assino porque estou de acordo. Mas passou por comitê disciplinar, jurídico e pelo presidente. É um conjunto que aprovou essa maneira de passar a informação. A gente vai ver aqui na CBF, estudar, conversar com o presidente e ver qual a linha que a gente vai trabalhar. Eu tenho dentro do meu projeto uma linha um pouco mais didática.

Blog: E como seria?

Seneme: É criar um programa de assistência ao árbitro. Ninguém erra porque quer. Eu vou dar cinco jogos a um centroavante porque perdeu um pênalti ontem? Eu acho isso injusto em relação aos árbitros. É um programa de assistência, no qual ele pode ser avaliado fisicamente, psicologicamente, tecnicamente e o lado médico. É para passar por um programa quando comete um erro grave, volta de uma lesão, perde um pai, se separa ou perde emprego. As pessoas esquecem que tem tudo isso. A assistência ao árbitro seria uma referência de recuperação e não só que tenha uma conotação punitiva, como se fosse um criminoso. Aqui na CBF, é um princípio que gostaria de implementar e vou propor isso à instituição. É mais uma maneira pedagógica.

Blog: Transparência do VAR. Vai manter a divulgação dos áudios (ao vivo)?

Seneme: Eu faço parte ainda da comissão de árbitros da Fifa, do grupo de estudos da IFAB. A Conmebol por três anos seguidos enviou a solicitação para que os áudios sejam abertos ao vivo. Assim como na Fórmula 1. Não recebemos autorização, eles negaram. Existe uma pressão para que os áudios sejam abertos durante a transmissão. Acho que no futuro é inevitável. Mas no ao vivo pode sair coisas, não de maldade, mas palavras que não as que deveriam ser utilizadas. Tem um processo de assegurar que o áudio seja adequado para uma transmissão de TV.

Blog: Vem muito dirigente reclamar de árbitro à CBF. Muitas coisas na Conmebol não chegava a você. Como pretende lidar com isso? Qual o procedimento?

Seneme: A gente está avaliando isso. Eu não vou lá no clube questionar quando o jogador errou o pênalti. Mas a gente sabe que a arbitragem está prestando um serviço aos clubes. Isso é inegável. A gente vive dos clubes, indiretamente. O que seriam os árbitros se não houvesse clubes? A gente tem que respeitar. Mas existem maneiras e maneiras. A gente tem que ser acessível, mas temos limites de acessibilidade. Temos que criar um procedimento para isso e receber quando a gente entender que há prejuízo ou uma sequência de prejuízos. Mas a comissão de arbitragem e a CBF não podem ser usadas pelo clube para justificar à torcida. Não queremos ter essa conotação. O equilíbrio disso é muito importante. Senão, vamos ter toda semana todo mundo aqui. E isso não está certo, passa do limite. Eles têm direito, mas eu também tenho direito. A gente recebe cartas, reclamações escritas, tem ouvidoria, corregedoria.

Blog: Outro ponto é a questão disciplinar dos jogadores, que vai além do árbitro. A maioria tenta apitar o jogo. O que é possível fazer em relação a isso?

Seneme: Os árbitros podem melhorar muito essa relação. Os árbitros não podem se colocar em um papel de amizade. A gente vê muito árbitro brasileiro se colocando nesse papel. Vamos dizer assim: você me pergunta, eu te explico, veja se eu te convenço, se não convenci eu explico de novo? Isso não é arbitragem. O árbitro é uma autoridade no jogo. Ele não tem que explicar ao jogador o que ele está vendo. O jogador não tem que perguntar o que ele já sabe. E ocorre isso, não só no Brasil. O árbitro tem que se policiar sobre essa liberdade que dá ao jogador. Não tem que ficar "sai daqui, vai para lá". Não é essa a conotação de má educação. É falar menos, explicar menos. Por muitas vezes, o árbitro explicava sem o jogador perguntar. Ele estabelece uma relação e depois ele paga por ela.

Eu me policiava. Os jogadores de futebol estão no futebol desde os seis, sete anos de idade. Eles têm uma formação prática impressionante. A cabeça vai e volta, identifica as coisas. Jogador vai atirando, arriscando, tentando convencer, falar. Ele sente a receptividade. Se ele tiver, ele continua. E muitos árbitros não se preparam para isso. Se preparam para correr, apitar falta, olhar o bandeira e esquecem do controle da comunicação.

Vai passando o período do jogo, ele entra na rotina de conversação. E isso não está legal. A gente vê um jogo feio, parado. E ninguém está gostando. Se perguntar ao jogador, ele vai falar que não. O repórter, não. O árbitro, não. Então, não está legal para ninguém.

É uma gestão nova da arbitragem. Não venha para esse ano com os problemas do ano passado. Não venham dar para mim o que não é meu. A linha agora vai ser outra. Só que a gente precisa do jogador. Quando 22 não querem, cara. Como é que a gente toca com três dentro do campo?

Quando a gente fala de jogos na Europa, é só o árbitro que é melhor na Europa? Ou é o ambiente, que é de proteção ao futebol? A gente precisa resgatar o apoio dos outros segmentos do futebol e não transformar nessa rotina que foi em alguns momentos do ano passado. Senão, fica difícil transformar a arbitragem.

Blog: O que te faz acreditar que você vai durar os quatro anos do contrato aqui na CBF?

Seneme: A minha força interior. O meu trabalho que fiz na Conmebol, a confiança que eu tenho na minha pessoa, no meu profissionalismo. Hoje, é isso. Amanhã, é a equipe que eu vou formar também. Os que querem estar comigo nessa filosofia. Estamos em um processo, avaliando. Já tive reunião com todos do departamento, uma conversa muito franca. Falei para eles que existe a possibilidade de mudança e de ficar gente. O processo tem que ser rápido, mas queremos passar, sim, uma mensagem de mudança.

Blog: E quanto ao aparato tecnológico? Vai usar a central única que foi montada?

Seneme: A CBF foi pioneira na implementação do VAR, há um trabalho construído que não se pode negar e abrir mão. A gente tem que ter responsabilidade. Não posso chegar aqui, tirar todos os cabos e mandar todo mundo embora.