Topo

Rodrigo Mattos

Final da Champions desalojar Palmeiras marca Brasil como periferia da bola

22/08/2020 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A retirada do Palmeiras x Santos do Allianz Parque por conta de um evento para ver a final da Champions League gerou uma discussão sobre o acordo do clube alviverde em relação ao estádio. Isso desvia o foco do que deveria ser o debate pertinente: quando o Brasil se tornou um país tão periférico da bola que comercialmente faz sentido trocar um clássico real brasileiro por uma final virtual europeia?

Bem, para tirar a primeira discussão da frente, não entendo que o acordo do Palmeiras para ter seu estádio seja ruim. O clube não gastou, nem se endividou, e passou a ter uma arena moderna. Em troca, abriu mão da gestão da arena e pode, sim, perder jogos importantes em algumas ocasiões. Leva bilheterias dos jogos e parte das rendas de eventos.

O acordo é incomparavelmente melhor do que o do rival Corinthians que se endividou e está quebrado, em parte, por conta da construção de seu estádio. Não há lugar para infantilidade tipo "esse estádio não é seu" no futebol profissional: o clube tem que fazer o melhor para sua saúde financeira e seus resultados esportivos. E assim foi feito. Cabe a W/Torre escolher os melhores negócios para pagar a construção.

Dito isso, partamos para discussão mais pertinente: por que a W/Torre prefere tirar o Palmeiras de campo em favor do drive Inn da Champions?

Bom, por óbvio, a pandemia de coronavírus e a falta de público nos jogos pesaram na decisão. Faltam eventos à W/Torre e o jogo não iria gerar renda.

Mas, para além disso, é fato que a Champions virou um evento maior do que o Brasileiro neste final de semana, inclusive no Brasil. Pergunte a qualquer torcedor que dirá que, fora se o jogo do seu time passar na mesma hora, provavelmente assistirá ao confronto entre PSG x Bayern em vez da rodada do Nacional.

Pior, cada vez mais isso pode acontecer com jogos menos relevantes na Europa como fases eliminatórias da Champions, ou partidas da Premier League, ou da La Liga. Se for comparar com jogos de Estaduais então, é capaz de o telespectador preferir qualquer partida europeia a um time grande enfrentando um pequeno em fases preliminares de um Carioca ou do Paulista.

E isso é culpa da CBF e dos nossos clubes que capengam na promoção do futebol nacional. É verdade que nunca teremos todas as estrelas internacionais da Champions, mas poderíamos ter uma liga muito melhor organizada e tratada do que é o Brasileiro.

Veja o calendário esdrúxulo que a CBF aprontou para 2021 com o Brasileiro espremido em seis meses para privilegiar os falidos Estaduais das aliadas federações. Ou veja os seguidos desfalques impostos aos clubes por coincidências com jogos da seleção.

Some-se a isso a lentidão da confederação em promover um Fair Play sério que obrigue os clubes a arrumarem suas finanças. Por isso, capengam ano a ano. Há ainda a confusão em torno das transmissões por conta da disputa jurídica gerada pela MP do Mandante.

Quando se vai assistir ao que ocorre no campo, o Brasil ainda tenta se livrar de uma mentalidade atrasada que privilegia resultados sobre tudo sem ver o futebol como um espetáculo, o que só é possível com práticas modernas. O próprio Palmeiras, nas mãos de Vanderlei Luxemburgo, apresenta um futebol paupérrimo que mesmo o palmeirense sofre para ver. O pacote é duro de aturar, só sobram fanáticos.

Enquanto isso, a UEFA coloca todos os seus jogadores e campeonatos em videogames, os clubes fazem marketing no Brasil, há camisas de europeus em todas as lojas, nos cartazes estão Neymar de um lado e Lewandovski do outro. E o jogo apresentado é, em geral, bom, emocionante.

Ora, em um cenário assim, qualquer executivo de marketing, seja da W/Torre ou de outra empresa, vai preferir dar ao público o jogo da Champions League ao do Brasileiro. Não adianta criticar uma decisão como esta de tirar o Palmeiras de casa sem pensar no quadro amplo. O Brasil precisa descobrir como fazer de seu futebol um evento mais atrativo do que os jogos europeus ou está condenado a ser desalojado cada vez mais.