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Rodrigo Mattos

Globo faz merchan de Cartola até em gol do Brasileiro

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Manhã de domingo: o Atlético-MG enfrenta o Ceará de olho na liderança do Brasileiro quando o árbitro marca um pênalti para o time mineiro. Marrony cobra a penalidade com precisão e faz o gol. Era o momento do narrador exaltar a ponta provisória assumida pelo Galo, o alívio do gol em um jogo duro, a pressão do time de Sampaoli que vingou?

Bem, uma das primeiras observações do narrador foi sobre como ficariam felizes aqueles que tinham escalado Marrony no "Cartola", porque ele acumularia um determinado número de pontos para o seu time. Como se sabe, o "Cartola" é um jogo criado pela Globo em que torcedores competem de acordo com pontuações atribuídas aos jogadores que escalam. A narração era, na verdade, um merchandising do produto na hora do gol.

Não é um caso único. Tornou-se recorrente nas transmissões da Globo, seja na TV Aberta, Fechada e pay-per-view, que narradores e comentaristas falem sobre as pontuações de jogadores do Cartola por determinados lances, como seus times estão se saindo, e por aí vai. Em mesas redondas, isso também ocorre. Aparentemente, existe uma instrução da emissora nesse sentido. Para completar, há gráficos mostrando as pontuações de atletas após certas jogadas tipo cartão amarelo.

O merchandising em programas televisivos, inclusive jogos, não é novidade. Já foram expostas marcas de produtos em transmissões de partidas de patrocinadores e, em certas ocasiões, o próprio narrador faz esse tipo de anúncio.

Faz sentido portanto que a Globo divulgue de alguma forma um produto que lhe rendeu R$ 14 milhões logo na retomada do Brasileiro durante as transmissões. Mas há limites sobre quando o merchan afeta o próprio programa esportivo, o jogo, que é o principal ali.

Primeiro porque as pontuações de cartola estão gerando uma confusão na cabeça do espectador sobre se aquilo ali é uma avaliação do jogador. Quando um comentarista diz que tal atacante fez tantos pontos, isso é um elogio a sua atuação?

Não deveria haver essa mistura porque a pontuação do joguinho não tem nada a ver com uma avaliação de fato do desempenho do atleta. Já é difícil uma estatística refletir o que ocorre no campo de futebol. Pior ainda que esse número é de um joguinho sem nenhum fundamento técnico para avaliar atletas. Mas, quando comentaristas que deveriam avaliar o jogo tecnicamente falam sobre pontuações, misturam tudo no mesmo balaio.

"Ah, mas nenhum torcedor vai confundir isso" Não é verdade. Os torcedores que jogam o produto cada vez estão levando a sério essas pontuações como se definissem uma atuação de atleta.

Nesta semana, o atacante corintiano Jô teve que ir ao seu Instagram para explicar que não atua para fazer pontos no Cartola, e sim para ajudar o Corinthians. Parece óbvio, mas precisou ser dito pela pressão que ele sofreu por dois pênaltis perdidos e "pontos perdidos" para quem o escalou.

É bastante complicado portanto misturar avaliações jornalísticas com números de um jogo rentável para a Globo. E é um anticlímax misturar feitos reais esportivos como um gol importante com merchandising. Até porque tem bastante gente pagando para ver uma transmissão do jogo de fato seja em pay-per-view ou TV Fechada, e não para receber avaliações de produto.

Imaginemos a seguinte cena: o time de Sampaoli engrena e o Galo se encaminha para conquistar o Brasileiro depois de 49 anos do seu primeiro e único. No último jogo, no sufoco, Marrony faz mais um gol. No festejo do tento do título que acaba com a fila, o narrador menciona que seria ótimo festejar com a marca de cerveja X aquela conquista. Ia ser bizarro. Bom, mencionar o Cartola após um gol também é.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferente do que foi informado, o Atlético-MG conquistou o Campeonato Brasileiro pela última vez há 49 anos, e não 39. O erro foi corrigido.